O Early Contractor Involvement (ECI) é definido como um método de contratação de construção que incorpora o empreiteiro ao processo de desenvolvimento do projeto desde suas fases iniciais. As partes celebram um contrato único para desenvolver e acordar o âmbito e os preços antes de avançarem para a fase de construção. O principal objetivo é incluir as contribuições do empreiteiro para a concepção, desenvolvimento de planos e identificação e redução de riscos.
No contexto de projetos de construção pesada, o ECI permite que o empreiteiro contribua com sua expertise em planejamento, execução e gestão de riscos, antes mesmo do início formal das obras. Esse modelo promove maior integração entre os stakeholders e busca melhorar a performance, reduzir custos e minimizar riscos durante o ciclo de vida do projeto. Nesse quadrante, o envolvimento precoce com os fornecedores tem se tornado um diferencial estratégico na modelagem de projetos complexos, particularmente no setor de infraestrutura, em que existem múltiplas partes interessadas.
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A prática de ECI é uma abordagem moderna e inovadora na gestão de projetos de construção. Trata-se de uma metodologia ainda pouco difundida no Brasil, sendo mais comum em sistemas de common law e aplicada em países anglo-saxões, como Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Canadá. Nesses mercados, a prática tem se consolidado como uma ferramenta eficaz para melhorar a gestão do projeto.
O ECI tem sido adotado em relevantes projetos de infraestrutura e construção, visando aprimorar a colaboração entre as partes envolvidas e otimizar os resultados dos empreendimentos. No Reino Unido, o projeto ferroviário High Speed 2 (HS2) implementou diretrizes de ECI para integrar os contratantes nas fases iniciais de planejamento e design.
O HS2 é atualmente um dos maiores projetos de infraestrutura da Europa, com CAPEX aproximado de £81 bilhões, compreendendo uma linha ferroviária de alta velocidade em construção que conectará Londres ao norte da Inglaterra, incluindo cidades como Birmingham, Manchester e Leeds. A aplicação do ECI no projeto HS2 teve como pressuposto a gestão eficaz da complexidade e a escala das obras, de modo a promover a integração precoce entre contratantes, projetistas e a cadeia de suprimentos, objetivando ganhos de eficiência e redução de riscos.
O projeto adotou ferramentas intensivas de colaboração em todas as etapas, com estabelecimento de reuniões regulares, como o HS2 Mondays, visando assegurar o alinhamento entre contratantes, cliente e consultores, bem como o uso de ferramentas como Action Trackers para formalização de prazos e responsabilidades. Segundo relatórios emitidos pelo próprio governo britânico, o método contribuiu para uma transição fluida entre as fases do projeto e minimizou os impactos na comunidade local, como redução no tráfego de caminhões e gestão sustentável do projeto.
Também no Reino Unido, a PD Ports (empresa líder do setor portuário britânico e controlada pela Brookfield Infrastructure Partners) adotou a metodologia de ECI no projeto Teesside GasPort, que foi a primeira instalação flutuante de regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) no mundo, localizada próxima de Middlesbrough. A PD Ports também tem adotado metodologias de ECI em projetos marítimos desenvolvidos com a Southbay Civil Engineering.
Já na Noruega, a Administração Pública de Estradas (NPRA) aplicou o ECI no projeto E39 Coastal Highway Route, da rodovia costeira E39, que envolve a construção de túneis submarinos e pontes flutuantes, ao longo dos 1.100 quilômetros da costa oeste do país, que é interrompida por múltiplas travessias de fiordes, contando com CAPEX aproximado de US$ 30 bilhões.
Embora o ECI tenha ganhado relevância em países anglo-saxões, é importante destacar que ainda não existem muitos standard forms ou guias de melhores práticas específicos. Diferentemente dos contratos tradicionais de construção, como EPC, DBB (Design-Bid-Build), DB (Design and Build) e Alliance Contract, que possuem suporte de modelos consolidados como FIDIC Rainbow Suite, NEC3, NEC4, ENNA, FAC-1, entre outros, o ECI carece de um arcabouço contratual amplamente padronizado e reconhecido internacionalmente.
