As recentes discussões em torno das alterações na legislação do IOF reacenderam um debate jurídico importante: a possibilidade de que sejam celebrados acordos tributários no Supremo Tribunal Federal (STF).
A disputa sobre o tema se divide na Suprema Corte, até o momento, em três ações distintas. Primeiro, a ADI 7.827 foi ajuizada pelo PL para suspender a majoração das alíquotas do IOF prevista nos Decretos 12.466/2025 e 12.467/2025.
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Com a derrubada dos decretos presidenciais, o PSOL passou a questionar o decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional, nos autos da ADI 7.839. A Advocacia-Geral da União (AGU) também recorreu ao STF para manter os decretos originais, nos autos da ADC 96. Todas as ações foram distribuídas ao ministro Alexandre de Moraes.
É cada vez mais comum, no STF, a adoção de medidas consensuais e a celebração de acordos, inclusive tributários, em litígios de envergadura político-constitucional. A possibilidade de que, através de um diálogo cooperativo, os Poderes da República alcancem uma solução consensual, com o STF atuando como gestor do conflito, em diversas situações, pode privilegiar soluções definitivas, plurais e maleáveis, muitas vezes mais rápidas do que as decisões judiciais[1].
Medidas consensuais na Suprema Corte já resultaram em acordos tributários homologados com sucesso, hoje considerados “acordos-paradigmas” na jurisdição constitucional e que, inclusive, resultaram em aperfeiçoamentos legislativos.[2]
Isso não significa que todos os conflitos levados ao STF devem ser resolvidos por meio de acordos ou de negociações costuradas diretamente na Suprema Corte. Antes de suscitar uma solução negociada, é importante avaliar se a adoção de medidas consensuais é compatível com o objeto discutido e, ainda, se atende aos interesses das partes envolvidas e afetadas.
A adoção de medidas consensuais na jurisdição constitucional apresenta desafios que devem ser considerados. É necessário ponderar, por exemplo, quem seriam os atores legitimados a participar das negociações e definir os termos do acordo. Especialmente tratando-se de discussão travada em sede de controle concentrado de constitucionalidade, deve-se assegurar a representatividade de interesses, inclusive do universo de pessoas que serão diretamente afetadas pelos termos do acordo.
Nas ações tributárias, esses interesses não se limitam aos responsáveis pela arrecadação ou pelo corpo legislativo, envolvendo também a perspectiva daqueles contribuintes que serão diretamente impactados pelas alterações na legislação tributária, especialmente quando resultarem em aumento da carga tributária.
As ações de controle abstrato de constitucionalidade, em tese, permitem uma maior participação da sociedade civil, garantindo um processo de interpretação mais aberto e democrático. Um exemplo disso é a figura do amicus curiae, que tem a função de contribuir para a interpretação da norma questionada, trazendo informações técnicas ou representando grupos que serão diretamente afetados pela decisão.
Do ponto de vista da legitimidade, existe espaço para que os procedimentos consensuais também sejam mais abertos e participativos. Essa participação mais ampla fortalece o debate, aumenta a representatividade e assegura que os grupos impactados tenham voz nas discussões que levarão ao possível acordo a ser homologado pelo Supremo.
Outro desafio consiste no fato de que a adoção de medidas consensuais no controle concentrado de constitucionalidade, até o momento, não possui previsão legal. Há, sim, regras esparsas previstas em atos regulamentares no STF, além de fundamentos nas normas gerais do ordenamento jurídico que orientam a consensualidade.
Atualmente, previsões específicas para regulamentar a celebração de acordos no controle concentrado de constitucionalidade estão direcionadas no PL 3640/2023, que aguarda votação na Câmara dos Deputados. O PL 3640 ressalta, em sua exposição de motivos, que a adoção de medidas consensuais nas ações de controle concentrado é uma oportunidade para estruturação de um diálogo institucional sólido entre o STF e o Congresso Nacional.
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É necessário também garantir que a adoção de medidas consensuais não transforme a Corte Suprema em um espaço para disputas políticas, que devem acontecer no Legislativo e no Executivo – Poderes responsáveis, por excelência, por representar a vontade da sociedade.
Em outras palavras: é essencial respeitar os papéis de cada Poder, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal, que deverá examinar se os termos do acordo contrariam a Constituição Federal e se as partes anuentes cumpriram as cláusulas acordadas.
Os diálogos realizados durante essas negociações devem servir para identificar soluções possíveis para o conflito, esclarecer dúvidas jurídicas e definir limites legais. Foi o que aconteceu, por exemplo, nos casos da ADPF 984 e da ADI 7.191, quando o STF criou uma comissão especial e convidou especialistas para ajudar a definir as regras jurídicas que poderiam orientar um eventual acordo.
Apesar de as negociações sempre envolverem algum grau de articulação política, o conteúdo principal dos acordos deve permanecer estritamente jurídico. Não é possível negociar se uma lei é ou não constitucional — essa análise cabe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal.
[1] JORGE, Nayanni Enelly Vieira. Consensualidade constitucional: a celebração de acordos tributários, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 2024. 128 f . Dissertação (Mestrado em Profissional em Direito) Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Brasília, 2025.
[2] São eles: ADO 25, ADI 7191 e ADPF 984, todos de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.