A intervenção judicial na administração de empresas é uma exceção em um ambiente caracterizado pela primazia da autonomia da vontade. Porém, condutas praticadas por sócios e administradores podem levar, em certas circunstâncias, a atos ilícitos e descumprimento de deveres legais em um contexto de assimetrias informacionais e de inefetividade dos controles societários. O resultado disso são as disputas societárias.
O Poder Judiciário tem adotado diferentes níveis de intervenção: desde a nomeação de um administrador-observador (ou “watchdog”), que fiscaliza as atividades da empresa, até a indicação de um administrador-gestor, que possui poderes de representação perante terceiros.
Soluções intermediárias cuja situação exija autorização do próprio juiz para atos de gestão fora do curso normal dos negócios ou atos de grande impacto para o interesse social também são comuns, ocasião em que o interventor nomeado pelo juiz pode inclusive ser chamado a opinar.
A nomeação de um administrador-observador tem por fundamento o poder geral de cautela e é uma forma de intervenção mais contida em relação às demais. Não traz consigo, porém, uma previsão legal expressa que a autorize, ou um regime jurídico que estabeleça os seus poderes, deveres e responsabilidades.
Essa figura funciona como um auxiliar da Justiça, na medida em que acompanha os atos de gestão praticados pelos administradores transitoriamente e os reporta ao juiz. Esse administrador deve atuar com neutralidade, independência e imparcialidade em relação às partes interessadas no litígio e dentro dos seus limites estabelecidos pelo juiz.
Além de auxiliar o juízo a evitar danos irreversíveis e formar a sua convicção, também cumpre um papel de “gatekeeper”, isto é, de um agente cuja reputação, responsabilidade profissional e capacidade técnica lhe conferem os atributos necessários para realizar uma análise crítica das informações produzidas pela administração em exercício antes de transmiti-las ao juiz.
No entanto, existem outros instrumentos na legislação societária que podem cumprir propósitos similares ao do administrador-observador em um cenário de conflito de agência – principalmente, nos conflitos entre controlador e minoritários ou entre administradores e sócios. Exemplo disso é a possibilidade de sócios virem a nomear membros para o Conselho de Administração (em caso de exercício de voto múltiplo ou votação em separado) e/ou para o Conselho Fiscal.
Ambos os órgãos têm por finalidade reduzir a assimetria de informações entre controladores/administradores e sócios, enquanto os deveres fiduciários dos seus membros representam incentivo para atuação no melhor interesse social e controle de eventuais abusos. Além disso, acordos parassociais e outros documentos societários podem estabelecer regras que confiram aos sócios mecanismos de fiscalização mais amplos e detalhados em relação àquilo que a própria lei prevê.
Embora esses órgãos sociais possam ser colocados em funcionamento, há limitações a sua atuação. Como órgãos colegiados, as decisões serão naturalmente tomadas pela maioria dos membros nomeados pelos próprios controladores, em que pese seus deveres fiduciários. Sendo assim, na prática, os órgãos sociais compostos majoritariamente por membros nomeados pelos controladores podem não servir como um contrapeso verdadeiramente eficiente aos fins que se destinam.
Outra estratégia possível seria propor ações de exibição de livros, de documentos e de produção antecipada de provas previstas na legislação, que também poderiam servir para garantir maior transparência da administração. Por outro lado, essas medidas podem ser apenas preparatórias para uma disputa ou não alterar estruturalmente o status quo, podendo servir de forma paliativa aos interesses dos sócios em conflito.
A nomeação de um administrador-observador precisa ser medida proporcional ao contexto em que está inserida. Dada a responsabilidade desses profissionais, a sua nomeação importa em custos; logo, a partir dos valores e do risco de dano envolvidos na disputa, o custo-benefício da nomeação deve ser levado em consideração.
Somente se os instrumentos previstos na legislação societária, a exemplo dos órgãos sociais e outras medidas judiciais, não forem suficientes para resguardar os interesses das partes envolvidas na disputa, é que seria razoável a nomeação cautelar de um administrador-observador. Já se os outros instrumentos citados forem capazes de cumprir, na prática, uma função equivalente, a adoção dessa medida extraordinária poderia ser substituída por outra medida prevista em lei sem maiores custos ou entraves burocráticos.
Ainda que a nomeação do administrador-observador não tenha sido objeto de pedido específico da parte autora e o juiz venha a nomeá-lo com fundamento no poder geral de cautela, a demonstração em juízo de que a parte que se sentir prejudicada adotou – ou tentou adotar – outras salvaguardas previstas na legislação conferem maior legitimidade à nomeação do administrador-observador. É um dever dos sócios acionar por iniciativa própria os instrumentos previstos na legislação para resguardar seus próprios direitos.
Preventivamente, a parte que almeja estabelecer relações empresariais também deve buscar dar efetividade aos seus direitos mediante a negociação das suas relações de sócios, seja em contratos sociais, estatutos e em acordos parassociais.
Com isso, o sócio pode estruturar uma rede de direitos/prerrogativas em pontos essenciais, para além do que a própria legislação já prevê, e garantir sua eficácia. Exemplos disso são as regras de veto e voto afirmativo, regras de governança, restrições às transferências de participações societárias e penalidades.
Intervenções do Poder Judiciário na administração de empresas são medidas excepcionais. Manter essa excepcionalidade é fundamental para a criação de um ambiente dotado de segurança jurídica em que prevalece a autonomia da vontade e a intangibilidade contratual.

