Se hoje é possível fazer uma varredura de todo o território brasileiro em poucos dias, com dimensões continentais, e apontar áreas com mudança no uso e cobertura da terra, desmatamento ou queimadas, isso nem sempre foi assim. Monitorar um território tão grande e diverso é uma tarefa árdua e o Brasil, com suas instituições, foi pioneiro nessa jornada.
Tudo começou na década de 1970 com os projetos Radar na Amazônia (Radam) e RadamBrasil, que utilizando radares de abertura sintética acoplados em aeronaves e o esforço de centenas de pesquisadores e técnicos, mapearam pela primeira vez, a diversidade e os recursos naturais do Brasil. Quanto tempo levou? Uma década e meia!
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Depois, na década de 1980, surgiram os sensores ópticos acoplados a satélites de uso civil, como, por exemplo, a constelação Landsat. A aquisição de dados de todo o planeta de forma sistemática representou um divisor de águas no monitoramento ambiental, mas ainda existia um entrave: os dados ainda não eram públicos, o que aconteceu somente em meados dos anos 2000 com o empenho e protagonismo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A distribuição gratuita de imagens de satélite foi seguida por uma explosão no uso de dados de sensoriamento remoto em todo o mundo e inspirou outras agências espaciais a seguirem o mesmo caminho. Desde então, inúmeras aplicações surgiram, entre elas, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), um sistema do INPE dedicado a identificar e consolidar anualmente os números de desmatamento e degradação florestal no país, utilizando o conhecimento de analistas para interpretar as imagens de satélite.
Enquanto tudo isso acontecia, outro grupo de pesquisadores, essencialmente matemáticos e cientistas da computação, também avançaram desde a década de 1970 com testes e novas abordagens que seriam os primórdios da inteligência artificial da forma como a conhecemos.
Após a política de dados abertos das imagens de satélite e o empenho de milhares de pesquisadores em realizar mapeamentos por interpretação visual, a comunidade científica resolveu unir ambos. Baseados nas mais recentes descobertas sobre a aprendizagem de máquina, forneceram aos algoritmos computacionais o conhecimento acumulado pelos especialistas.
O resultado foi animador: as máquinas conseguiram realizar uma boa parte do trabalho de interpretação das imagens e reduzir a apenas uma fração o tempo necessário para gerar novos mapas. Desde então, uma nova janela de pesquisa e desenvolvimento se abriu e diversos grupos começaram a se organizar com fins específicos, como, por exemplo, treinar algoritmos para mapear áreas queimadas, desmatamento, uso e cobertura da terra e degradação.
Mas ainda existia um entrave limitante. O volume de dados de imagens de satélite no território brasileiro era algo inimaginável e inexistia no país a infraestrutura computacional necessária para lidar com tamanha quantidade de informação, limitando os projetos de monitoramento com inteligência artificial às escalas locais e regionais.
Na década de 2010 surgiram as primeiras plataformas para processamento de dados de sensoriamento remoto em nuvem, sem a necessidade de montar uma infraestrutura local. Na prática, isso significou que a infraestrutura computacional não era mais um problema, pois os supercomputadores tornaram-se acessíveis de maneira remota como, por exemplo, por meio das plataformas Google Earth Engine e Brazil Data Cube.
A partir de então, amparados por todo o conhecimento gerado nas décadas passadas, a comunidade científica e a sociedade civil envolveram-se em diversos projetos de cooperação para ampliar o monitoramento territorial no Brasil. Um exemplo é o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD Cerrado), liderado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que produz alertas mensais para o bioma utilizando os mais recentes algoritmos de inteligência artificial.
Outro exemplo é o projeto MapBiomas, uma rede colaborativa entre universidades, instituições do terceiro setor e startups de tecnologia que o IPAM ajudou a fundar em 2015 e que, desde então, reúne diversos especialistas para produzir mapas anuais de uso e cobertura da terra e mapas mensais de áreas queimadas e recursos hídricos em todo território nacional.
Com o aumento da celeridade e o aprimoramento da exatidão dos mapas, novos instrumentos legais foram estabelecidos como, por exemplo, o embargo remoto, uma nova modalidade que ocorre quando uma área de desmatamento ilegal tem suas atividades econômicas restringidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas dessa vez utilizando evidências de imagem de satélite, ampliando e tornando mais econômico o escopo de fiscalização e ação do Estado; ou mesmo outras políticas públicas que podem ser desenhadas e monitoradas, praticamente em tempo real, com o auxílio do sensoriamento remoto e da inteligência artificial.
Hoje, estamos à beira de uma nova fronteira disruptiva. Novos satélites com capacidade hiper espectral, isto é, satélites que imageiam mais bandas e podem detectar mais alvos, algo até então inédito, estão prestes a ser lançados. Nunca tivemos tanto acesso à infraestrutura computacional e os novos modelos de inteligência artificial prometem democratizar tarefas até então realizadas somente por especialistas. O futuro já começou e o Brasil e seus pesquisadores, seguem na vanguarda.