Dentre as instituições mais respeitadas no setor de engenharia, como FIDIC, ICE, JCT, AIA, ASCE e a Association of Consultant Architects, apenas o Institute of Civil Engineers (ICE), através de sua plataforma denominada New Engineering Contract (NEC), oferece diretrizes específicas para a solução de ECI. O NEC4, versão mais recente do contrato NEC, apresenta a Practice Note on ECI Contracts (X22), que introduz previsões formais para a estruturação de projetos no modelo de Early Contractor Involvement.
A PN X22 do NEC4 se estrutura em duas etapas principais: a Fase 1, que envolve o desenvolvimento do design e planejamento do projeto, e a Fase 2, correspondente à execução da construção. Na Fase 1, o contratante participa ativamente da definição de metodologias construtivas, planejamento de prazos e estimativa de custos, garantindo que os objetivos do cliente sejam priorizados. O documento destaca a necessidade de uma integração eficaz entre design e construção, otimizando a buildability e antecipando a identificação e mitigação de riscos. Além disso, o contratante deve fornecer informações de precificação detalhadas que permitam estabelecer um preço alvo para a Fase 2.
A instrução prática enfatiza fatores críticos para o sucesso do projeto, como a capacidade técnica do cliente, uma estratégia de design bem definida, orçamento adequado e o desenvolvimento de critérios claros de avaliação técnica e comercial. Outro ponto central da PN X22 é o incentivo orçamentário, pelo qual o contratante é recompensado caso consiga entregar o projeto dentro do orçamento estipulado.
Essa abordagem busca promover uma cultura de colaboração e inovação, além de assegurar uma execução eficiente e econômica. Trata-se de prática semelhante à adotada no modelo de Contrato de Aliança (FAC-1). A PN X22 também aborda o procedimento de transição para a Fase 2, que ocorre após a aprovação do cliente com base nos resultados da Fase 1. Nesse momento, são estabelecidos os preços finais, datas de acesso e entrega, e o programa detalhado de execução. Caso não seja possível avançar para a Fase 2, o cliente poderá optar por reavaliar o escopo ou reabrir a concorrência para essa etapa. Referida abordagem promove uma transição ordenada e eficiente entre as fases, permitindo uma maior previsibilidade no cumprimento de prazos e custos.
A Practice Note on ECI Contracts (X22) representa atualmente o principal suporte normativo para metodologia de ECI. Apesar de sua aplicação ainda ser incipiente no Brasil, o ECI tem potencial para gerar ganhos significativos em projetos complexos e de grande porte, especialmente quando adaptado às particularidades do ambiente jurídico-regulatório local.
O uso do ECI tende a propiciar otimizações contratuais, dentre as quais destacam-se:
- O empreiteiro contribui para o processo de concepção inicial. O ECI envolve a participação ativa dos empreiteiros desde as fases iniciais do projeto. Isto vai permitir que os empreiteiros contribuam com know-how para otimizar o projeto em termos de cronograma, custo, qualidade e execução mais eficaz;
- Desenvolvimento de uma ética de trabalho em equipe e confiança entre as partes. A opção por ECI promove uma parceria de constante colaboração entre o dono de obra e empreiteiros. Os empreiteiros trazem sua experiência prática e conhecimento do setor, o que pode levar a soluções inovadoras e eficientes. Por sua vez, o dono de obra beneficia dessa perspectiva construtiva desde o início, reduzindo riscos e incertezas durante a execução da obra;
- Tomada de decisões mais estratégicas. Com os empreiteiros envolvidos desde o início, a tomada de decisão é refinada. As partes interessadas podem prever, discutir e resolver questões técnicas, desafios de construção e possíveis conflitos antecipadamente, o que ajuda a evitar trabalhos a mais e a manter o projeto dentro do orçamento e do prazo;
- Foco na inovação e valor. O ECI promove um ambiente propício para a inovação e a criação de valor. Os empreiteiros podem propor alternativas e soluções criativas que agregam valor ao projeto, considerando aspectos como eficiência energética, sustentabilidade (cada vez mais incontornável face às normas europeias) e uso de tecnologias avançadas. Isso vai ter como resultado projetos mais otimizados, com melhores resultados e maior satisfação do cliente;
Uma das principais vantagens é o aumento de flexibilidade, algo praticamente inexistente no contrato de EPC. Com a adoção de um contrato de ECI, é possível negociar alterações ainda na primeira fase, prevenindo problemas que poderiam surgir na etapa de construção. Caso não sejam identificados previamente, esses problemas poderiam gerar impactos significativos nos custos e prazos do empreendimento. O sucesso do envolvimento precoce do empreiteiro, todavia, depende da colaboração e da adesão a todas as condições do contrato.
