O presidencialismo brasileiro é um regime complexo, que exige do Executivo habilidade para construir coalizões no Congresso, negociar com partidos fragmentados e equilibrar interesses regionais e setoriais. O chamado presidencialismo de coalizão nasceu como resposta a essa realidade, mas, na era das redes sociais, com parlamentares cada vez mais independentes financeiramente e partidos pragmáticos, esse arranjo vem enfrentando um teste de estresse sem precedentes.
Nunca foi tão desafiador governar no Brasil. As redes sociais não apenas transmitem informação: elas estruturam a nova esfera pública e moldam, em tempo real, a opinião da sociedade. Como ressalta Castells, “o poder é exercido pela construção de significado na mente das pessoas através dos mecanismos da comunicação”. Ou seja, o domínio da comunicação digital é também domínio da narrativa política.
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Nesse sentido, as redes digitais não são apenas canais de informação, mas arenas onde se constrói o consenso ou a rejeição social — “estruturam a própria esfera pública”. Da mesma forma, Lévy destaca que “o ciberespaço é um novo universo de comunicação que se abre à humanidade”, recriando as formas de sociabilidade e o espaço público.
Esse ambiente acelerado e fragmentado tem exposto as falhas do governo em dois níveis fundamentais: a dificuldade de comunicar-se de forma eficaz e, principalmente, a incapacidade de compreender as reais demandas da população. Nenhuma boa comunicação política sobrevive a projetos ruins. Não adianta construir discursos elaborados e estratégias digitais se as propostas não dialogam com as necessidades concretas da sociedade – e o governo Lula 3 parece patinar nas duas coisas.
A tentativa do governo federal de recriar o imposto sindical em 2023, por exemplo, foi abortada ainda na fase de rumores, diante da pressão imediata e organizada nas redes, com campanhas virais de rejeição. O chamado imposto das blusinhas, que pretendia taxar compras até US$ 50 em plataformas estrangeiras, quase naufragou pela reação popular digital. Exemplos de má comunicação política e propostas desalinhadas com anseios da população não faltam.
A batalha mais recente foi o pacote fiscal do Ministério da Fazenda, que enfrentou críticas nas redes antes mesmo de ter um texto oficial divulgado. A narrativa contrária tomou corpo e encurralou o governo, que precisou se apressar em recuar e esclarecer pontos da proposta ainda não formalizados à época. Após edições de decretos e apresentação da MP 1303/2025 que iria compensar o IOF, o parlamento, por meio do líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), propôs um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar o decreto do governo. Muito além do mérito, a votação da urgência foi um recado amargo ao governo.
Por 346 votos a 97, o plenário da Câmara aprovou o requerimento de urgência para votação do PDL que revoga o aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Além das legendas de oposição, partidos que juntos ocupam oito ministérios – União Brasil, PSD, PP, Republicanos e PDT – orientaram suas bancadas a votar favoravelmente ao requerimento de urgência. O PDT deixou a base de apoio ao governo após a demissão do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi, em meio ao escândalo do INSS. Os demais partidos de esquerda e o MDB votaram contra.
Importante frisar que a oposição pode até não ter um projeto claro para o país, mas sabe jogar o jogo das redes como poucos. Com domínio das narrativas e agilidade na comunicação digital, consegue neutralizar até boas propostas do governo, impondo ruído e desconfiança antes mesmo que o debate avance. Nesse campo, ganha quem fala mais alto — não necessariamente quem tem razão.
Governar passou a ser uma batalha diária para sobreviver ao próximo trending topic. A comunicação política, que poderia ser uma ferramenta para a construção de legitimidade, tornou-se um jogo reativo, marcado por hesitações e recuos. O governo parece comandar um navio à deriva no mar das redes, incapaz de traduzir as inquietações populares em políticas consistentes. Governar por aplausos efêmeros, moldados pelo humor instantâneo das redes, é terreno fértil para o populismo digital, que privilegia o curto prazo em detrimento de estratégias duradouras.
Enquanto isso, o Congresso usa as redes para reforçar bases eleitorais e consolidar narrativas, muitas vezes dificultando o diálogo e o acordo necessário para o funcionamento da máquina pública. O presidencialismo, já desafiado pela fragmentação partidária, encontra nas redes sociais um fator adicional de instabilidade, transformando a democracia em um processo que exige respostas imediatas e que não tolera o tempo da política tradicional.
O desafio para o governo e para o país é saber conciliar o legítimo desejo de participação popular, amplificado pelas redes, com a necessidade de decisões maduras e responsáveis. A comunicação política deixou de ser apenas uma questão de forma — tornou-se conteúdo, contexto e estratégia integrada. É preciso compreender que a nova opinião pública nasce e se transforma no ambiente digital, onde o diálogo deve ser contínuo, autêntico e ancorado nas demandas reais da sociedade.
Em última análise, nenhum governo conseguirá vencer na era das redes sem entender que comunicar bem é, sobretudo, governar melhor. E isso só acontece com projetos que realmente atendem às expectativas do povo. Caso contrário, nenhuma boa comunicação resistirá.
CASTELLS, Manuel. Communication power. Oxford: Oxford University Press, 2009.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.