Após um período de incertezas e conjecturas, os últimos dias foram finalmente marcados pelo anúncio do Plano Safra 2025/2026, iniciado em 30 de junho com a divulgação, por parte do governo, dos recursos destinados ao crédito para a agricultura familiar, seguida da apresentação dos valores voltados à agricultura empresarial.
Apesar das limitações impostas por um orçamento anual reduzido e pelo rigor do cenário fiscal, o lançamento do Plano Safra confirmou as declarações previamente feitas pelo governo, que indicavam, ao menos, a manutenção do volume de recursos. Confirmou-se então a expectativa de que o programa seguiria sua trajetória de crescimento, alcançando novamente cifras recordes, como nos ciclos anteriores.
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Contudo, mais do que discutir o montante total de investimentos, os valores das taxas de juros e os mecanismos para a equalização das taxas, as exigências ambientais para a concessão do crédito chamaram atenção.
A política agrícola brasileira vem buscando estar cada vez mais alinhada com os compromissos de sustentabilidade, que hoje pautam a agenda global. Governos e empresas têm sido pressionados – por tratados internacionais e a sociedade em geral – a adotar práticas mais responsáveis sob o aspecto ambiental. Nesse contexto, a concessão de crédito rural passa a ser um instrumento para essa transformação.
Neste cenário de busca por um modelo de desenvolvimento sustentável – o termo da vez –, o governo federal decidiu impor mais restrições ambientais à concessão de crédito rural, aprovando mudanças na seção do Manual de Crédito Rural que trata dos Impedimentos Sociais, Ambientais e Climáticos. Uma dessas inovações que refletem a maior preocupação com o meio ambiente consiste na vedação ao acesso ao crédito por imóveis rurais que possuem autuação por desmatamento ilegal ou que possuam pendências ambientais não regularizadas.
Ficou estabelecido, dentre essas alterações que, a partir de 2/1/2026, a concessão do crédito rural ficará condicionada à verificação, por parte das instituições financeiras, da ocorrência de supressão de vegetação nativa no imóvel após 31/7/2019.
Essa verificação será realizada tendo por base os dados fornecidos pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a partir de informações do sistema Prodes do INPE (um sistema de monitoramento anual da supressão de vegetação nativa por meio de satélite).
Caso seja constatada a supressão da vegetação nativa, a concessão de crédito rural com recursos controlados e com recursos direcionados, ficará condicionada à apresentação pelo mutuário de documentos referentes à supressão constatada no imóvel, que integrarão o dossiê da operação para atestar sua regularidade. Tais como:
- Autorização para Supressão de Vegetação (ASV) ou Autorização para Uso Alternativo do Solo (UAS), relacionada à área desmatada após 3/7/2019, conforme artigo 26 da Lei 12.651, de 25/5/2012;
- Documento que comprove que tenha executado ou esteja em execução o Projeto de Recuperação de Área Degradada ou Área Alterada (PRAD) ou Termo de Compromisso do Programa de Regularização Ambiental (PRA), aprovado pelo órgão ambiental competente;
- Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público para regularização ambiental; ou
- Laudo técnico de sensoriamento remoto, sob responsabilidade da instituição financeira, comprovando a ausência de desmatamento no imóvel rural após 31/7/2019, em contraposição a informação disponibilizadas pelo PRodes.
O fundamento jurídico para essa condicionalidade não é novidade. Encontra respaldo na Constituição Federal, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225), além de estabelecer a função socioambiental da propriedade (artigo 186). Além disso, na seara infraconstitucional, destaca-se o Código Florestal e a Lei de Crimes Ambientais.
A grande inovação é a forma como esses preceitos passam a ser operacionalizados na política brasileira: por meio do sistema financeiro, com imposição de limites à concessão de créditos e financiamentos. A política de crédito rural deixa, então, de ser meramente econômica e assume um papel de impulsionador de condutas ambientalmente responsáveis.
Por um lado, essa estratégia tem grandes vantagens, ao estimular a regularização ambiental, possibilitando a criação de um diferencial competitivo e beneficiando os empreendimentos que atuam dentro da legalidade.
Por outro lado, contudo, também apresenta riscos e desafios. A medida pode agravar desigualdades regionais e prejudicar produtores que enfrentam dificuldades econômicas, técnicas e burocráticas para regularizar suas propriedades. Além disso, há o risco de provocar a diminuição no montante total da produção brasileira, o que geraria relevante impacto no PIB brasileiro.
Sob o prisma jurídico, é preciso observar com muita atenção os critérios utilizados para caracterizar o descumprimento dessas exigências ambientais e negar a concessão do crédito. Isso porque, é recorrente na prática administrativa, a imposição de embargos, por supressão de vegetação, de forma automática após mera constatação por imagens de satélite, sem a devida instrução probatória ou sem oportunizar o contraditório e ampla defesa efetivo ao produtor.
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Nessas hipóteses, impossibilitar o acesso ao crédito rural apenas diante da constatação da existência de uma autuação ainda pendente de julgamento definitivo, ou pela mera constatação de embargo, pode configurar verdadeira sanção antecipada, violando garantias processuais básicas.
É imprescindível então a atuação técnica e jurídica em conjunto com o produtor, sobretudo de maneira preventiva, com análise de passivos ambientais, acompanhamento dos processos administrativos, incorporação de práticas de compliance ambiental, de forma a antecipar possíveis entraves, evitando, assim, prejuízos indevidos e garantindo a segurança jurídica do negócio.
Aos produtores, cabe enxergarem essas novas exigências não apenas como um ônus, mas como uma oportunidade estratégica de reposicionamento, agregando valor à sua produção e consolidando uma imagem de responsabilidade perante o mercado e os consumidores, especialmente neste cenário global pautado na agenda sustentável.