A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar 8 militares membros das Forças Especiais, os chamados “kids pretos” e um policial federal por tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022 de modo a manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. Os magistrados também votaram pela absolvição do general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira por falta de provas – a primeira desde o início dos julgamentos da trama golpista. Ainda falta a dosimetria das penas.
A maioria acompanhou o relator, ministro Alexandre de Moraes. Já votaram Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Falta apenas o voto do ministro Flávio Dino, presidente da 1ª Turma. O colegiado está apenas com quatro magistrados por conta da transferência do ministro Luiz Fux para a 2ª Turma.
Até o momento já foram julgados e condenados pelo STF 24 réus por tentativa de golpe de Estado, entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares da alta cúpula, como o general Augusto Heleno e o general Braga Netto e agora os “kids pretos”.
Dos oito militares condenados, seis responderão integralmente pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.
Outros dois, o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior e o coronel Márcio Nunes de Resende Júnior foram condenados em crimes de menor potencial ofensivo – o de incitação e animosidade contra as Forças Armas e associação criminosa. Caso haja confissão desses dois réus, a Corte autoriza o oferecimento do Acordo de Não-Persecução Penal pelo Ministério Público.
Quanto à absolvição do general Theophilo, os ministros entenderam que as duas únicas provas contra o militar vieram da colaboração de Mauro Cid e de mensagens apreendidas no celular dele. Segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), após a negativa do comandante do Exército, Freire Gomes, de aderir ao golpe, o ex-presidente Jair Bolsonaro teria se reunido com Theophilo para pedir apoio, uma vez que ele era responsável pelo Comando de Operações Terrestres. No entanto, tanto o militar quanto Bolsonaro negaram conversa com teor golpista em depoimentos no STF.
Dessa forma, na avaliação do relator, ministro Alexandre de Moraes, não havia provas. “Em que pese fortes indícios ao réu, entendo que não seja possível condená-lo por duas provas produzidas pelo colaborador premiado sem outra comprovação”. O magistrado lembrou que existe jurisprudência pacífica que, em se existindo dúvida razoável, a dúvida deve favorecer o réu.
Contudo, Moraes defendeu que “as provas são fartas” de que os militares condenados agiram para romper com a ruptura institucional e que foram cooptados pelo núcleo crucial liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, militares e civis do alto escalão – já condenados pela Corte. Os demais ministros acompanharam o raciocínio.
Os réus do núcleo militar são acusados pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, de serem os responsáveis pelas “iniciativas mais violentas” da organização criminosa e que a partir de seus conhecimentos táticos especiais buscaram operacionalizar o caos social e a neutralização de autoridades centrais do regime democrático, a fim de garantir a decretação de medidas excepcionais.
De acordo com a denúncia, o grupo tentou executar o plano golpista, como possível sequestro e morte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice, Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes. Esse grupo teria planejado e tentado executar o Plano Punhal Verde e Amarelo e o plano Copa 2022. O único civil é o agente da Polícia Federal, Wladimir Matos Soares, responsável pela segurança de Lula durante a transição. O grupo também usava grupos de mensagens para tentar influenciar o golpe e contra as instituições democráticas.
Para a maioria dos ministros, o grupo tinha intenção consciente de tentar um golpe de estado e as ações só não seguiram pela falta de adesão dos comandantes das Forças Armadas à proposta do ex-presidente e seus aliados.
Inclusive, o objetivo do grupo era conseguir maior adesão do alto comando à manutenção de Jair Bolsonaro do poder, mesmo depois dele perder as eleições. Rebatendo o argumento dos advogados dos réus de que os Forças Especiais não teriam poder para convencer os militares mais graduados, Moraes disse: “Defesas disseram que subordinados não exercem influência. Não é verdade. Eles não exercem poder, mas influência, sim”.
Em seu voto, Moraes justificou que o grupo realizou “atos concretos” para a “manutenção a todo e qualquer custo no poder”, disse. Essa declaração é uma resposta às defesas que alegaram crime impossível uma vez que a ruptura democrática e os atos contra o ministro, Lula e Alckmin não chegaram a acontecer.
Durante o voto, o ministro reforçou que o Supremo não está julgando a tentativa de homicídio contra ele, Lula e Alckmin, e isso é uma desinformação para deslegitimar o julgamento. “Se estivéssemos, eu não poderia participar do julgamento”.
Moraes ressaltou que o Supremo “já reconheceu a existência de uma organização criminosa armada atentatória contra o estado democrático de direito” nos julgamentos do 8 de janeiro e na condenação de outros núcleos, como o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Assim como preliminares como competência do STF, validade da colaboração premiada e impedimento de ministros já foram superados.
Quanto à queixa relacionada ao impedimento do uso de farda nos atos processuais, voltou a dizer que “não é o Exército ou as Forças Armadas que estão sendo julgados”.
Durante o seu voto, a ministra Cármen Lúcia lembrou dos golpes vividos pelo Brasil em sua história, como o golpe de 1964, e disse que a história brasileira tem muitos exemplos de rupturas democráticas que surgiram nas bases militares e não na cúpula.
Em resposta às defesas dos réus de que eles nem estavam em Brasília nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e, portanto, não poderia ser responsabilizados, a ministra lembrou que a tentativa de golpe “não é retrato de momento, é um filme”. Para ela, a chamada “Festa da Selma” [nome do 8 de janeiro] não foi um encontro fortuito.
Moraes votou para condenar integralmente:
- Bernardo Romão Correa Netto (coronel do Exército)
- Fabrício Moreira de Bastos (coronel)
- Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel)
- Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel)
- Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel)
- Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel);
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
Moraes votou por condenação mais branda:
- Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel)
- Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel)
Moraes votou pela absolvição:
- Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira (general da reserva do Exército)

