Um recente caso de disputa pela guarda de uma criança reacendeu um debate sensível que mobiliza famílias e desafia a Justiça: afinal, quando deve prevalecer o direito da família biológica e quando o Judiciário deve proteger o vínculo afetivo já consolidado com a família adotiva?
Depois de nove meses vivendo com os pais adotivos, uma menina de pouco mais de um ano teve a vida transformada após decisão que concedeu a guarda provisória a uma tia biológica. Os pais adotivos recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sustentando que a retirada da filha de coração poderia trazer graves prejuízos emocionais, já que a criança estava plenamente integrada à nova família.
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O STJ manteve a guarda com os adotivos. Para chegar a essa conclusão, os ministros aplicaram o princípio do melhor interesse da criança, previsto no artigo 227 da Constituição e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/1990). Também levaram em consideração laudo psicossocial que atestava a adaptação, o cuidado e a segurança da menina em seu lar adotivo.
No Brasil, a adoção é um processo formal regido pelo ECA. Quem deseja adotar deve passar por avaliação psicossocial, cursos preparatórios e, só então, ser habilitado no Cadastro Nacional de Adoção. A adoção se conclui apenas por sentença judicial, que garante ao adotado todos os direitos de filho, de forma irrevogável.
Já a guarda é um instrumento mais flexível, que pode ser provisório ou definitivo, utilizado tanto em disputas familiares quanto para proteção imediata da criança. Permite decisões mais ágeis, mas não extingue os laços jurídicos com a família de origem.
Inspirado em tratados internacionais, o princípio do melhor interesse da criança assegura que suas necessidades e direitos prevaleçam em qualquer decisão judicial ou administrativa. Na prática, significa que a prioridade é o desenvolvimento saudável, a segurança emocional e a proteção integral, ainda que isso implique afastar provisoriamente a família biológica.
A jurisprudência do STJ e do STF tem reiteradamente reconhecido a socioafetividade como elemento fundamental na definição de paternidade e maternidade. Os tribunais já admitem que os laços formados pelo cuidado, pela convivência e pelo amor podem ser tão ou até mais importantes do que o vínculo sanguíneo.
A família biológica tem, em regra, prioridade na guarda e na adoção, mas esse direito encontra limites quando a criança já estabeleceu vínculos profundos com outra família. A Constituição e o ECA estabelecem que a proteção integral deve prevalecer sobre formalismos.
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Assim, cabe ao Judiciário analisar caso a caso, considerando relatórios psicossociais, pareceres técnicos e a realidade vivida pela criança. A ruptura de vínculos, quando injustificada, pode ser mais prejudicial do que a manutenção em um lar socioafetivo.
A discussão sobre guarda e adoção transcende o campo jurídico e toca em valores sociais e humanos. Decisões recentes do STJ mostram que o Direito de Família caminha para reconhecer que o afeto, aliado ao cuidado e à estabilidade, é elemento central na proteção de crianças e adolescentes. O sangue pode definir a origem, mas é o amor que sustenta a vida em família.