O futuro do sistema de justiça já começou — e ele é colaborativo, tecnológico e profundamente humano. Nos dias 5 e 6 de junho de 2025, o Rio de Janeiro foi palco do Seminário Justiça 4.0: Inovação e Tecnologia, realizado na Cápsula – Centro de Inovação do Senac-RJ.
Mais do que uma série de painéis, o evento funcionou como uma verdadeira arena de escuta, troca e cocriação entre os diversos atores do sistema de justiça: membros do Judiciário, Ministério Público, Defensorias, Procuradorias, advogados, pesquisadores e representantes do setor privado.
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Com coordenação científica do Instituto New Law e patrocínio do Sebrae, da Fecomércio-RJ, da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro — além do apoio institucional das Procuradorias Gerais dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, da Defensoria Pública, do laboratório de inovação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro — o seminário foi uma demonstração clara de que o ecossistema jurídico não pode mais ser impermeável à inovação tecnológica — tampouco à inovação institucional e ética.
O desafio da inovação no setor público
Se a inovação no setor privado é quase sinônimo de sobrevivência, no setor público ela exige ainda mais: mudança de cultura, segurança jurídica, respeito aos limites constitucionais e um profundo compromisso com o interesse público. Nesse contexto, o Seminário Justiça 4.0 surge como um ponto de inflexão ao propor um ambiente aberto e horizontal de debate, com espaço para críticas, provocações e, principalmente, soluções práticas.
A imagem evocada na abertura do evento — de que as instituições e atores do sistema de justiça ainda buscam individualmente seus “potes de ouro”, numa corrida desenfreada e solitária — revela bem a urgência de um modelo mais cooperativo e menos fragmentado. A proposta de “inovação aberta”, que orientou o seminário, se materializou nas mesas, pitches e interações entre os participantes.
Advocacia 4.0: da reação à ação
Para a advocacia — tanto privada quanto pública — o evento foi uma rara oportunidade de sair do papel reativo e assumir uma posição propositiva. O momento não é mais de esperar por normativas ou reformas externas. É hora de participar ativamente da transformação do sistema.
Painéis como o que discutiu o Marco Legal da Inteligência Artificial no Judiciário deixaram claro que a adoção de novas tecnologias, como IA, Visual Law, plataformas digitais e ferramentas de automação jurídica, traz não apenas ganhos de eficiência, mas também desafios éticos e regulatórios profundos. A presença de especialistas como Filipe Medon, Luna Van Brusel Barroso, Anderson Schreiber, Patricia Perrone e Natália Dias garantiu uma abordagem densa, mas acessível, sobre as tensões entre inovação e garantias fundamentais.
Outros painéis igualmente instigantes ampliaram a reflexão sobre os impactos da inovação no ecossistema jurídico. O debate sobre Tecnologia, Judiciário e Advocacia, moderado por mim, trouxe à tona os desafios e as possibilidades de uma atuação jurídica mais colaborativa e orientada por dados. As intervenções de nomes como o desembargador Cesar Cury, Rodrigo Fux e Felipe Fonte demonstraram que, embora a transformação digital ofereça ferramentas poderosas — especialmente no que se refere aos métodos alternativos de solução de controvérsias — ela também exige uma profunda revisão dos modelos tradicionais de ensino, prática e tomada de decisão no Direito. E mais: requer cuidado, moderação e supervisão no uso de suas ferramentas pelos profissionais do sistema de justiça.
Já o painel sobre saúde mental no sistema de justiça, moderado pela Procuradora de Justiça Patrícia Carvão e com a participação de Daniela Amar, Daniel Bucar e Maria Barreto, fez um alerta necessário: a inovação não será sustentável se ignorar o cuidado com as pessoas por trás das instituições.
Por fim, o debate sobre Integridade e Privacidade na Era Digital, com especialistas como Gilberto Martins de Almeida, Cândida Terra, Rodrigo Corrêa, André Meira e Sheila Aquino, reforçou que, diante da complexidade dos dados e da inteligência artificial, será preciso fortalecer os marcos éticos, normativos e de governança para garantir que o progresso tecnológico caminhe lado a lado com a proteção dos direitos fundamentais.
Como se vê, foram abordados temas muitas vezes marginalizados nos eventos jurídicos tradicionais, como saúde mental no serviço público, integridade digital e compliance com perspectiva de gênero — apontando para uma inovação que não é apenas técnica, mas também cultural e humanista.
Soluções em vitrine
As sessões dedicadas à apresentação de soluções tecnológicas e inovadoras foram, sem dúvida, um dos pontos altos do seminário. Ao longo dos dois dias, startups, órgãos públicos e laboratórios de inovação trouxeram cases concretos que demonstram como a transformação digital já está em curso no sistema de justiça.
Projetos como o Sistema Assis do TJRJ, o Toolkit para contratações públicas da PGE-SP, as iniciativas com inteligência artificial da PGE/RJ e do MPRJ, além dos experimentos em legal operations, gestão de riscos, análise de dados, acompanhamento de processos judiciais e jurimetria, revelaram como diferentes instituições estão enfrentando desafios operacionais com criatividade e eficiência.
Já o sandbox regulatório da Prefeitura do Rio, a proposta de software de Visual Law, o selo de compliance de gênero do Instituto Nós por Elas/ABNT e o aplicativo Ela Protegida mostraram que inovação também pode — e deve — ter impacto social e institucional.
Mais do que um desfile de tecnologias, esses blocos representaram um chamado à ação: adaptar-se ao novo cenário não é opcional, e as ferramentas estão disponíveis para quem quiser construir uma justiça mais transparente, acessível e resolutiva.
Um novo pacto interinstitucional?
O seminário também revelou um movimento emergente de reconexão entre os diferentes ramos e funções do sistema de justiça. O diálogo entre Judiciário, advocacia, ministérios públicos, procuradorias e órgãos de controle não só é possível, como urgente. O evento foi um espaço seguro para esse tipo de encontro — algo raro e valioso em tempos de polarização e sobrecarga institucional.
Nesse sentido, a presença ativa de representantes da OAB-RJ, TJRJ, PGE-RJ, PGMRJ, PGE-SP, MPRJ e DPGERJ foi simbólica e estratégica, reforçando a necessidade de um pacto interinstitucional pela inovação, com foco em eficiência, inclusão e transparência.
Conclusão: o agora exige ação
O futuro da Justiça depende do que fazemos no presente — e o presente é agora. O Seminário Justiça 4.0 cumpriu sua missão de provocar, inspirar e conectar. Agora, cabe aos participantes — e a todos que orbitam o sistema de justiça — dar seguimento a esse movimento.
Que a inovação no setor público, especialmente no sistema de justiça, não seja vista como moda ou luxo, mas como dever institucional de cada um de seus atores. Que a tecnologia seja ferramenta, e não um fim em si mesma. E que, juntos, possamos assumir com coragem e criatividade nosso papel na construção de uma justiça mais eficiente, empática e inclusiva.
O Rio de Janeiro mostrou que é possível. Cabe a nós, agora, não deixarmos esse impulso se perder.