Fatores humanos, psicológicos e operacionais podem ter contribuído para a tragédia do Voo 2283 em Vinhedo, apontam especialistas São Paulo, Acidente Aéreo, avião cai em Vinhedo, Vinhedo, Voepass CNN Brasil
Desde o início da tarde de 9 de agosto de 2024, quando o voo 2283 da Voepass caiu em Vinhedo (SP) com 62 pessoas a bordo, uma pergunta ecoa entre familiares, autoridades e especialistas: o que pode ter causado o acidente mais letal da aviação brasileira desde 2007?
Quinze minutos após a tragédia, o Cenipa foi notificado e iniciou o trabalho técnico de investigação. A Polícia Federal, que conduz o inquérito criminal, foi acionada em seguida. Ainda naquele mesmo dia, as duas caixas-pretas da aeronave foram localizadas e levadas a Brasília para análise. Os dispositivos, conhecidos como CVR (Cockpit Voice Recorder) e FDR (Flight Data Recorder), registram os áudios da cabine e dados técnicos como velocidade, altitude e trajetória. O conteúdo é essencial para entender os momentos finais do voo.
A CNN apurou que os dados do CVR mostram certa “normalidade” dentro da cabine até segundos antes da queda. Acostumados a voar através de instrumentos, piloto e copiloto conversavam naturalmente, mesmo com a aeronave apresentando sinais preocupantes de degradação de desempenho. Esse é um dos pontos que mais intrigam os investigadores que trabalham no caso.
O coronel Rufino, ex-investigador do Cenipa, destacou que dois processos são abertos automaticamente em casos como este: o do Cenipa, com foco na prevenção, e o da Polícia Federal, com foco criminal. Segundo ele, as instituições atuam de forma complementar. “No caso da investigação criminal, é necessário identificar um culpado para eventual responsabilização. Já a investigação de prevenção parte de hipóteses suficientes para emitir recomendações e evitar novos acidentes”, explicou.
O delegado Edson Sérgio de Freitas, da Polícia Federal em Campinas, destacou que, por coincidência, a equipe havia terminado a revisão do protocolo de acidentes aéreos no mesmo dia da queda, o que permitiu uma resposta rápida e técnica. “A equipe estava focada, com o conhecimento necessário. Isso foi fundamental para uma abordagem correta, pragmática e específica. Houve cooperação direta com o Cenipa, IML, Defesa Civil, Bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil.”
O relatório da PF apura responsabilidades penais, e não apenas corporativas. Há expectativa de que o inquérito possa concluir por falhas de conduta da empresa e também de pessoas que estavam envolvidas na operação. Um mecânico que trabalhou com a aeronave pouco antes do acidente gravou um áudio, obtido pela CNN, no qual expressa remorso por não ter registrado uma falha no sistema de estabilidade. “Tô com um remorso desgraçado… Errei de não ter mandado por escrito”, diz o funcionário.
O relatório do Cenipa deve apresentar um conjunto de fatores contribuintes para a queda, e não uma única causa determinante. Entre os pontos analisados estão falhas operacionais, meteorológicas e técnicas. Especialistas em aviação ouvidos pela CNN também apontam possíveis falhas na condução do voo, na comunicação com órgãos de controle, na manutenção e na execução de protocolos de segurança. Fatores psicológicos e humanos também podem ter influenciado a dinâmica do acidente, segundo avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem.
A aeronave “papa bravo” foi mantida a 17 mil pés de altitude mesmo com alertas de formação severa de gelo entre 15 mil e 23 mil pés. O comandante Almeida, que pilotou a mesma aeronave dias antes da queda, afirmou que o voo entrou em uma área crítica de formação de gelo. “Os sistemas não funcionaram, e a aeronave continuou em ambiente de formação de gelo. Com a envergadura e o formato do ATR, o avião não suportou o excesso de peso”, declarou.
Desde o início, a investigação foi marcada por contradições sobre a operação do voo. Passageiros compraram bilhetes no site da Latam, mas embarcaram em um voo da VoePass. A única menção à operadora era o código “2Z” no bilhete. Um dos cartões de embarque, obtido pela CNN, não trazia qualquer referência explícita à VoePass. Quatro passageiros perderam o voo por estarem nos guichês da Latam, e não da VoePass.
Documentos do Cade mostram que, à época do acidente, a Latam detinha 30% da VoePass. A parceria previa que voos regionais fossem operados por aeronaves menores, com venda feita pela Latam. Familiares questionam essa relação e apontam corresponsabilidade da Latam. “Foi a Latam que vendeu. Ela também tem que responder”, afirmam parentes das vítimas.
A CNN também teve acesso a relatos de passageiros e tripulantes que reportaram falhas frequentes nas aeronaves da empresa. Problemas no ar-condicionado, na estabilidade e nos sistemas de navegação foram registrados antes do acidente. Alguns não chegaram a ser formalmente anotados. Imagens obtidas pela reportagem mostram um vão de ao menos 7 centímetros na porta de uma das aeronaves da VoePass durante voo em grande altitude.
Além disso, denúncias obtidas pela CNN apontam que a Latam teria utilizado os slots da VoePass — autorizações de pouso e decolagem — com o aval da Anac, sem os trâmites regulatórios habituais.
A agência também é criticada por familiares e ex-funcionários da VoePass, que apontam falha na fiscalização da empresa. A suspensão da companhia só ocorreu em março de 2025, sete meses após o acidente. Do dia 9 de agosto de 2024 até a data da suspensão, a VoePass realizou 2.687 voos com aeronaves que já haviam apresentado problemas de manutenção. O dado foi divulgado pela Anac durante a votação do caso, após a queda em Vinhedo.
Posicionamentos
A Latam afirmou que não mantém mais qualquer relação comercial com a VoePass e que “acordos comerciais de codeshare, como o que manteve com a Voepass no passado e foi encerrado por iniciativa da LATAM, são comuns em toda a aviação comercial mundial”.
A VoePass, em nota, disse que viveu seu “episódio mais difícil” com o acidente e que segue “solidária às famílias”. Reafirma que atua com responsabilidade e empatia, que ofereceu suporte psicológico e logístico às vítimas e que colabora com as investigações. A empresa afirma que a aeronave tinha o CVA (Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade) válido e seguia todos os requisitos da Anac e da IATA.
A Anac declarou que a redistribuição dos slots da VoePass seguiu os procedimentos regulares, tanto em Congonhas quanto em Guarulhos. Afirmou que não fiscaliza contratos comerciais (acordos de codeshare) entre companhias aéreas e que a suspensão da VoePass seguiu critérios técnicos.
Na sexta-feira (8), a série especial traz detalhes sobre o que mudou desde o acidente, movimentos políticos por novas legislações e o trabalho da associação de vítimas. Também na sexta, a reportagem especial vai ao ar no CNN Prime Time, com entrevistas exclusivas. No sábado (9), data que marca um ano da tragédia, a CNN exibe uma versão estendida com bastidores inéditos, homenagens e o balanço final da investigação.

			
			
		