O crowdfunding é uma modalidade de investimento que permite a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, realizadas com dispensa de registro por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo, com o objetivo de captar recursos em troca de direitos de participação, de parceria ou de remuneração.
Em âmbito global, esse modelo de financiamento coletivo é conhecido como investment-based crowdfunding, quando envolve a distribuição de valores mobiliários em geral, como os títulos de dívidas; e como equity crowdfunding, nos casos em que a contrapartida oferecida corresponde a instrumentos de participação no capital de sociedades.
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Tal modalidade de captação se revela como uma alternativa para o financiamento de pequenas e médias empresas, além de representar uma possibilidade de negócios para investidores.
No caso brasileiro, a evolução do crowdfunding de investimento evidencia como a regulação é uma peça-chave para o amadurecimento de mercados emergentes. Além disso, o crowdfunding de investimento vem sendo utilizado pela CVM como ferramenta de integração de negócios inovadores no contexto do mercado de capitais.
O marco inicial dessa regulação veio com a Instrução CVM 588/2017, que criou um regime próprio para as ofertas públicas realizadas por meio das chamadas plataformas de investimento. A norma disciplinou as ofertas de crowdfunding por meio de critérios como:
- o limite de receita bruta do emissor (até R$ 10 milhões);
- o valor máximo de captação por oferta (R$ 5 milhões); e
- os limites aplicáveis a investidores de varejo (R$ 10 mil anuais, com exceções).
A partir da edição da Instrução CVM 588/2017, o setor experimentou crescimento significativo. O número de plataformas registradas saltou de 4, em 2016, para 60, em 2022. O volume total captado acompanhou essa tendência, passando de R$ 8,3 milhões para mais de 131 milhões em 2022.
Frente ao crescimento do segmento, a CVM propôs a revisão da regulamentação, com o objetivo de ampliar o acesso de empresas ao regime e reforçar a proteção aos investidores. O primeiro passo veio com a publicação do Edital de Audiência Pública SDM 02/2020, que apresentou mudanças estruturais no regime anterior e culminou na edição da Resolução CVM 88/2022, que revogou antiga Instrução CVM 588/2017, estabelecendo um novo marco regulatório para o crowdfunding de investimento no Brasil.
Foram ampliados os limites de captação para até R$15 milhões por oferta, bem como autorizadas emissões por sociedades com receita bruta anual de até R$ 40 milhões (ou R$ 80 milhões para grupos econômicos). Também houve flexibilização dos limites de investimento para investidores de varejo, permitindo aplicações de até R$ 20 mil (ou até 10% da renda ou do valor investido, para quem tivesse patrimônio acima de R$ 200 mil).
Outros pontos relevantes foram a elevação do capital social mínimo (de R$ 100 mil para R$ 200 mil), a exigência de um responsável por controles internos em plataformas que captassem mais de R$ 30 milhões, e a obrigatoriedade de escrituração dos valores mobiliários (inclusive por entidades que não fossem instituições financeiras, a partir de uma proposta de alteração da Instrução CVM 543/2013).
Não obstante a reforma regulatória ocorrida, a medida com maior impacto no volume de emissões por meio do crowdfunding de investimento foi a publicação dos Ofícios-Circulares 4[1] e 6[2] pela Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE) da CVM, após verificação de que ofertas de tokens vinham sendo realizadas por meio de exchanges (intermediárias) no âmbito da indústria de ativos virtuais.
Por meio de tais ofícios, a CVM alertou que ofertas de tokens de recebíveis e de renda fixa observadas possivelmente seriam ofertas públicas de valores mobiliários na medida em que os tokens ofertados poderiam ser enquadrados como valores mobiliários, especialmente os Certificados de Recebíveis previstos na Lei 14.430/2022 ou os Contrato de Investimento Coletivo (CIC) previstos no inciso IX do artigo 2º da Lei 6.385/76.
Na visão do regulador, uma alternativa regular para a continuidade da realização das ofertas de tokens seria a utilização de plataformas eletrônicas de crowdfunding registradas na forma da Resolução CVM 88/2022, observadas determinadas condições.
A recomendação surgiu como uma forma de enfrentar desafios operacionais e tecnológicos para adequação das ofertas de tokens, que utilizam tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies [DLTs]) para registro e execução de transações à infraestrutura e regulação do mercado de capitais, principalmente com relação às atividades de registro, escrituração, depósito e custódia.
Desde então, o mercado de crowdfunding de investimento experimentou expansão ainda mais significativa. De 2023 para 2024, o número de ofertas saltou de 110 para 474, com R$ 1,4 bilhão captados em 2024, contra R$ 220 milhões em 2023, refletindo a consolidação do modelo como instrumento relevante de financiamento no segmento de pequenas e médias empresas.
O expressivo crescimento do mercado de crowdfunding de investimento após o esclarecimento de que tal modalidade seria uma alternativa viável para a oferta de tokens demonstra a importância da tokenização de valores mobiliários no mercado brasileiro.
Em 2024, o Instituto Brasileiro de Finanças Digitais (IFD) apresentou relatório contendo sugestões de alterações à Resolução CVM 88/2022. Entre as sugestões apresentadas, destacam-se a revisão dos limites de emissão para títulos representativos de dívida, medidas para fomentar a liquidez no mercado secundário, criação de regime informacional próprio para o regime de crowdfunding e a incorporação a norma de esclarecimentos realizados pela CVM por meio de manifestações ao mercado.
Na opinião da CVM, há ainda espaço para melhorias. A Agenda Regulatória divulgada pelo regulador incluiu entre os temas para consulta pública a reforma da Resolução CVM 88/2022 para incorporação da possibilidade de emissão de valores mobiliários, como os tokens de recebíveis e renda fixa, sob o regime de crowdfunding de investimento.
A consolidação do crowdfunding de investimento no Brasil é um marco importante na integração de pequenas e médias empresas ao mercado de capitais, viabilizando alternativas para financiamento da atividade empresarial e desenvolvimento econômico.
No entanto, a rápida evolução tecnológica demanda atenção constante do regulador para garantir segurança jurídica, transparência e eficiência operacional. A esperada reforma da Resolução CVM 88/2022 deverá enfrentar esses desafios, promovendo um ambiente mais inclusivo e inovador e seguro ao investidor.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Boletim Econômico Trimestral: Ano 13, nº 105. Rio de Janeiro: CVM, 1º trimestre de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-economico. Acesso em: 6 jun. 2025.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Crowdfunding de investimento: evolução do mercado – 2022. Rio de Janeiro: CVM, 7 jul. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anexos/2022/20220427_estatisticas_de_crowdfunding_2021.pdf. Acesso em: 6 jun. 2025.
BERWANGER, Antonio Carlos. Tokenização de valores mobiliários: a digitalização em redes de blockchain como alternativa à emissão e à cadeia de pós-negociação tradicional em mercados organizados de valores mobiliários. 2025. 124 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Regulação) – Escola de Direito do Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2025.
[1] Ofício Circular CVM/SSE 04/23. Disponível em: https:/conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sse1/oc-sse-0423.html. Acesso em: 10 jun. 2025.
[2] Ofício Circular CVM/SSE 06/23. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sse1/oc-sin-0623.html. Acesso em: 10 jun. 2025.