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Lendo: A natureza do casamento: captura relacional e a firma sob a ótica da dominação afetiva
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A natureza do casamento: captura relacional e a firma sob a ótica da dominação afetiva

Última atualização: 24 de junho de 2025 05:20
Published 24 de junho de 2025
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Retomando a pergunta seminal de Ronald Coase — por que existem firmas se o mercado poderia, em tese, coordenar alocações com maior eficiência? — este artigo desloca o problema para o campo relacional e afetivo, propondo uma crítica estrutural à arquitetura dos incentivos conjugais.

Contents
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA1) Fundamentos críticos e problematização do oportunismo relacional de gênero2) Marcos teóricos: custos, incentivos e formas sociais3) Modelo analítico: captura relacional e arquitetura dos incentivos4) Firma conjugal e economia do cuidado: um regime estrutural de captura relacional5) Proposta de agenda futura: índice de assimetria de custo de oportunidade relacional e potencial de pesquisa6) Considerações finais

Quando a firma é o casamento, propõe-se repensar Coase sob a ótica da dominação afetiva, construindo um modelo de captura relacional que formaliza a redistribuição assimétrica de custos de transação em contextos que não se limitam às relações conjugais, mas se espraiam por toda a vida em sociedade, inclusive nas estruturas institucionais.

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Trata-se de um deslocamento analítico das práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero, por meio de um modelo teórico inspirado na Economia da Informação e na Economia Institucional. Argumenta-se que a persistência e legitimação dessas práticas decorrem de uma estrutura diferencial de custos de oportunidade e de transação, moldada por normas culturais, moralizações inversas e pela exploração invisível da economia do cuidado.

A formalização proposta ilumina como tais dinâmicas transcendem o plano relacional e reforçam desigualdades institucionais, econômicas e políticas — contribuindo, em última instância, para a erosão das condições de uma democracia substantiva.

1) Fundamentos críticos e problematização do oportunismo relacional de gênero

As relações de gênero, em suas expressões afetivas, institucionais, econômicas e simbólicas, constituem um campo marcado por assimetrias profundas de poder e reciprocidade. Entre essas assimetrias, destacam-se aquelas que regulam o acesso diferencial a práticas de oportunismo relacional: comportamentos através dos quais determinados agentes extraem vantagens emocionais, materiais ou simbólicas em interações de natureza relacional, sem a correspondente assunção de custos ou compromissos.

Tais práticas não são desvios morais ou idiossincrasias, mas estratégias incentivadas por uma engenharia social que articula custos de oportunidade, transação e exploração do cuidado, de modo a favorecer sistematicamente os atores masculinos e a onerar desproporcionalmente as mulheres.

A construção de um regime jurídico atento à captura relacional exige incorporar ao horizonte normativo categorias historicamente desvalorizadas no direito, como o cuidado e a reciprocidade. A ética do cuidado, tal como desenvolvida por Joan Tronto (1993) e Eva Feder Kittay (1999), oferece um arcabouço valioso nesse sentido, ao reconhecer a interdependência como dimensão estruturante da vida social. Ignorar a centralidade do cuidado no desenho normativo equivale a perpetuar a cegueira do direito em relação aos regimes de exploração que operam precisamente nesses espaços ditos privados.

É precisamente a partir dessa hipótese — de que o oportunismo relacional de gênero opera como um mecanismo estruturado e transversal de dominação — que propomos o conceito de captura relacional: um regime estrutural de apropriação assimétrica das capacidades relacionais, afetivas e de cuidado, sustentado por arquiteturas institucionais, dispositivos normativos e dinâmicas informacionais.

Ancorados na tradição da Economia Política das Relações Sociais, articulando marcos teóricos da Economia Institucional, da Economia da Informação e das teorias feministas contemporâneas, propomos uma crítica das práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero.

Partimos da hipótese de que a persistência e a legitimação dessas práticas decorrem de um arranjo institucional invisível, no qual normas culturais e dispositivos de moralização inversa interagem com estruturas econômicas e jurídicas para produzir um equilíbrio relacional que penaliza a reciprocidade e recompensa o oportunismo masculino. Tal arranjo, ao naturalizar um duplo estatuto de gênero no campo relacional, transborda para outras esferas sociais — reforçando desigualdades no mercado de trabalho, no campo político, nos espaços institucionais e no imaginário coletivo.

A construção da hipótese teórica aqui proposta inspira-se em aportes fundamentais da Economia Institucional e da Economia da Informação. De Ronald Coase, mobiliza-se a compreensão de que formas sociais — como a firma ou, analogamente, a sociedade conjugal — organizam transações e moldam incentivos, não por virtude moral, mas por razões estratégicas de eficiência relacional e distribuição de custos.

De George Akerlof e Joseph Stiglitz, extrai-se a percepção de que assimetrias informacionais e distorções de incentivo não são anomalias marginais, mas componentes estruturais que configuram padrões de comportamento e seleção adversa nos mercados e nas relações sociais.

