A inadimplência das famílias tem registrado elevações consecutivas ao longo de 2025, evidenciando a deterioração das condições financeiras e elevando o risco no mercado de crédito. Segundo dados do Serasa, o número de consumidores inadimplentes alcançou 77,8 milhões em julho, o maior patamar dos últimos nove anos, desde o início da pesquisa.
A métrica do Banco Central confirma essa piora: a inadimplência bancária de pessoas físicas com recursos livres, atrasos acima de 90 dias, chegou a 6,6% em julho deste ano, o nível mais alto desde 2013. Esse cenário se traduz em um obstáculo adicional ao consumo.
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A dificuldade das famílias em honrar compromissos reflete a combinação de inflação que ainda pressiona o orçamento, perda de poder de compra e juros elevados. Tais fatores devem manter a inadimplência em níveis altos por mais tempo, restringindo o consumo das famílias e levando os bancos a adotarem critérios mais rígidos para concessão de crédito. Com isso, o comércio de bens dependentes de financiamento – como eletrodomésticos, veículos e equipamentos de informática – tende a ser particularmente mais afetado.
Há, no entanto, fatores que podem mitigar uma alta ainda mais expressiva no final de 2025 e em 2026. Entre eles, a ampliação das renegociações de dívidas e a possibilidade de migração de empréstimos mais caros para a nova modalidade de consignado do trabalhador. Embora avance mais lentamente do que o esperado, esse processo tende a reduzir pressões sobre as famílias especialmente em 2026.
Além disso, os feirões de renegociação do Serasa, normalmente realizados no último trimestre – como observado nos últimos anos –, devem contribuir para conter o avanço da inadimplência.
Mais do que observar os números agregados de inadimplência, analisar a trajetória das aberturas dos indicadores é importante para avaliar a gravidade do quadro e auxiliar o entendimento dos efeitos para o consumo do país.
O aumento atual ocorre de forma disseminada entre as regiões do país, nas diferentes faixas de renda, e já não se restringe apenas às modalidades emergenciais – tradicionalmente mais caras. Modalidades de crédito consideradas de melhor qualidade, como financiamento de veículos e crédito rural, também registram crescimento da inadimplência – ainda que em menor magnitude que as modalidades mais arriscadas.
De acordo com o Serasa, os 77,8 milhões de consumidores inadimplentes em julho correspondem a 48% da população adulta do país, frente a 41% em 2019.
Regionalmente, Norte (51,8%) e Centro-Oeste (53%) superam a média nacional em termos de população adulta inadimplente. O Centro-Oeste chama ainda mais atenção quando analisada a inadimplência bancária: a taxa de pessoas físicas com atrasos acima de 90 dias saltou de 3,3% em junho/24 para 4,2% em junho/25, puxada pelo forte aumento no crédito rural.
A região concentra 28% do crédito rural nacional (atrás apenas do Sul, com 30%), e a inadimplência dessa modalidade atingiu recorde histórico de 4,4% — sendo ainda mais grave no crédito rural a taxas de mercado, que subiu de 3,8% para 7,7% no período de um ano. No Sul, que também tem forte presença desse segmento, a inadimplência PF alcançou 3,5% (após 2,7% em jun/24).
Além do rural, modalidades emergenciais continuam apresentando deterioração. A inadimplência do crédito não consignado chegou a 7,9% da carteira, o cheque especial a 15% e o cartão rotativo a alarmantes 60%. Esses dados revelam a maior vulnerabilidade das famílias de baixa renda, que destinam parcela significativa da renda a itens essenciais e viram em 2025 a inflação corroer ainda mais seu orçamento.
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Mesmo assim, o aumento da inadimplência também atinge classes de renda mais altas. Entre famílias com rendimento acima de 20 salários mínimos, a taxa subiu 1,2 p.p. em um ano — acima da média nacional —, refletindo a piora em linhas tradicionalmente mais seguras, como crédito rural e veículos. Já entre os mais pobres, a inadimplência alcançou 8,3%, praticamente o dobro da média nacional.
Esse cenário desenha um quadro adverso para o consumo nos próximos meses. A deterioração da qualidade da carteira de crédito eleva o comprometimento de renda, pressiona o provisionamento dos bancos e tende a reduzir a oferta de crédito. Assim, o impacto deve se espalhar tanto para bens essenciais (como alimentos e medicamentos, dependentes das classes de menor renda), quanto para duráveis e serviços (mais sensíveis às classes de maior renda).