O trabalho jurídico nesse tipo de modelagem contratual exerce relevância fundamental, compreendendo a (i) modelagem jurídica da contratação, na modalidade ECI; e (ii) elaboração e negociação dos contratos para implementação do modelo. Relaciona-se abaixo algumas das principais atividades jurídicas envolvidas:
No âmbito da modelagem do processo de ECI, destacam-se as seguintes atividades: (i) elaboração do cronograma de execução das atividades; (ii) definição dos critérios para composição do Vendor List; (iii) estruturação do modelo de governança; e (iv) apresentação da modelagem para validação dos sponsors do projeto.
Já na etapa de elaboração das minutas contratuais e negociação dos contrato, as atividades preponderantes compreendem: (i) elaboração da minuta de Request for Quotation (RFQ); (ii) elaboração e negociação do contrato de construção; e (iii) apoio jurídico em todo o processo de negociação.
Em síntese, o Early Contractor Involvement revela-se como uma modelagem contratual de grande potencial para aprimorar a governança de projetos complexos de construção pesada, especialmente em setores que demandam elevada coordenação e controle de riscos (como óleo e gás, energia elétrica e infraestrutura de grande porte). Ao promover a inserção precoce do empreiteiro nas fases iniciais de concepção e planejamento, o ECI favorece a efetiva mitigação de riscos, a elevação dos padrões de qualidade e a otimização de cronogramas e custos.
A experiência internacional, sobretudo em jurisdições de common law, confirma a vocação do ECI para fomentar práticas colaborativas, alicerçadas em uma cultura de parceria contínua entre as partes envolvidas. O benchmarking internacional – como se verifica em exemplos do Reino Unido e da Noruega – evidencia o aperfeiçoamento de indicadores de desempenho e a redução de conflitos contratuais, em especial por meio do engajamento de contratantes e contratados na gestão compartilhada de riscos e na maximização de eficiência construtiva.
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Não obstante às vantagens apontadas, desafios permanecem, entre eles a necessidade de adaptação do ECI às peculiaridades do ordenamento jurídico brasileiro e às práticas contratuais de EPC tradicionalmente consolidadas. Por isso, é relevante o desenvolvimento de standards e guidelines locais, bem como a formação de equipes multidisciplinares capazes de dominar os aspectos técnicos, operacionais e jurídicos do ECI. Nessa direção, é de especial importância a elaboração de instrumentos contratuais aderentes às especificidades regulatórias brasileiras, como elemento-chave para o êxito da implementação dessa modelagem.
A adoção do ECI no cenário nacional tende a promover ganhos de competitividade, inovação e segurança jurídica, sobretudo em grandes empreendimentos de infraestrutura. Ao propiciar maior integração, antecipação de problemas e sinergia entre os agentes, o ECI se consolida como uma alternativa alinhada às tendências contemporâneas de colaboração e valor agregado em projetos de construção pesada.