Ao transpor criticamente esses elementos para o campo das relações de gênero, o artigo busca desvendar como a arquitetura relacional patriarcal opera como uma “firma” que internaliza ganhos privados e externaliza custos sobre os sujeitos femininos, perpetuando assim uma economia política da exploração afetiva e relacional. Ademais, propõe-se uma formalização teórica dessas dinâmicas, com vistas a oferecer instrumentos analíticos que permitam, em futuras agendas de pesquisa, mensurar e evidenciar empiricamente os mecanismos que sustentam tais práticas.

A seguir, delineiam-se os marcos teóricos que fundamentam esta abordagem, antes de se avançar para a construção do modelo analítico e para a reflexão crítica sobre seus desdobramentos nos diversos campos da vida social — com especial atenção para a economia do cuidado como regime invisível de captura, e para os mecanismos institucionais pelos quais as assimetrias relacionais transbordam e fragilizam os próprios pactos democráticos.

2) Marcos teóricos: custos, incentivos e formas sociais

A compreensão das práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero exige um deslocamento analítico que as apreenda não como desvios morais individuais, mas como comportamentos estrategicamente incentivados por uma arquitetura institucional e cultural que estrutura os custos e benefícios das interações sociais.

Para tanto, este artigo mobiliza, de forma crítica e transdisciplinar, aportes da Economia Institucional e da Economia da Informação, cujos modelos oferecem ferramentas valiosas para iluminar os mecanismos de incentivo e as assimetrias que permeiam as relações de gênero. A escolha metodológica de articular conceitos oriundos dessas tradições econômicas — com plena consciência de suas origens e limites — visa precisamente demonstrar que as dinâmicas de gênero operam como um campo econômico-social, no qual normas culturais, estruturas institucionais e racionalidades estratégicas interagem na produção e reprodução de desigualdades.

Na obra seminal The Nature of the Firm (1937), Ronald Coase demonstrou que formas institucionais como a firma não emergem por razões morais ou naturais, mas como arranjos eficientes para reduzir e redistribuir custos de transação. Posteriormente, em The Problem of Social Cost (1960), ampliou esse raciocínio ao mostrar que externalidades — efeitos indiretos das ações de um agente sobre terceiros — não podem ser dissociadas de sua estrutura institucional.

O que se apresenta como um “problema moral” é, na verdade, uma questão de alocação de custos e benefícios estruturada por dispositivos jurídicos e culturais. Transposta para o campo das relações de gênero, essa chave interpretativa permite compreender o casamento — ou a sociedade conjugal contemporânea — como uma forma social análoga à firma, cuja arquitetura normativa organiza externalidades afetivas e reprodutivas de modo assimetricamente vantajoso aos homens.

A essa leitura soma-se a contribuição de George Akerlof, cujo célebre artigo The Market for “Lemons” (1970) introduz a noção de seleção adversa decorrente de assimetria informacional. Em ambientes nos quais agentes não conseguem distinguir a qualidade dos bens — ou, por analogia, a confiabilidade das intenções relacionais —, práticas oportunistas tendem a prosperar, enquanto comportamentos cooperativos são desincentivados.

Em contextos de gênero, essa lógica traduz-se na normalização de padrões assimétricos de compromisso e reciprocidade, nos quais as mulheres enfrentam um maior ônus moral e emocional, ao passo que os homens se beneficiam de uma estrutura que não penaliza o oportunismo.

Joseph Stiglitz, por sua vez, aprofunda essa análise ao propor, em Information and the Change in the Paradigm in Economics (2002), uma visão estrutural das imperfeições informacionais. Em sua leitura, essas assimetrias não são exceções ou falhas temporárias, mas elementos constitutivos dos mercados reais — e, por extensão, das interações sociais. Ao mostrar como normas culturais, regimes de moralização e arranjos institucionais reforçam distorções nos incentivos, Stiglitz oferece uma lente poderosa para entender por que práticas relacionais desiguais persistem mesmo em contextos de aparente neutralidade normativa.

No universo das relações de gênero, sua abordagem permite vislumbrar como a culpabilização moral seletiva — que recai desproporcionalmente sobre mulheres — reforça essas distorções e consolida um ambiente propício ao oportunismo relacional masculino.

Em conjunto, esses aportes oferecem um arcabouço conceitual robusto para a formulação do modelo teórico aqui proposto. Trata-se de iluminar o oportunismo relacional de gênero não como falha individual, mas como resultado de uma engrenagem sistêmica, sustentada por incentivos assimétricos, racionalidades informacionais distorcidas e formas sociais que distribuem custos e benefícios de maneira desigual. A seguir, propõe-se a formalização crítica dessas dinâmicas, com vistas a evidenciar a lógica estrutural que sustenta o duplo estatuto relacional entre homens e mulheres e orienta a reprodução silenciosa das desigualdades no campo afetivo e institucional.

