Há ferramentas que permitem aos juristas realizarem predições, baseadas na análise comparativa entre o texto constitucional versus agenda econômica. A partir dessa análise é possível identificar se tais mudanças são capazes de garantir o desenvolvimento social do país a longo prazo.
As Constituições têm sido um tema central para a Análise Econômica do Direito (AED) desde que Buchanan e Tullock introduziram a disciplina da economia política constitucional.[1] A preocupação é elaborar regras de ordem mais elevada para otimizar processos “comuns” de tomada de decisão.
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A Comissão de Juristas para Revisão Legal da Exploração de Portos e Instalações Portuárias (Ceportos), criada em 22 de dezembro de 2023 por ato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, apresentou proposta de revisão do arcabouço legal para regulação a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias brasileiros.
Nesse contexto, o anteprojeto apresenta proposições inovadoras, como a criação de uma Câmara de Autorregulação e Resolução de Conflitos, com potencial para transformar a dinâmica do setor.
A proposta de instituição de uma câmara de autorregulação é estruturada a partir de princípios fundamentais como diálogo, transparência, tecnicidade e desenvolvimento regional. Essas diretrizes visam não apenas otimizar as relações entre os diversos agentes envolvidos – como autoridades portuárias, arrendatários e operadores – mas também prevenir litígios e promover soluções eficientes e consensuais para os conflitos que eventualmente venham a surgir.
Conforme estabelecido no Capítulo IX do anteprojeto, a Câmara de Autorregulação e Resolução de Conflitos será constituída como uma associação setorial sem fins lucrativos, regida por seu estatuto e supervisionada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Esse modelo permite que o setor portuário construa soluções autônomas e adequadas às suas peculiaridades, mantendo consonância com o marco regulatório.
Entre os objetivos principais da Câmara, destacam-se:
- Promoção do desenvolvimento das relações entre agentes dos setores portuário e aquaviário, incentivando a cooperação e a harmonização de práticas;
- Elaboração de documentos normativos comuns que possam ser adotados voluntariamente pelos interessados, aumentando a clareza nas negociações comerciais e prevenindo conflitos;
- Estabelecimento de um ambiente de diálogo aberto, integrando diferentes atores da economia e promovendo soluções colaborativas;
- Resolução de conflitos por técnicos especializados, garantindo celeridade e qualidade na mediação e arbitragem.
Ao adotar princípios como a autonomia da vontade e a autocomposição, o modelo proposto reforça a capacidade do setor portuário de se autorregular, reduzindo a dependência de soluções judiciais e fortalecendo a segurança jurídica das relações contratuais.
O impacto positivo dessa iniciativa vai além da prevenção e resolução de conflitos. A criação de normas privadas pelos próprios agentes do setor promove uma maior previsibilidade nas operações, contribuindo para a atração de investimentos e para a modernização da infraestrutura portuária.
Além disso, ao priorizar soluções técnicas e especializadas, a câmara de autorregulação permite uma melhor adaptação às particularidades locais e regionais, atendendo às demandas específicas de cada região.
O contexto internacional oferece precedentes que reforçam a relevância dessa proposta. Em países como Holanda e Singapura, onde as iniciativas de autorregulação são amplamente adotadas, observa-se uma maior eficiência operacional e uma significativa redução nos custos de transação. Essas experiências demonstram que a aplicação de modelos similares no Brasil tem o potencial de gerar resultados expressivos, tornando o setor portuário nacional mais competitivo e integrado às cadeias globais de logística.
A introdução da Câmara de Autorregulação e Resolução de Conflitos no ordenamento jurídico brasileiro marca um avanço significativo para o setor portuário. Ao aliar a análise econômica do direito com soluções inovadoras e sustentáveis, o anteprojeto contribui para a construção de um ambiente mais seguro, previsível e eficiente, favorecendo o desenvolvimento econômico e social do país.
À luz da análise econômica do direito a integração entre direito e economia emerge como um princípio fundamental do direito administrativo, com o objetivo precípuo de proteger o interesse público, resguardar a propriedade privada e garantir a isonomia, de modo a evitar o enriquecimento ilícito e desproporcional de uma das partes.[2]
Assim, quando as partes possuem capacidades diferenciadas de gerenciar os riscos ou de transferi-los a terceiros – como é o que ocorre nos contratos de concessão e de arrendamento – a alocação adequada dos riscos é um fator indispensável para que o contrato seja eficiente e para se conferir continuidade e a boa prestação do serviço essencial, por meio da distribuição racional dos riscos.[3]
É evidente, portanto, que o assunto merece apreciação legislativa, especialmente, ao se examinar o modelo da nossa atual legislação brasileira. Há que se ponderar as vantagens e desvantagens do movimento legislativo que vem ocorrendo ao longo dos anos para fins de abertura do mercado, no sentido de se considerar a essencialidade dos serviços e atividades abrangidos pelos contratos de arrendamento.
