Poucos temas têm movimentado mais as discussões sobre o setor público do que aquele do teletrabalho. Entre empirismos e achismos, muito se discute sobre as possibilidades e limites da adoção do teletrabalho no serviço público.
O debate ganhou novo capítulo com o recente caso, noticiado pelo JOTA, e com grande repercussão nacional, envolvendo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). O que aconteceu?
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Em maio, a ECT emitiu comunicado determinando a “convocação para o retorno de todas(os) as(os) empregadas(os) ao regime de trabalho presencial, a partir de 23 de junho de 2025”. A estatal justificou a decisão como parte do “conjunto de medidas voltadas ao seu reequilíbrio econômico-financeiro”, para adequar “estrutura de custos, otimizar processos, melhorar a eficiência e fortalecer nossa capacidade de investimento”.
Contra a decisão, a Associação dos Procuradores dos Correios ajuizou ação coletiva questionando “a legalidade do retorno compulsório e indistinto ao regime de trabalho presencial”, e o caso foi parar na Justiça.
Inicialmente, a 5ª Vara do Trabalho de Campinas atendeu ao pedido da associação, e determinou liminarmente à ECT que “se abstenha de impor o retorno presencial compulsório aos empregados”. A decisão teve por fundamento, dentre outros pontos, o entendimento de que a motivação da ECT para o retorno ao presencial seria contraditória, uma vez que “é de conhecimento notório que o trabalho presencial gera maiores gastos, seja com o uso de equipamentos, seja com pagamento de vale-transporte, seja com uso de energia elétrica etc.”
A última notícia é que, em recente reviravolta, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região acolheu pedido da ECT para suspender os efeitos da liminar que proibia o retorno presencial obrigatório dos empregados da estatal.
O caso chama a atenção porque, para além de discussões sobre direitos trabalhistas e prerrogativas da administração, envolve embate quanto a própria adequação do teletrabalho na administração diante do interesse público em serviços mais eficientes.
Mas temos clareza, hoje, dos impactos, positivos e negativos, da adoção do teletrabalho no serviço público? Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), a resposta deve ser negativa.
Em março, o plenário do TCU analisou os resultados de auditoria que buscou levantar e comparar as normas que regulamentam o trabalho remoto em 23 unidades jurisdicionadas, incluindo os três Poderes da República, além dos órgãos autônomos – Ministério Público, em todos os seus ramos, e Defensoria Pública (Acórdão 526/2025).
Os achados da equipe técnica do tribunal são bastante significativos.
O relatório da auditoria destaca que “ainda não há indicadores de desempenho claros e mensuráveis para medir o sucesso do trabalho remoto, sendo aconselhável que os órgãos definam indicadores específicos que permitam uma avaliação objetiva do impacto do trabalho remoto nos objetivos estratégicos e nos resultados organizacionais”.
Com relação à economicidade do teletrabalho, o TCU aponta que “a falta de sistematização e a superficialidade das análises existentes mostram que são necessárias ações coordenadas e métodos robustos para medir e correlacionar os custos e benefícios financeiros dessa modalidade de trabalho”.
Além disso, o relatório destaca que “o tema transparência e divulgação de informações sobre trabalho remoto ainda apresenta muitos desafios e lacunas a serem superados”, sendo necessário “estabelecer mecanismos transparentes que assegurem o acesso público a decisões, processos e resultados das atividades realizadas por servidores fora do ambiente tradicional de trabalho”.
Apesar das conclusões desanimadoras do TCU, vale destacar que alguns benefícios do teletrabalho parecem mais evidentes, e por isso merecedores, em princípio, de preservação e multiplicação. É o caso do uso do teletrabalho para a promoção da diversidade no setor público – que já conta com alguns exemplos valiosos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao regulamentar o teletrabalho Judiciário por meio da Resolução 227/2016, previu como objetivos “respeitar a diversidade dos servidores” e “ampliar a possibilidade de trabalho aos servidores com dificuldade de deslocamento”. Para isso, a norma dá preferência para o regime de teletrabalho, por exemplo, a servidores com deficiência, gestantes e lactantes.
No mesmo sentido, em 2024, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, do governo federal, alterou a Instrução Normativa 24/2023 para permitir o regime de teletrabalho, inclusive durante o primeiro ano do estágio probatório, para pessoas com deficiência, idosas, gestantes, lactantes, dentre outras.
Contudo, para avançarmos na temática do teletrabalho no serviço público, faz-se fundamental a efetivação de avaliações do seu impacto no desempenho dos serviços públicos, de modo a contarmos com evidências que informem adequadamente as decisões sobre o futuro do trabalho no setor público.
Até lá, nos casos de judicialização do tema, não custa lembrar do art. 20 da boa e nova LINDB: “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, sendo que “a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.