3) Modelo analítico: captura relacional e arquitetura dos incentivos

A partir dos aportes teóricos delineados na seção anterior, propõe-se, neste ponto, um modelo analítico formalizável que busca compreender como as práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero se sustentam como um fenômeno estrutural. Não se trata de unificar formalmente tradições distintas, mas de transpor, de modo crítico, conceitos compatíveis da Economia Institucional e da Economia da Informação para iluminar, sob a lente da Economia Política das Relações Sociais, as dinâmicas relacionais de gênero.

O modelo parte da hipótese de que o oportunismo relacional — aqui entendido como a maximização de ganhos emocionais, simbólicos ou materiais, sob baixo compromisso e alta assimetria — é regulado por uma arquitetura de incentivos que diferencia os custos de oportunidade e de transação conforme o gênero dos agentes. Trata-se, portanto, de evidenciar como o sistema de incentivos vigente torna racional, previsível e recorrente a adoção de estratégias relacionais assimétricas por parte de agentes masculinos, sem com isso excluir a possibilidade de comportamento oportunista feminino. A escolha analítica de focar o oportunismo masculino justifica-se por seu caráter estrutural e por sua função reprodutiva nas dinâmicas de dominação e manutenção da desigualdade de gênero.

3.1 Arquitetura do modelo: estrutura estratégica do campo relacional

O campo das relações de gênero é modelado como um mercado relacional imperfeito, caracterizado por:

  • Agentes heterogêneos: homens (H) e mulheres (M);
  • Tipos de interação: H–H (relações entre pares masculinos) e H–M (relações entre homens e mulheres).

Em cada interação H–M, o agente masculino toma uma decisão estratégica: adotar ou não práticas de oportunismo relacional (Oₚ). Essa decisão é modelada como uma função de maximização da utilidade esperada (Uₑ):

Uₑ = Bₒ − Cₒ

Onde:

  • Bₒ representa os benefícios esperados da prática (ganhos afetivos, simbólicos ou materiais);
  • Cₒ corresponde ao custo de oportunidade da prática, definido por:

Cₒ = pᴿ × cᴿ

Em que:

  • pᴿ = probabilidade percebida de retaliação (moral, emocional, social ou institucional);
  • cᴿ = custo estimado da retaliação.

Este modelo, ainda que simplificado, permite explicitar como a arquitetura institucional das relações diferencia os incentivos para homens e mulheres. Assume-se que o valor de pᴿ e cᴿ varia em função da estrutura da interação:

pᴿ_{H–H} > pᴿ_{H–M}

cᴿ_{H–H} > cᴿ_{H–M}

Logo:

Cₒ_{H–H} > Cₒ_{H–M} ⇒ Uₑ_{H–H} < Uₑ_{H–M}

O que implica que a prática de Oₚ é mais vantajosa, e, portanto, mais provável, nas interações H–M do que nas interações H–H — reforçando a hipótese de assimetria estrutural na distribuição dos custos relacionais.

3.2 Moralização inversa e feedback cultural

Introduz-se um modificador de retroalimentação cultural, representado pelo fator Mᴄ, que incide especificamente sobre o parâmetro pᴿ_{H–M}, reduzindo ainda mais a percepção de risco associada ao oportunismo masculino. Formalmente:

pᴿ_{H–M} = pᴿ_{H–M}^{0} × (1 − Mᴄ)

com Mᴄ ∈ [0,1]

Quanto maior o valor de Mᴄ, menor a percepção de retaliação esperada pelo agente masculino, por força de fatores culturais que:

  • culpabilizam a mulher pela falência da reciprocidade;
  • naturalizam ou até glamourizam o comportamento masculino oportunista;
  • deslegitimam a resistência feminina e reduzem sua eficácia simbólica.

Este componente de feedback torna o modelo especialmente sensível às dinâmicas simbólicas e culturais que operam nos processos de dominação relacional, traduzindo dispositivos normativos difusos em parâmetros que afetam diretamente o comportamento estratégico dos agentes.

3.3 A firma conjugal como arquitetura institucional da captura

Inspirado na leitura institucional de Coase, o modelo concebe a firma conjugal — em suas formas formais ou informais — como unidade meso-institucional que organiza as transações afetivas, sexuais, reprodutivas e de cuidado. Essa “firma relacional” internaliza ganhos para os homens e externaliza custos para as mulheres:

  • Para os homens: os benefícios da firma incluem cuidado emocional, suporte doméstico, estabilidade relacional e reconhecimento social, geralmente obtidos sem a contrapartida proporcional em termos de investimento afetivo ou compromisso institucional.
  • Para as mulheres: a permanência na firma envolve altos custos de transação para resistir, renegociar ou sair — custos que incluem penalizações econômicas, emocionais, reputacionais e, em muitos casos, jurídicas e parentais.

