Reduzir jornada por decreto promete uma sexta-feira mais livre — e entrega, no mundo real, cinco problemas bem concretos. O primeiro é jurídico-instrumental: trocar o teto constitucional de 8 horas diárias e 44 semanais por uma regra mais baixa, “para todos e já”, ignora que a própria Constituição também prestigia a autonomia coletiva para calibrar tempo, produtividade e descanso por setor. Em sistemas maduros, a lei fixa limites máximos e o que vem abaixo nasce de negociação; na União Europeia, o parâmetro é 48 horas em média e as reduções efetivas foram sendo conquistadas mesa a mesa (vide a trajetória da metalurgia alemã até 35 horas, fruto de rounds coletivos duros, não de canetada uniforme). No Brasil, constitucionalizar uma jornada encurtada e única significa apagar essa válvula de ajuste — e multiplicar judicialização sempre que a operação real não couber na forma. 
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O segundo problema é econômico e inflacionário: cortar horas sem cortar salário aumenta, por definição, o salário por hora. Se a produtividade não acompanha, sobe o custo unitário do trabalho — o indicador clássico de pressão de preços e de perda de competitividade. A OCDE é cristalina ao definir o ULC (remuneração por hora dividida pela produção por hora), e a evidência do Banco Central Europeu mostra pass-through relevante de salários para preços, especialmente em serviços. Em português direto: impor uma semana mais curta sem ganhos de eficiência é receita para inflação de serviços e repasse de custos ao consumidor. 
O terceiro problema é operacional: sem redesenho profundo de processos (tecnologia, fluxos, metas), a redução vira compressão de tarefas — mais intensidade de segunda a quinta, a mesma régua de entrega e equipes esgarçadas. Os melhores pilotos no Reino Unido funcionaram onde se mexeu no “como” trabalhar; mesmo assim, relatos gerenciais sérios registram aumento de intensidade, necessidade de contratar cobertura e custos de coordenação maiores. Não por acaso, houve empresa grande que recuou após testar a semana de quatro dias: a Asda abandonou o arranjo depois de queixas de fadiga associadas a jornadas de 11 horas; outras reportaram tropeços semelhantes. O saldo é claro: dá para fazer — mas só com engenharia fina; no atacado, vira atrito.
O quarto problema é comparado: onde a redução veio de cima para baixo, o resultado desaponta. A França é a anedota-aviso: as 35 horas legais produziram reações defensivas de empresas (reorganização, horas extras) e efeitos sobre emprego que os próprios balanços reconhecem como modestos ou nulos; a síntese do FMI foi dura — “impacto principalmente negativo”, sem evidência robusta de maior satisfação com as horas de trabalho. Mesmo experimentos queridos do debate público mostram a conta: em Gotemburgo, o turno de 6 horas na saúde melhorou bem-estar, mas encareceu o serviço a ponto de a solução não escalar. Copiar rótulos europeus sem copiar a produtividade e a engenharia que os sustentam é caminhar para a mesma frustração. 
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O quinto problema é de bem-estar real: mais tempo “livre” no calendário não vira descanso automático — muitas vezes vira segundo emprego. Em categorias com salários comprimidos e demanda contínua (como saúde), reduzir formalmente horas ou abrir janelas maiores em casa tem se traduzido em bicos, plantões extras e moonlighting, com efeitos sobre estresse e saúde. Pesquisas no Reino Unido descrevem uma força de trabalho de enfermagem exaurida, com picos de afastamento por estresse, ansiedade e depressão; levantamentos mostram parcela relevante buscando renda extra. Em estudos recentes na Polônia, 54,7% das enfermeiras declararam trabalho adicional, 87,5% relataram fadiga crônica e metade percebeu piora de saúde mental por causa do segundo vínculo; nos EUA, quem acumula empregos tem risco maior de lesão que quem mantém um só. A “sexta livre” rapidamente vira jornada oculta — e a promessa de qualidade de vida evapora. 
Esse é o mapa honesto da encruzilhada. Se a meta é vida melhor, legislar desejo não basta. Em países que deram certo, a sequência foi outra: produtividade primeiro, jornada depois; lei como teto, negociação como ferramenta; e alternativas jurídicas para entregar tempo em casa de verdade sem inflar custos — banco de horas, teletrabalho e arquiteturas específicas de escala — já estão no nosso ordenamento e podem ser ampliadas por via coletiva. O resto é atalho: simpático no discurso, caro na prática e, no limite, contraproducente para quem se pretende proteger.