O cenário jurídico brasileiro está em plena transformação, impulsionado por uma série de tendências e desafios que redefinem o papel do advogado e a estrutura dos departamentos jurídicos. As equipes jurídicas, antes relegadas apenas à função de guardiãs de riscos, são cada vez mais provocadas a atuar como parceiras estratégicas de negócio, participando ativamente das mesas de negociação e auxiliando na tomada de decisões baseadas em dados. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) emerge não apenas como uma ferramenta, mas como um grande catalisador da disrupção neste mercado, prometendo eficiência sem precedentes, mas também apresentando desafios significativos para sua adoção.
Conheça o JOTA PRO Trabalhista, solução corporativa que antecipa as movimentações trabalhistas no Judiciário, Legislativo e Executivo
Historicamente, a área jurídica foi mais cautelosa ao adotar novas tecnologias, em comparação com outros setores corporativos como finanças ou vendas. No entanto, essa realidade vem mudando rapidamente. O setor jurídico global investiu a impressionante cifra de 50 bilhões de dólares em tecnologia em 2023, segundo levantamento da International Data Corporation (IDC), sinalizando um enorme potencial de crescimento na digitalização e otimização de processos. No Brasil, a IDC revelou uma clara intenção do mercado em modernizar-se, com 94% das organizações do setor que já utilizam algum tipo de solução de gestão de acordos – e 71% dos times jurídicos que ainda não as utilizam têm planos de breve implementação.
A inteligência artificial (IA) desponta recentemente como o grande ponto de inflexão nas discussões dos times jurídicos em busca de mais eficiência. A IA está acelerando uma grande transformação na gestão de acordos, liberando os profissionais jurídicos de tarefas operacionais e repetitivas para que possam focar em atividades de maior valor estratégico. Tarefas como pesquisa, redação e revisão de documentos, verificação de conformidade e extração de dados (datas, prazos, obrigações) – que antes consumiam horas de trabalho, agora podem ser significativamente encurtadas pela tecnologia. Um estudo da Deloitte para a Docusign aponta que 77% dos entrevistados consideram as ferramentas de gestão inteligente de contratos essenciais para o sucesso de companhias de alto desempenho, pois elas permitem acelerar os negócios e aumentar a receita.
Para a área jurídica, a grande oportunidade reside em utilizar a IA para desbloquear o valor implícito nos acordos, que hoje são frequentemente arquivos estáticos, sem dados estruturados ou inteligência extraída. Ferramentas baseadas em IA já permitem a extração e classificação rápida de dados de contratos, identificando, por exemplo, cláusulas que fogem do padrão da empresa ou gerando relatórios de gestão. Isso transforma o jurídico em uma área que devolve inteligência para a organização, permitindo tomadas de decisão mais estratégicas.
Apesar do entusiasmo, a adoção da IA não é isenta de desafios. Há um receio subjacente em muitos advogados de que a IA possa levar à perda de empregos. No entanto, a perspectiva predominante é que a IA não substitui o advogado, mas o capacita. Os profissionais que saírem na frente e aliarem a tecnologia de IA ao seu trabalho serão ainda mais bem-sucedidos. A IA permite que o profissional deixe de fazer a revisão de contratos “na unha”, oferecendo sugestões de redação e apontando riscos, tornando o processo mais fluido. Contudo, o ato de negociação e a formalização legal dos acordos ainda são intrinsecamente humanos, e não há (pelo menos por enquanto) um agente de IA capaz de realizá-los sem a devida supervisão.
Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!
Outro desafio: embora haja uma alta expectativa inicial de entrega de valor, o terreno da IA ainda está em desenvolvimento. As organizações esperam que o Jurídico saia da fase de experimentação e entre na fase de entrega de valor, usando as ferramentas de IA disponíveis para gerar eficiência, conforme demonstra outro estudo da Deloitte. Mas isso requer um alinhamento qualitativo para que as equipes tenham o tempo necessário para definir quais tecnologias apoiam melhor as necessidades corporativas.
Finalmente, há uma preocupação crítica: a segurança dos dados. Contratos contêm informações sensíveis e confidenciais, e a pesquisa da IDC indica que 83% dos entrevistados consideram a segurança um recurso essencial para plataformas de gestão de acordos. É fundamental que as empresas escolham soluções que ofereçam medidas avançadas de detecção de fraudes por IA, autenticação robusta e monitoramento contínuo, além de políticas claras de governança de IA. A preocupação com o treinamento dos modelos de IA, especialmente para que os dados dos clientes não sejam inadvertidamente expostos ou utilizados em modelos públicos, é uma questão central que as plataformas devem endereçar, oferecendo, por exemplo, a opção de o cliente não permitir o uso de seus dados para treinamento.
Com a IA absorvendo tarefas repetitivas, o tempo do advogado é liberado para atividades de maior impacto. Equipes jurídicas, frequentemente enxutas e com orçamentos limitados, enfrentam uma demanda crescente devido à alta regulação. Essa liberação de tempo permite que o advogado se torne um negociador mais eficaz, estruture melhor sua base de dados de contratos, devolva inteligência para a organização e se posicione como um parceiro estratégico de negócios. O foco se desloca da revisão detalhada de documentos para a avaliação de padrões, riscos e oportunidades, transformando o advogado em um consultor de negócios qualificado.
Em um mundo em que o ecossistema jurídico está sendo redefinido, a tecnologia não é uma ameaça, mas uma aliada poderosa. Aqueles que abraçarem a IA para criar, formalizar e gerir acordos de forma mais inteligente estarão à frente, garantindo maior produtividade, integração de processos, racionalização de gastos e, acima de tudo, a entrega de valor estratégico para seus clientes e para a organização como um todo. Ignorar essa transformação é perder a chance de se manter relevante em um mercado cada vez mais competitivo e impulsionado pela inovação.