Sublinhe-se que, na leitura clássica de Coase, a firma é concebida como arranjo funcional para redução de custos de transação, presumindo agentes simétricos e relações negociadas com base em racionalidade econômica. Essa formulação, embora heurística, revela um ponto cego fundamental: a ausência de problematização das assimetrias internas da firma e de sua inscrição em regimes de dominação estrutural — em especial aqueles fundados no gênero.

Ao transpor a lógica coasiana para o domínio relacional, este artigo propõe um deslocamento crítico: mostrar que, longe de neutra, a firma conjugal organiza uma redistribuição assimétrica de custos e benefícios, naturalizando a apropriação diferencial do cuidado, da afetividade e da reprodução social.

Assim, a noção de eficiência relacional, tal como operada na firma conjugal, revela-se funcional a uma arquitetura de exploração invisível, na qual a captura se dá tanto dentro da firma (assimetria endógena) quanto fora dela (instituições que desincentivam a ruptura ou resistência feminina).

Essa arquitetura produz um equilíbrio institucional assimétrico e persistente: para os homens, o oportunismo relacional é sistematicamente recompensado; para as mulheres, a reciprocidade exige sacrifícios desproporcionais e raramente encontra reciprocidade equânime, tampouco ressonância institucional.

3.4 Externalidades sistêmicas e transbordamento institucional

A racionalidade estrutural do oportunismo relacional não se encerra no âmbito afetivo-privado. O modelo permite compreender suas externalidades negativas sobre múltiplos campos:

  • No mercado de trabalho: intensificação da penalização da maternidade, reforço de estereótipos de gênero, precarização do trabalho de cuidado;
  • Na esfera política: exclusão simbólica e material das mulheres, violência política de gênero, reprodução do capital simbólico masculino;
  • Nas instituições públicas: naturalização da assimetria relacional, reprodução institucional de normas misóginas, silenciamento da agência feminina.

A arquitetura de incentivos que organiza o oportunismo masculino transborda, assim, para o conjunto da ordem social, fragilizando os pactos de reciprocidade que sustentam não apenas relações privadas, mas a própria ideia de um contrato social democrático.

3.5 Síntese e teleologia crítica do modelo

A formalização aqui proposta não almeja uma pureza analítica ou uma pretensa neutralidade epistêmica. Seu objetivo é construir uma linguagem comum que permita que a crítica feminista dialogue, em pé de igualdade, com os repertórios teóricos da economia e do direito. Ao demonstrar que o oportunismo relacional de gênero não é uma anomalia, mas uma racionalidade incentivada, busca-se fornecer instrumentos para desnaturalizar a desigualdade afetiva e evidenciar sua função estruturante nas economias da dominação contemporânea.

Esse modelo, ainda em construção, constitui uma plataforma para agendas futuras de investigação empírica, com vistas à mensuração do índice de assimetria de custo de oportunidade relacional, e ao mapeamento dos fatores contextuais que modulam sua persistência e intensidade. Trata-se de um gesto político, epistêmico e metodológico, orientado à crítica das arquiteturas invisíveis que sustentam o confisco afetivo das mulheres e corroem, em última instância, os fundamentos de uma democracia substantiva.

4) Firma conjugal e economia do cuidado: um regime estrutural de captura relacional

A análise da firma conjugal e da economia do cuidado permite evidenciar a lógica perversa que sustenta a reprodução contemporânea das desigualdades de gênero. Observa-se não só a persistência dessas práticas como também a consolidação de um regime estrutural de captura, no qual os homens  usufruem de uma posição paradoxal: colhem os frutos das conquistas feministas — maior divisão de obrigações econômicas e familiares, isonomia tributária, acesso a direitos sexuais e afetivos — sem corresponder com divisão proporcional de direitos, poder e espaço social. Trata-se de um regime que lhes permite gozar do melhor do patriarcado e do feminismo, compondo uma nova gramática da dominação masculina.

Propõe-se o conceito de captura relacional como categoria analítica  para designar a apropriação assimétrica das capacidades afetivas e de cuidado das mulheres.  A noção busca evidenciar sua inscrição em arquiteturas institucionais e econômicas que incentivam e naturalizam a exploração  gratuita e unilateral dessas capacidades. Trata-se de um regime em que dispositivos de incentivo, moralização e permissividade operam sinergicamente para capturar o trabalho relacional das mulheres, projetando suas externalidades sobre o tecido social e reforçando padrões de dominação.

Esse arranjo, visível nas sociedades latino-americanas, repousa sobre três pilares: (i) a não entrega das promessas dos feminismos hegemônicos; (ii) a captura da economia do cuidado como forma moderna de trabalho não remunerado; (iii) a moralização da quebra de pactos privados como mecanismo de legitimação da violação institucional.

O primeiro aspecto é central. Embora o feminismo tenha promovido conquistas inegáveis , suas promessas fundamentais — igualdade substantiva no poder, redistribuição do cuidado e reconhecimento do trabalho reprodutivo — permanecem amplamente não cumpridas.

