Presa acusada de exploração e agressão contra pessoas vulneráveis que trabalhavam no terreiro que comanda, a mãe de santo Hayra Vitória Pereira Nunes, 22 anos, ficou menos de um mês atrás das grades. Detida em 6 de março, a religiosa deixou o Presídio Feminino do Distrito Federal (PFDF), a Colmeia, pelo portão central em 4 de abril. No entanto, coincidentemente, um ritual foi cuidadosamente montado nas cercanias da penitenciária, em 24 de abril, 10 dias antes da libertação da mãe de santo.
Composto por um prato de barro que acomodava uma grande peça de bife acebolado, o trabalho ainda contava com velas bicolores, pretas e vermelhas, além de moedas, cigarros acesos e uma garrafa plástica com aguardente. Quando se preparavam para iniciar o plantão, policiais penais perceberam o ritual deixado próximo à Colmeia. No entanto, os servidores não identificaram quem teria deixado a oferenda no local.
De acordo com investigações da Polícia Civil do DF, a mãe de santo usava a religião como um disfarce para cometer atrocidades. Sua forma de atuação envolvia a conquista da confiança de pessoas em situação de vulnerabilidade, mediante promessas de emprego e acolhimento dentro do terreiro. Uma vez dentro da casa, as vítimas passavam a viver sob controle, exploração, além de sofrerem violência física e psicológica.
Veja as imagens:
Significado
A coluna procurou uma mãe de santo para explicar cada elemento encontrado no ritual deixado perto do presídio onde estava Hayra. Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, a mãe de santo escolhida para a “missão” foi Michelly da Cigana. Ela é a dona da famosa estátua de Belzebu, que virou ponto turístico em Alvorada (RS), e é considerada a “mãe de santo das celebridades”.
Ao analisar o vídeo, Michelly relatou que trata-se de uma oferenda para Exú, divindade africana cultuada no candomblé e na umbanda. Ele é conhecido como o mensageiro entre os humanos e os orixás, e entre o mundo material e o espiritual. “Pelos itens usados, é um trabalho para o bem, uma espécie de agrado para Exú, para abrir caminhos. É como se fosse uma oferenda, foram usados alimentos que agradam as entidades”, disse.
Questionada sobre a possibilidade de o ritual ter sido feito para que a mãe de santo conseguisse a liberdade, mãe Michelly explica que, geralmente, esse tipo de “trabalho” usa vários elementos e simbologias que refletem a libertação da cadeia. “Quando faço esse tipo de ritual, por exemplo, muitos cadeados abertos, muitos molhos de chaves e correntes partidas, que simbolizam o desejo de libertação”, explicou. No entanto, a mãe de santo não afastou a hipótese de o trabalho também ter sido feito por alguém que queria “agradecer as entidades” pela prisão da suspeita.
O caso
Queimaduras de terceiro grau nas mãos e na língua, hematomas na cabeça e o cabelo cortado à força. Foi assim que uma adolescente chegou a casa do pai, na Estrutural, após conseguir fugir de um terreiro de umbanda onde era mantida como escrava sexual. A responsável pelas agressões era Hayra, que acabou presa por investigadores da 14ª Delegacia de Polícia (Gama), em 6 de março.
A menor procurou abrigo na Tenda Espiritual Vovó Maria Conga Aruanda, em setembro do ano passado, acreditando que encontraria acolhimento. No entanto, o que começou como promessa de proteção se transformou em controle, violência e isolamento, até que a fuga tornou-se a única forma de sair viva do lugar.
A polícia descobriu que Hayra não apenas explorava os que trabalhavam para ela, como impedia que mantivessem contato com suas famílias. A desnutrição e as condições degradantes enfrentadas por suas vítimas foram comprovadas na investigação.
