O Sistema Único de Saúde (SUS), consolidou-se como uma das mais expressivas conquistas sociais e democráticas do Brasil. Inspirado pela reforma sanitária, estruturou-se como sistema público, universal e gratuito, orientado pelos princípios de universalidade, integralidade, equidade e participação social. Sua originalidade está no fato de ter nascido plural.
Mais do que um direito constitucional, o SUS deve ser compreendido como um ecossistema plural em transformação, no qual a diversidade institucional, quando regulada de forma democrática, pode se tornar fonte de inovação, expansão de direitos e fortalecimento da democracia sanitária.
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O pluralismo caracteriza-se pela convivência e interdependência de múltiplas lógicas institucionais. Na prática, o SUS combina a rede pública estatal com instituições privadas com e sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, organizações sociais de saúde (OSS), prestadores conveniados e ainda a dimensão comunitária garantida pela participação social.
Em 2018, havia 114 OSS responsáveis por mais de mil serviços; hoje, são mais de 150 entidades que administram cerca de 1.874 estabelecimentos. Os hospitais filantrópicos somam 1.842 unidades, e são mais de 5.500 conselhos municipais que institucionalizam a participação social. E cerca de 25% da população utiliza a saúde suplementar. Esses dados indicam que a pluralidade de atores é constitutiva do SUS, e não circunstancial.
Esse arranjo não é periférico ou acidental, mas, parte integrante do desenho constitucional. E se manifesta de forma heterogênea no território nacional, já que cada município adota arranjos distintos para prover e organizar serviços, compondo um mosaico de governança e revelando a pluralidade também em sua dimensão territorial.
Esse pluralismo gera oportunidades e tensões. Entre os dilemas estão a fragmentação da rede, a desigualdade de qualidade entre prestadores e limites da capacidade regulatória do Estado. A complexidade contratual com OSS exige monitoramento sofisticado, sob pena de assimetrias de informação e fragilidades de governança. No campo participativo, conselhos enfrentam barreiras materiais e políticas que restringem seu caráter deliberativo.
Além disso, o uso rígido e padronizado de metas e indicadores, sem sensibilidade territorial, pode penalizar serviços em áreas vulneráveis e aprofundar desigualdades. A realização das possibilidades abertas pelo pluralismo depende, portanto, da capacidade pública de estabelecer mecanismos de accountability capazes de alinhar a pluralidade de atores envolvidos direção do interesse público.
Medidas para potencialização
O fortalecimento do SUS plural não implica eliminar sua diversidade, mas governá-la de forma democrática. Isso requer ampliar a transparência dos contratos e fortalecer a capacidade regulatória do Estado. É necessário desenvolver sistemas de avaliação que integrem não apenas indicadores se saúde ou de gestão, mas também dimensões sociais, e de satisfação, permitindo análises mais completas sobre qualidade e equidade.
Outro passo essencial é reafirmar os conselhos de saúde como arenas de deliberação vinculante, e não apenas consultiva, com acesso a informações qualificadas e recursos que garantam sua autonomia. A tecnologia da informação deve ser empregada de forma estratégica, promovendo interoperabilidade entre sistemas, integração de dados e fortalecendo a governança responsável e transparente. Por fim, políticas de contratualização e financiamento precisam ser sensíveis às desigualdades territoriais, ajustando metas e recursos às diferentes realidades locais.
O SUS é ao mesmo tempo universal e plural — e esse pluralismo é parte de sua identidade. A questão central não é suprimir a diversidade, mas construir governança pública capaz de coordená-la: regulação forte, avaliação integrada, participação deliberativa, uso estratégico da informação e foco na equidade territorial. Assim, o Brasil demonstra que é possível articular pluralidade institucional e compromisso democrático, consolidando o SUS como patrimônio democrático e referência internacional de universalidade no direito à saúde.
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Mais do que desafio nacional, o pluralismo do SUS é referência internacional. Em um mundo em que sistemas universais enfrentam pressões fiscais e desigualdades sociais, a experiência brasileira demonstra que é possível articular diversidade institucional com compromisso democrático.
O risco não está no pluralismo, mas na fragilidade de mecanismos de coordenação, enforcement e governança democrática. O SUS plural, se bem regulado, pode se consolidar como patrimônio democrático e modelo global, representando um testemunho valioso sobre como combinar pluralidade institucional com universalidade no direito à saúde.