O feminismo liberal, ao enfatizar o acesso individual ao mercado, obscureceu estruturas coletivas de exploração  ainda ativas no espaço doméstico. Ao mesmo tempo, os homens adaptaram-se seletivamente: aceitaram a participação feminina no trabalho e nos encargos fiscais, mas mantêm privilégios na divisão do cuidado, na representação política e nos espaços de poder.

Essa lógica conecta-se à segunda dimensão: a economia do cuidado. Como mostram os relatórios da ONU Mulheres (2019–2020), o trabalho de cuidado não remunerado, majoritariamente feminino, representa cerca de 9% do PIB global — mais que a indústria manufatureira. Na América Latina, essa desigualdade é acentuada: mulheres dedicam mais de 30 horas semanais ao cuidado, além do trabalho formal. Aqui, cabe recuperar Engels em A origem da família… (1884), ao identificar na divisão sexual do trabalho doméstico um pilar da opressão feminina. A mulher burguesa, como famulus, era o servo invisível da reprodução da força de trabalho, sem autonomia ou reconhecimento.

Atualizando essa leitura, o trabalho de cuidado feminino configura hoje uma forma de trabalho escravo contemporâneo: sem contrato, sem remuneração, sem negociação simétrica e com alta dependência afetiva e econômica. A moralização da função de cuidadora como “vocação” ou “prova de amor” funciona como ideologia legitimadora dessa exploração.

Esse cenário se articula com o que Martha Nussbaum conceitua como atentado às capacidades humanas fundamentais. Em sua teoria das capacidades (2000, 2011), a justiça exige instituições que garantam às mulheres — historicamente submetidas à subordinação relacional — condições efetivas de florescimento. Entre elas: dispor do próprio corpo, participar de relações fundadas em reciprocidade, controlar recursos materiais e simbólicos, preservar a integridade emocional e investir afetos livremente — e não sob regime de exploração naturalizada.

O regime de captura e a economia do cuidado operam como dispositivos que mutilam essas capacidades. As mulheres são forçadas a investir trabalho afetivo e material em relações assimétricas, sob pena de exclusão moral e precarização. Essa mutilação é eixo da injustiça contemporânea — e obstáculo à democracia substantiva.

Essa violência emocional conecta-se ao diagnóstico de Deleuze e Guattari, ao relerem Espinosa: o poder moderno não coage apenas fisicamente, mas atua pela gestão dos afetos. O poder nos quer tristes porque a tristeza — que reduz a potência de agir — imobiliza e fragiliza. No regime de captura, essa lógica se manifesta com nitidez: a tristeza imposta pela exploração emocional, pelo confisco afetivo e pela moralização da resistência torna-se instrumento de controle.

Ela reduz a resistência feminina, eleva os custos da ruptura e reconfigura a autopercepção das mulheres, rebaixando sua potência de agir e naturalizando o duplo estatuto relacional: homens operam com incentivos assimétricos e baixo custo para o oportunismo; mulheres enfrentam altos custos emocionais, morais e sociais para resistir ou sair.

Como advertia Foucault, o poder moderno atua nas práticas cotidianas,  mais do que em coerções explícitas. Essas práticas produzem e normalizam os regimes de verdade e as hierarquias. No regime de captura, as microrrelações privadas — afetivas, conjugais, parentais — são o tecido capilar que alimenta os mecanismos institucionais da exclusão. A tolerância à quebra de pactos por homens, a moralização da resistência feminina e a exploração do cuidado não formam apenas um padrão doméstico, mas uma gramática de poder que sustenta os próprios pactos institucionais.

É nesse nível banalizado que o poder se naturaliza e se torna eficaz — fornecendo os alicerces invisíveis da desigualdade macroinstitucional. Por isso, criticar práticas relacionais patriarcais é inseparável de uma crítica estrutural ao poder cultural e institucional.

Se a captura econômica e afetiva são os dois primeiros pilares, o terceiro — talvez o mais insidioso — atua na legitimação simbólica: a moralização da quebra de pactos privados.

Nesse contexto, a contribuição de Claudia Goldin (2021) é eloquente: as desigualdades no trabalho permanecem ancoradas nas assimetrias do cuidado. Penalização da maternidade, demanda por flexibilidade e valorização da disponibilidade irrestrita — incompatível com o cuidado — reproduzem a lógica da firma conjugal e da gestão afetiva da dominação.

A moralização da quebra dos pactos opera como engrenagem estratégica: legitima o abandono afetivo, a negligência parental e a exploração emocional por parte dos homens, ao mesmo tempo em que estigmatiza mulheres que rompem pactos conjugais iníquos. Isso reforça seu isolamento simbólico e social. A tolerância cultural à irresponsabilidade masculina naturaliza um ethos antirrepublicano que corrói o pacto democrático.

