O leilão do Tecon Santos 10, previsto para a segunda quinzena de dezembro, representa um marco estratégico para a infraestrutura brasileira: estão em jogo investimentos de cerca de R$ 6 bilhões ao longo de 25 anos, que podem ampliar em até 50% a capacidade de movimentação de cargas no maior porto da América Latina.
O grande desafio regulatório está no desenho do certame, o qual deveria ponderar o equilíbrio entre eficiência e concorrência e não a mera maximização do valor de outorga.
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A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) discordou da proposta apresentada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e pelo Ministério de Portos e Aeroportos, sugerindo que o leilão ocorra sem veto à entrada dos operadores incumbentes, mas com uma cláusula de desinvestimento caso algum deles vença o certame.
A proposta anterior da Antaq, de um leilão em duas fases, buscava mitigar os riscos de concentração de mercado, uma vez que, juntas, as incumbentes controlam mais de 75% do mercado de terminais de contêineres. A restrição à participação desses players apenas na primeira fase incentivaria a entrada de novos players, sem ignorar os benefícios da integração vertical no setor.
Uma das preocupações aventadas por defensores do leilão sem restrições é o valor da outorga. Segundo estudo do advogado Cássio Lourenço Ribeiro, professor da Universidade de Brasília, a adoção de restrições poderia reduzir a outorga de R$ 300 milhões a R$ 600 milhões no caso de vedações à participação de operadores incumbentes, tal como proposto na primeira fase pela Antaq.
Três razões mostram o equívoco da tese sobre a alegada perda de outorga. Primeiro, é preciso lembrar que leilões de infraestrutura não têm como objetivo a geração de arrecadação. Leilões como o do Tecon Santos 10 fazem parte de um planejamento estratégico mais amplo da infraestrutura portuária e nacional, que visam a maiores investimentos e eficiência na prestação dos serviços. O objetivo maior é gerar ganhos de competitividade para a economia brasileira, em benefício da população, e não colocar o Estado como sócio de empresas que compram poder de mercado.
Segundo: quanto maior a concorrência nos mercados, maior tende a ser o nível de investimentos. Se o objetivo é fomentar investimentos no Porto de Santos, é fundamental que o mercado de contêineres possua espaço para diferentes players.
Como no caso do arrendamento de terminal, a concorrência se dá pelo mercado, e, como no mercado já há elevado nível de concentração (os quatro maiores players concentram mais de 75% do mercado), há que se preocupar com a entrada. Uma restrição ex ante, apenas em uma primeira rodada de lances, abriria espaço para novos players acessarem o Porto de Santos e agitarem os mares calmos de um mercado concentrado.
Terceiro: um cálculo simplificado de matemática financeira evidencia que, do ponto de vista social, não vale a pena priorizar a outorga no curto prazo em detrimento da elevada concentração no médio e longo prazo. Assume-se, para fins de ilustração, que, se as incumbentes participarem do leilão, a outorga seria maior em R$ 600 milhões, aceitando, a título de exercício, o número do professor Ribeiro.
Por outro lado, assume-se que, se vencerem, dada a elevada concentração (CR4 acima de 80%, pois poderiam desinvestir para si mesmas), ocorreria um cartel no mercado de contêineres. Os vencedores estariam numa situação em que poderiam cobrar preços mais altos sem risco de perder clientes.
Para os efeitos do cartel, toma-se como referência os parâmetros conservadores recomendados pela OCDE de sobrepreço de 10% e duração de três anos – com início no primeiro ano pós-leilão. Em se tratando de um setor regulado, haveria um sobrepreço sistêmico para diferentes portos exercido pelo aumento de poder de mercado das incumbentes.
Considerando que a nova receita a ser observada pelos incumbentes vitoriosos no leilão corresponde à receita atual acrescida da capacidade do Tecon Santos 10 e de um sobrepreço de 10%, é possível comparar, em termos de valor presente, o incremento de receita dos incumbentes com o aumento potencial de outorga de R$ 600 milhões. Para tanto, considera-se uma taxa de desconto de 8,5%, tal como sugerida pelo Ministério da Economia em seu Guia de Análises Socioeconômicas de Custos e Benefícios de Projetos de Infraestrutura, de 2022.
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O resultado de tal exercício é que todo o benefício de uma eventual outorga maior (os R$ 600 milhões já citados, por exemplo) seria perdido pelos preços mais altos como resultado da concentração de mercado – um prejuízo saldo em valor presente de quase R$ 2,3 bilhões em favor dos danos do cartel devido à prática de sobrepreço.
Isto é, do ponto de vista social, é melhor abrir mão hoje de uma potencial outorga maior (com a participação das incumbentes no leilão) do que correr o risco de, no futuro, sofrer danos com uma conduta coordenada das incumbentes caso vençam o leilão.
Tais razões revelam que o fator outorga não deve balizar a decisão sobre o desenho ótimo de um leilão de projeto de infraestrutura. Leilões devem ser avaliados pelo equilíbrio entre eficiência econômica e promoção da concorrência, com decisões técnicas prevalecendo sobre pressões conjunturais ou sanha arrecadatória.