Richard Posner, nesse contexto, em sua obra Law, Pragmatism and Democracy, tece críticas quando o Estado opta por soluções guiadas por interesses meramente particulares em detrimento da razão; no que se refere aos julgadores quando da tomada de decisões, por discricionariedade, mais do que pela norma. Quando, na verdade, deveriam conduzir sua formação de consciência quantos aos casos com que se deparam, de modo a enfatizar os fatores institucionais e materiais, em vez de valores morais e critérios nebulosos e abstratos de hermenêutica.
Para o doutrinador, o pragmatismo jurídico se prestaria, então, como elemento de ponderação das consequências do produto das decisões do Estado no momento da aplicação dos princípios abstratos presentes no ordenamento jurídico.[4]
É inegável que o Direito, como ciência social, sofre constante influência de outros ramos da ciência. Assim, a análise econômica do direito pode ser uma ferramenta profundamente eficaz para combater e superar a chamada cultura da sentença, termo este que exprime a atividade jurisdicional de produzir decisões em grande escala sem se preocupar com os efeitos metaprocessuais de cada uma delas, o que acaba por comprometer não só a própria instituição do Judiciário mas também a qualidade das suas deliberações, tornando-as incapazes de garantir a justiça substancial da prestação jurisdicional e, pois, a paz social.[5]
A convergência entre direito e economia no setor portuário se mostra útil no momento de se realizar o cotejo de argumentos e auxiliar no processo de tomada de decisões, utilizando-se de padrões de racionalidade, considerando custos e objetivos, valores como segurança jurídica, previsibilidade e a justa eficiência alocativa dos recursos sociais, objetivando uma maior projeção da justiça material para além das partes envolvidas diretamente na decisão judicial, o que seria, em última instância, a efetiva materialização do postulado da função social do processo.[6]
Segundo o ramo da juseconomia, há um jogo de ponderação entre benefícios e ônus em cada oportunidade, assim denominado “custo de oportunidade”, o resultado do sopesamento no setor portuário desses fatores norteará as transações econômicas que dela decorrerem, até que se encontre um equilíbrio.[7]
É evidente, portanto, que o assunto merece apreciação, especialmente, ao se examinar o atual modelo de litigância brasileiro. Há que se ponderar as vantagens e desvantagens da aplicação de s sob todas as perspectivas.
Com essas reflexões, podemos compreender os mecanismos que estruturam as relações econômicas, especialmente no setor portuário. É essencial considerar que, sem o pleno funcionamento desse setor, não há intercâmbio político, social ou desenvolvimento econômico. O papel das instituições, na verdade, deve ser o de minimizar as incertezas jurídicas inerentes à economia e promover incentivos para a cooperação e o crescimento sustentável do mercado.
[1] GINSUBURG, Tom. The design of constitutions. pg. 28
[2] JUSTEN FILHO, Maçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997. In: PEREIRA, Marcos. A aparência de serviço público nos contratos de arrendamento portuário. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-07/aparencia-de-servico-publico-dos-contratos-de-arrendamento-portuario/. Acesso em: 18.01.2025.
[3] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de Serviço Público, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217-218. In: Parecer n. 358/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU. Disponível em: https://licitacao.paginas.ufsc.br/files/2020/03/Parecer-AGU-Concess%C3%A3o-Transportes-Recomposi%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 18.01.2025
[4] POSNER, Richard A. Law, pragmatism, and democracy. Imprenta: Cambridge, Harvard University Press, 2005. p. 38.
[5] Nesse sentido, Kazuo Watanabe discorre sobre a expressão cultura da sentença: “O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada de conflitos, que se dá por meio de sentença do juiz. E a predominância desse critério vem gerando a chamada ‘cultura da sentença’, que traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores, e até mesmo da Suprema Corte. ” – WATANABE, Kazuo. Acesso à Ordem Jurídica Justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Prefácio Min. Ellen Gracie Northfleet; apresentação Prof. Humberto Theodoro Júnior. Editora: Del Rey, Belo Horizonte, 2019, págs. 65-73.
[6] MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução de Rachel Sztajn. São Paulo: Atlas, 2015.
[7] POSNER, Richard. A Análise Econômica do Direito. 2ª Ed. México: Fondo de Cultura Económica, 2007, p. 26.