Essas engrenagens morais revelam uma lógica de reconhecimento seletivo. Como mostra Axel Honneth (1995), a identidade social se forma por reconhecimento intersubjetivo, que transcende os direitos formais e atravessa práticas cotidianas. A captura relacional, ao explorar essas dinâmicas, reforça hierarquias que naturalizam a exploração afetiva e econômica e constrangem a reciprocidade e autonomia das mulheres.

Esse padrão adquire contornos especialmente perversos no Brasil. A mobilização em torno da PEC da Anistia — que legalizou o descumprimento de cotas e financiamento de campanhas femininas — ilustra essa lógica. A impunidade na violação de compromissos institucionais espelha a quebra de pactos privados. Em ambos os casos, a moralização diferencial sobre as mulheres e a tolerância à transgressão masculina minam a credibilidade do sistema de direitos.

O reconhecimento jurídico da vulnerabilidade relacional deve ser um dos pilares de uma matriz normativa contra a captura. Como sustenta Martha Fineman (2011), a vulnerabilidade é uma condição ontológica, que o direito deve reconhecer e proteger. Um direito responsivo às dinâmicas relacionais deve desenvolver instrumentos para reequilibrar relações assimétricas e impedir que a dependência vire capital de exploração.

A articulação entre firma conjugal, economia do cuidado e permissividade institucional revela um sistema complexo de reprodução da desigualdade. Superá-lo exige  não só reformas jurídicas, mas crítica estrutural que desnaturalize o cuidado explorado, questione a moralização das práticas relacionais e enfrente os mecanismos que permitem aos homens usufruírem do melhor dos dois mundos: os resíduos do patriarcado e os ganhos seletivos do feminismo liberal. Sem essa crítica, a promessa de igualdade seguirá, como advertia Engels, um horizonte sempre adiado.

5) Proposta de agenda futura: índice de assimetria de custo de oportunidade relacional e potencial de pesquisa

O modelo teórico aqui apresentado oferece um conceito inovador para compreender a persistência e a reprodução de práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero como um fenômeno estrutural, sustentado por uma complexa arquitetura de incentivos, custos e moralizações. No entanto, para consolidar seu potencial explicativo e reforçar sua capacidade de impactar o campo dos estudos de gênero e na crítica das estruturas sociais, torna-se imperativo avançar para uma agenda de investigação empírica capaz de operacionalizar os conceitos aqui formulados.

Uma das possibilidades mais promissoras reside na construção de um índice de assimetria de custo de oportunidade relacional — um instrumento analítico que permita mensurar, em distintos contextos e populações, o diferencial estrutural de incentivo para a adoção de práticas de oportunismo relacional por homens e mulheres.

Tal índice não só aprofundaria a compreensão empírica do regime de captura relacional, como também possibilitaria a comparação sistemática entre contextos culturais, institucionais e normativos diversos, iluminando as condições de possibilidade para a reprodução — ou mitigação — das práticas assimétricas analisadas.

Importa sublinhar que a construção de tal índice deve estar ancorada na compreensão de que o oportunismo relacional não opera isoladamente, mas como parte de um regime mais amplo, no qual a firma conjugal e a economia do cuidado se articulam com práticas de permissividade institucional e com um ethos cultural que legitima a violação seletiva de pactos privados e públicos. O índice deve, portanto, capturar não apenas os fatores diretamente relacionados à interação relacional, mas também os elementos estruturais que moldam o horizonte de possibilidades e constrangimentos vivenciado por mulheres e homens em distintas posições sociais.

Elementos propostos para a construção do índice

Propõe-se que o índice de assimetria de custo de oportunidade relacional seja composto por uma matriz integrada de variáveis objetivas e subjetivas, organizadas em quatro dimensões fundamentais:

  • Carga de trabalho não remunerado (por gênero e por tipo de relação):
    • Tempo efetivo dedicado ao trabalho doméstico e de cuidado.
    • Desigualdade na distribuição da carga mental e emocional associada à gestão da vida familiar e relacional.
  • Renda relativa e impacto pós-ruptura:
    • Variação na renda disponível e no acesso a recursos patrimoniais após a dissolução de relações conjugais ou afetivas.
    • Incidência de dependência econômica e riscos de empobrecimento entre mulheres em função da ruptura relacional.
  • Custo percebido de resistir, romper ou demandar reciprocidade:
    • Percepção de custo emocional, social, institucional e jurídico associado à resistência contra práticas de oportunismo relacional ou à ruptura de pactos conjugais assimétricos.
    • Grau de suporte institucional percebido (acesso a redes de apoio, eficácia e sensibilidade de sistemas de justiça e proteção).
  • Capacidade percebida de retaliação e grau de tolerância social:
    • Percepção da probabilidade e do impacto de retaliações (explícitas ou simbólicas) sofridas por mulheres que rompem pactos ou resistem à sobrecarga relacional.
    • Grau de moralização diferencial (por meio de surveys, análise de discurso midiático, análise jurisprudencial), capturando como a sociedade legitima ou deslegitima a recusa feminina a práticas exploratórias.

