Tramita na Câmara dos Deputados o PL 487/2023, de autoria do deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA), que propõe alteração no artigo 158 do Código Penal com a finalidade de incluir, expressamente, a possibilidade da pessoa jurídica figurar como vítima do crime de extorsão.
A proposta insere-se no debate sobre o tratamento jurídico-penal de condutas dirigidas ao patrimônio empresarial por meio de coação, ameaça ou constrangimento.
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Atualmente, a previsão típica da extorsão não restringe formalmente a figura da vítima à pessoa física. Contudo, o crime é comumente vinculado à situações que pressupõem sofrimento psíquico, intimidação direta ou ameaça individualizada.
Isso tem levado a uma lacuna interpretativa quando a coação é dirigida diretamente a entes empresariais. Casos envolvendo grupos organizados que impõem pagamentos para permitir o funcionamento de atividades comerciais, ou práticas de sequestro de dados digitais (ransomware), são exemplos frequentemente citados no debate.
Sob a perspectiva do direito penal material, a proposta levanta discussões quanto ao bem jurídico protegido e à vítima. Embora a doutrina tradicional fundamente o crime de extorsão na proteção da liberdade individual, há consenso quanto à possibilidade de tutela autônoma do patrimônio — inclusive quando pertencente a pessoas jurídicas. Nesse aspecto, a redação proposta exigirá atenção interpretativa quanto à caracterização da intimidação e ameaça, especialmente em estruturas corporativas complexas.
No plano processual, a proposta não altera os mecanismos existentes. Pessoas jurídicas já podem figurar como vítimas em inquéritos e ações penais, inclusive na condição de assistente de acusação. O projeto busca, sobretudo, conferir maior precisão normativa ao alcance do tipo penal e facilitar a atuação de órgãos de persecução.
Entre os argumentos a favor da proposta, destacam-se a tentativa de suprir lacunas enfrentadas por autoridades investigativas e a sinalização legislativa de reforço à proteção do ambiente empresarial. Como contraponto, apontam-se os riscos de sobreposição com figuras típicas já existentes — como o constrangimento ilegal ou o crime de ameaça — e a possibilidade de que o novo tipo penal gere insegurança jurídica quanto à delimitação da conduta punível.
O debate também envolve o tema do expansionismo penal. A criminalização de condutas voltadas a empresas levanta questionamentos sobre os limites da intervenção penal em relações que, em alguns contextos, podem estar mais adequadamente tuteladas por outros ramos do direito, como o regulatório ou o administrativo.
O PL 487 surge em um contexto de reavaliação do papel das pessoas jurídicas no Direito Penal contemporâneo. A análise da proposta demanda cautela técnica, equilíbrio institucional e atenção à coerência do sistema penal. Sua aprovação ou eventual reformulação dependerá da capacidade do legislador de compatibilizar proteção patrimonial empresarial com os fundamentos do garantismo penal.