O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão 1348/2025, avaliou o procedimento de conversão de multas em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, fundamentado no artigo 72, § 4°, da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), além do denominado Acordo Substitutivo de Multa, celebrado com base no artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que assim dispõe:
“Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”.
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No voto vencedor, afirmou-se que “a celebração de compromissos com base no art. 26 da LINDB independe de regulamento anterior que o densifique”, o que se alinha ao defendido por Guerra e Palma, para quem o referido dispositivo “tem aplicação imediata, porque já dispõe do mínimo regulamentar”[1].
Por outro lado, a Corte de Contas consignou que: (i) mesmo que o artigo 26 possa ser aplicado diretamente, sua regulamentação no plano infralegal é desejável “para evitar obscuridades e rechaçar subjetividade excessiva”; e (ii) deve ser privilegiado o regime especial, previsto na Lei de Crimes Ambientais, em detrimento do regime geral do art. 26 da LINDB, “sob pena de se criarem regimes individuais alternativos à margem da normatividade aplicável a todos”.
O primeiro ponto está alinhado à posição de Marrara, que vislumbra a possibilidade de celebração de compromissos com base no artigo 26 “para todos os níveis da Federação, em todas as formas de processo administrativo, dispensando autorizativo próprio em leis ou regulamentos, ainda que detalhamentos normativos se mostrem recomendáveis para tornar o instrumento exequível e mais seguro”[2].
O segundo ponto é corroborado por Guerra e Palma, ao aduzirem que leis especiais podem afastar parcialmente o regime geral (artigo 26 da LINDB), o que fica claro com a positivação da expressão “observada a legislação aplicável”. Se a LINDB não respeitasse desenhos normativos consensuais especiais, teria o “efeito de propagar insegurança sobre a validade dos acordos celebrados, o que é absolutamente contrário ao seu propósito original”[3].
Marrara, no mesmo sentido, sustenta que a LINDB prevê um regime geral de acordos, razão pela qual “não se aplicarão quando o ordenamento estipular normas especiais sobre compromissos, como ocorre no direito ambiental e no direito da concorrência”. Segundo o autor, a LINDB não derrogou, nem impede regimes especiais, aplicando-se subsidiariamente em caso de lacuna[4].
Alinhado a tais visões, na parte dispositiva do acórdão, o TCU determinou que o Ibama privilegie, em soluções consensuais envolvendo irregularidades ambientais, o procedimento de conversão de multas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente previsto no regime especial.
Em complemento, recomendou que o órgão regulamente em normativo específico a celebração de compromissos com base no artigo 26 da LINDB (Acordos Substitutivos de Multa), o qual deve especificar as condicionantes cabíveis, em especial, a sistemática de descontos a serem aplicados, a forma de aplicação e tratamento dos recursos financeiros dele originados.
A decisão do TCU se coaduna à plasticidade do artigo 26 da LINDB. A possibilidade de ajustes que envolvam relações multipolares, bem como ou a contratualização de interpretação ou de integração normativa específicas, eventualmente relevantes para corrigir incoerências, ambiguidades e omissões do ordenamento jurídico, seguem abertas ao Ibama, destinatário dos provimentos do TCU.
Resta claro, portanto, que a Corte de Contas reconheceu a suficiente normatividade do artigo 26 da LINDB, sem prejuízo de recomendar sua regulamentação e exigir a observância dos regimes especiais que com ele convivam. No fundo, tanto a sugestão de regulamentação quanto a prevalência do regime especial defluem do mesmo racional. Se há regulamentação, materializada no regime especial, naturalmente mais detalhado que o geral, sua utilização prioritária homenageia a segurança jurídica e a isonomia. Se não há regulamentação, é pertinente cogitar de sua elaboração, por razões idênticas.
[1] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonarcosi de. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 135-169, nov. 2018, p. 138.
[2] MARRARA, Thiago. Compromissos como técnica de administração consensual: breves comentários ao art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Revista Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 283, n. 1, p. 131-157, jan./abr. 2024, p. 141.
[3] GUERRA, Sérgio; PALMA, Juliana Bonarcosi de. Art. 26 da LINDB – Novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. Revista de Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 135-169, nov. 2018, p. 148.
[4] MARRARA, Thiago. Compromissos como técnica de administração consensual: breves comentários ao art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Revista Direito Adm., Rio de Janeiro, v. 283, n. 1, p. 131-157, jan./abr. 2024, p. 147.