A integração destas dimensões permitirá construir um índice composto, que reflita de forma robusta o diferencial de incentivo ao oportunismo relacional — entendido não como uma variável puramente individual, mas como uma propensão estruturalmente moldada por condições culturais, econômicas e institucionais.

Não se trata aqui de um exercício puramente especulativo. Experiências legislativas e debates comparados, como os processos recentes de reforma do direito das obrigações e do direito de família na Alemanha e na França, vêm sinalizando uma crescente preocupação com a proteção de parceiros vulneráveis em contextos de convivência afetiva e dependência relacional. Tais movimentos reforçam a pertinência de refletir, no âmbito brasileiro, sobre instrumentos jurídicos capazes de desarticular os mecanismos de captura que persistem naturalizados nas relações de gênero.

Fontes de dados e metodologias sugeridas

A operacionalização empírica deste índice exige a combinação de fontes e métodos diversos, que permitam captar a complexidade multidimensional do fenômeno:

  • Dados secundários: Estatísticas de gênero (ONU Mulheres, IBGE, OIT), dados sobre distribuição do trabalho doméstico e de cuidado, indicadores de renda e pobreza pós-ruptura conjugal.
  • Pesquisas survey: Inquéritos estruturados com homens e mulheres, investigando percepções de custos, riscos e incentivos relacionados ao oportunismo relacional e à resistência contra pactos assimétricos.
  • Análise de discurso: Estudo sistemático de representações midiáticas, culturais e jurídicas que reforçam ou questionam a moralização da quebra de pactos privados — incluindo a naturalização da impunidade masculina e a culpabilização da resistência feminina.
  • Análise qualitativa de jurisprudência: Identificação e análise de padrões decisórios que reforcem ou inibam práticas de oportunismo relacional, com especial atenção às dimensões da moralização judicial e da responsabilização de gênero.

Contribuições esperadas

O desenvolvimento de um índice de assimetria de custo de oportunidade relacional oferece um potencial transformador para o campo dos estudos de gênero e para a formulação de políticas públicas. Espera-se que tal instrumento:

  • Valide empiricamente o modelo teórico proposto, demonstrando a robustez e a aplicabilidade de suas hipóteses centrais;
  • Ofereça um recurso analítico comparativo, capaz de mapear as condições sociais e institucionais que mais favorecem — ou restringem — a reprodução do regime de captura relacional;
  • Amplie o arsenal crítico disponível para a análise e a denúncia das práticas relacionais patriarcais, integrando a crítica da firma conjugal e da economia do cuidado à análise das permissividades institucionais e culturais;
  • Subsidiar a formulação de políticas públicas e jurídicas orientadas não apenas à proteção contra violências explícitas, mas ao desmonte da arquitetura de incentivos que sustenta o oportunismo relacional e a exploração do cuidado feminino.

Avançar na construção e validação deste índice representa, portanto, um passo decisivo para consolidar uma Economia Política das Relações Sociais comprometida com a crítica estrutural da desigualdade de gênero. Tal agenda de pesquisa não apenas ilumina os mecanismos invisíveis que perpetuam a captura relacional e o confisco de gênero, como também fornece ferramentas para enfrentar as formas contemporâneas de dominação masculina — formas que, como vimos, se alimentam da tolerância cultural à quebra de pactos privados e da permissividade em relação à violação dos próprios pactos institucionais. Ao propor esta agenda, este artigo convida a uma colaboração interdisciplinar e a uma renovação metodológica, capaz de transformar a compreensão — e, em última instância, a prática — das relações de gênero em nossas sociedades.

6) Considerações finais

Este artigo propôs uma abordagem  crítica para a compreensão das práticas assimétricas de oportunismo relacional de gênero, concebendo-as não como desvios morais isolados, mas como comportamentos incentivados estruturalmente por uma arquitetura social e institucional de captura.

A partir da articulação entre a noção de firma conjugal, a economia do cuidado e a moralização da quebra de pactos privados, demonstrou-se que essas práticas integram um regime mais amplo de reprodução das desigualdades de gênero — um regime que permite, particularmente aos homens,  usufruir seletivamente das conquistas feministas sem renunciar aos privilégios herdados do patriarcado.

Retomando a hipótese central, argumentou-se que a persistência e a legitimação dessas práticas decorrem de um arranjo institucional invisível, no qual normas culturais, dispositivos de moralização inversa e estruturas econômicas e jurídicas convergem para produzir um equilíbrio relacional que penaliza a reciprocidade e recompensa o oportunismo masculino. Demonstrou-se, ademais, que esse arranjo  transborda do plano relacional para o institucional, contribuindo para a corrosão da integridade dos pactos democráticos.

