No último dia 7 de agosto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela afetação do Tema 214 da Tabela de Recursos Repetitivos, no qual se discute se a ampliação do conceito de grupo econômico introduzida pela reforma trabalhista deve ser aplicada a todo período contratual ou apenas àquele laborado após a entrada em vigor da lei.
A discussão nasce da alteração do parágrafo 2° e da inclusão do parágrafo 3° no artigo 2° da CLT. Antes, o grupo econômico apenas se configurava quando houvesse subordinação vertical; isto é, direção, controle ou administração entre as empresas. Com a reforma, incluiu-se no conceito a hipótese de coordenação (horizontal), caracterizada pela demonstração de interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta, ainda que autônomas entre si.
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Relevância, contextualização e diferenciação do Tema 23 do TST
Atualmente, não há pacificação entre as turmas do TST, essencial para garantir segurança jurídica, sobretudo considerando a tese fixada no Tema 23 do tribunal, no sentido de que as alterações trazidas pela reforma têm aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, ainda que iniciados antes de sua vigência, quanto a direitos trabalhistas decorrentes de fatos geradores posteriores.
No entanto, no Tema 214, o ponto controvertido não é a criação ou a supressão de direitos, mas sim a responsabilidade solidária decorrente da ampliação do conceito de grupo econômico.
O recurso de revista que deu origem ao Tema foi interposto na Reclamação Trabalhista 1000135-44.2024.5.02.0431 e afetado ao regime de recursos repetitivos em sessão de julgamento de 30 de junho de 2025. No caso, o TRT da 2ª Região manteve a sentença de primeiro grau em que se reconheceu o grupo econômico entre as empresas por relação de coordenação, atribuindo a elas responsabilidade solidária pelas verbas decorrentes de relação de emprego iniciada antes da reforma trabalhista.
O TST, então, afetou o recurso ao regime de repetitivos para fixar tese em resposta à seguinte pergunta: “a nova redação do art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT, introduzida pela Lei 13.467/2017, que ampliou o conceito de grupo econômico, para efeito de responsabilidade solidária, de modo a abranger as hipóteses de coordenação entre as empresas e não apenas de subordinação, aplica-se a todo período contratual ou apenas àquele laborado após a entrada em vigor da referida lei?”.
No acórdão de afetação, de relatoria do ministro presidente do TST, Aloysio Silva Corrêa da Veiga, destacou-se estarem presentes todos os requisitos para a instauração do incidente de recursos repetitivos, conforme artigo 896-C da CLT: a multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, com 168 acórdãos e 1.361 decisões monocráticas identificados em pesquisa jurisprudencial; a relevância da matéria, em razão da responsabilização solidária de empresas; e a divergência entre as turmas.
Quanto a essa última, destacou o ministro relator que, das 8 Turmas, 4 (1ª, 2ª, 3ª e 7ª) entendem pela aplicação da ampliação do conceito de grupo econômico a todo o período contratual, enquanto as outras 4 (3ª, 5ª, 6ª e 8ª) entendem ser limitada ao período contratual posterior à vigência da lei, apontando, ainda, que apenas a 6ª Turma fundamenta seu entendimento na tese fixada no Tema 23.
Nota-se, portanto, que não se trata de uma divergência sutil de entendimentos entre as Turmas, mas de uma efetiva divisão do TST em posicionamentos contrários. Para as empresas, o risco dessa insegurança jurídica é significativo: aquelas que integravam grupo econômico antes da reforma trabalhista, por ausência de subordinação hierárquica, podem ser surpreendidas com condenações solidárias por débitos trabalhistas de outras empresas por coordenação.
Ligação com o Tema 1232 de Repercussão Geral do STF e impactos das decisões
Em suma, caso o TST reconheça a aplicação retroativa da ampliação do conceito de grupo econômico, aumentará o número de empresas que fazem parte de grupos econômicos e, consequentemente, possuem responsabilidade solidária pelos débitos trabalhistas umas das outras.
Considerando que os débitos trabalhistas estão sujeitos à prescrição quinquenal, apenas podem ser demandados os direitos dos cinco anos imediatamente anteriores ao ajuizamento da ação pelo empregado.
Dessa maneira, a responsabilização solidária de empresas pelo novo conceito de grupo econômico irá recair sobre débitos demandados em ações ajuizadas até 11/11/2022, muitas já em fase de execução, considerando que o tempo médio histórico de tramitação de processos na Justiça do Trabalho é de 2 a 3 anos, conforme dados oficiais divulgados pelo TST.
Dessa maneira, visto que a tese fixada pelo TST terá maior impacto sobre débitos objetos de ações em fase de execução, a análise conjunta do Tema 1232 de Repercussão Geral do STF, que fixará tese sobre a possibilidade ou não de inclusão em cumprimentos de sentença trabalhistas de empresas que não participaram do processo de conhecimento, é de suma importância para entender o alcance dos efeitos do Tema 214 do TST.
Atualmente, o julgamento pelo STF se encontra suspenso, após o voto do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin, ambos favoráveis à possibilidade dessa inclusão.
Por outro lado, o relator, ministro Dias Tofolli, foi acompanhado por Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux, entendendo ser imprescindível a participação das empresas na fase de conhecimento, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Segundo os votos que acompanharam o relator, o reclamante deve indicar na petição inicial as pessoas jurídicas contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses do grupo econômico devidamente comprovado. São exceções a este entendimento as hipóteses de sucessão empresarial, abuso da personalidade jurídica, os casos já transitados em julgado, créditos já satisfeitos e execuções já encerradas.
Considerando que o TST defina pela aplicação retroativa da reforma trabalhista quanto ao conceito de grupo econômico, e o STF defina não ser necessária a participação de empresas no processo de conhecimento para inclusão na fase de cumprimento de sentença, essas empresas que passaram a fazer parte dos grupos econômicos poderão ser responsabilizadas por débitos já em execução, referentes a contratos de trabalho antigos e anteriores à vigência da Lei, já majorados por correção monetária, multa e juros de mora.
Caso entenda pela necessidade, por sua vez, a aplicação do Tema 214 do TST se restringirá a ações que ainda não transitaram em julgado, reduzindo, mas não esvaindo, o tamanho do impacto.
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Portanto, o cenário mais gravoso para as empresas ocorrerá se o TST decidir pela retroatividade e o STF admitir a inclusão de empresas na execução independentemente de terem participado da fase de conhecimento.
Nesse caso, empresas que não provisionaram tais valores poderão ser compelidas a arcarem com as dívidas trabalhistas de outras empresas, acrescidas de altos encargos, relativos a direitos consumados anteriormente à reforma trabalhista e pelos quais antes não havia responsabilidade pelo pagamento, tampouco provisionamento contábil.
Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que a pacificação do Tema 214 é indispensável para a previsibilidade e segurança jurídica, pois a ausência de uniformização impede que as empresas dimensionem adequadamente seus riscos e provisionamentos, afetando as gestões financeiras e estratégicas, podendo lhes gerar prejuízos irreparáveis.
Deve-se, ainda, ser feita com urgência logo após apreciadas as manifestações apresentadas por terceiros advindas do edital publicado, pois não houve determinação de suspensão dos processos que versem sobre o tema.