A crítica aqui formulada enfatiza que a moralização da quebra de pactos privados — que culpabiliza mulheres por resistirem ou por demandarem reciprocidade — desempenha uma função estrutural crucial: legitima, por extensão, a violação seletiva de pactos institucionais, como se observou na recente mobilização em torno da PEC da Anistia no Brasil. Este continuum entre práticas privadas e permissividade institucional confirma que tais dinâmicas constituem um vetor estruturante da degradação democrática.

Nesse sentido, o artigo também contribui para uma crítica estrutural das relações de gênero que transcende abordagens centradas exclusivamente na moralização individualizada ou na responsabilização punitiva. Ao evidenciar os mecanismos institucionais e culturais que sustentam o regime de captura — como a arquitetura de incentivos assimétricos, a gestão afetiva do poder, a exploração emocional e o confisco do cuidado — e ao propor uma agenda de investigação orientada à construção de um índice de assimetria de custo de oportunidade relacional, busca-se municiar o debate com ferramentas analíticas capazes de explicitar e tensionar as formas contemporâneas de dominação masculina.

Importa sublinhar, como adverte Daron Acemoglu em sua reflexão sobre a resiliência das instituições democráticas, que a diversidade — entendida como inclusão efetiva e plural de vozes na esfera pública e nos espaços de poder — é elemento central para a vitalidade democrática. Sistemas que perpetuam a exclusão sistemática de metade da população e naturalizam a exploração do cuidado comprometem, a longo prazo, a legitimidade das instituições republicanas.

Assim, superar o regime de captura e o confisco de gênero não é apenas uma demanda de justiça social, mas condição para a sustentabilidade democrática. Como demonstra Acemoglu, instituições que resistem à pluralização tornam-se historicamente mais frágeis, capturáveis e incapazes de responder aos desafios da modernidade. A promoção da diversidade de gênero nos espaços decisórios e a desnaturalização do cuidado como trabalho escravo não remunerado constituem imperativos para a renovação democrática.

Ao mostrar como esse regime faculta aos homens operar com incentivos assimétricos e baixos custos relacionais — apropriando-se seletivamente dos avanços normativos do feminismo, sem abrir mão das vantagens patriarcais — o artigo buscou deslocar a análise do plano da moralização individual para o campo da crítica estrutural. Essa crítica revelou que o oportunismo relacional de gênero é sustentado por uma arquitetura invisível de incentivos, por dispositivos culturais que legitimam a quebra de pactos privados sem sanção, e por práticas institucionais que naturalizam a exclusão das mulheres dos espaços de poder.

Reconhecem-se, contudo, as limitações deste trabalho. O modelo teórico proposto requer validação empírica sistemática, e o índice sugerido demanda desenvolvimento metodológico rigoroso. Além disso, impõe-se aprofundar a análise interseccional das assimetrias de custo de oportunidade relacional, considerando como raça, classe, sexualidade e território modulam os mecanismos aqui descritos.

Caminhos futuros de pesquisa incluem: (i) a operacionalização e teste empírico do índice em contextos nacionais e regionais; (ii) o aprofundamento da análise da moralização diferencial da quebra de pactos; (iii) a investigação da correlação entre diversidade institucional e resiliência democrática, à luz das contribuições de Acemoglu, Nussbaum e da literatura contemporânea.

Em suma, desvelar os mecanismos invisíveis que sustentam o oportunismo relacional e a exploração do cuidado é não apenas uma tarefa analítica urgente, mas um projeto normativo inscrito na luta por uma democracia mais justa, plural e resiliente. Como tal, exige o engajamento contínuo da pesquisa, da crítica e da ação política.

À guisa de fecho: as democracias contemporâneas enfrentam a tarefa paradoxal de reconstruir o ideal de reciprocidade em tempos de fragmentação relacional. Neste texto, argumentou-se que as assimetrias relacionais não são resíduos culturais, mas dispositivos operantes de reprodução da desigualdade de gênero — que exigem novas ferramentas teóricas e jurídicas para serem confrontados.

Nesse horizonte, a noção de captura relacional foi proposta como categoria analítica capaz de nomear os processos pelos quais capacidades relacionais — cuidado, afeto, suporte emocional — são apropriadas de modo assimétrico em arranjos que operam na zona de invisibilidade normativa.

Articulando aportes da Economia da Informação (Akerlof, Stiglitz), da Economia Institucional (Coase), da análise histórica das penalizações de gênero (Goldin), e da teoria das instituições inclusivas (Acemoglu e Robinson), propôs-se também um modelo analítico — na forma de um índice de assimetria de custo de oportunidade relacional — para instrumentalizar criticamente essas dinâmicas.

O que se pretende não é a redução da experiência relacional à métrica, mas iluminá-la com um léxico capaz de transitar entre níveis micro e macro, entre as dimensões emocionais e institucionais da dominação. A tarefa que se impõe é a de uma democracia substantiva que se estenda às relações interpessoais: não como ideal abstrato, mas como compromisso normativo com a justiça material entre seres humanos — fundada na centralidade do cuidado e da reciprocidade.


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