Apoio dos EUA a Kiev dá esperanças a Zelensky, mas presidente russo quer conquistar o máximo de ganhos possível durante prazo de 50 dias Internacional, Donald Trump, Estados Unidos, Rússia, Ucrânia, Vladimir Putin CNN Brasil
Novos acontecimentos na terça-feira (15) reforçaram a ideia de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mudou significativamente sua visão sobre a guerra na Ucrânia.
Mas a visão limitada e a falta de especificidade sobre o que exatamente fará pelo país europeu significam que o fator mais crítico que impede o fim do conflito permanecerá inalterado.
Há poucos motivos para acreditar que o presidente russo, Vladimir Putin, mudará seus próprios cálculos sobre uma guerra que ele considera um imperativo histórico e que pode ser existencial para ele politicamente.
Ainda assim, algumas coisas mudaram inegavelmente. Os piores cenários para a Ucrânia desde a posse de Trump não se concretizaram. A avaliação, no entanto, exclui os civis ucranianos mortos nos recentes ataques com drones e mísseis pela Rússia, incluindo contra prédios residenciais.
Mas Trump não se rendeu ao seu antigo amigo Putin. Ele não deixou a Europa na mão, sob a sombra de uma Rússia cada vez mais expansionista, em meio à pior guerra terrestre do continente desde a Segunda Guerra Mundial. Além disso, agora Trump parece mais receptivo à Otan do que há anos.
Apoio dos EUA pode dar esperanças a Ucrânia
A Ucrânia enfrenta a possibilidade de perder território para uma nova ofensiva russa, causando mais horrores aos civis. Mas, diplomaticamente, o país está em uma posição mais favorável com o governo americano do que qualquer um poderia ter ousado esperar quando o presidente Volodymyr Zelensky discutiu com Trump e JD Vance no Salão Oval da Casa Branca.
Isso significa que suas esperanças de sobreviver como um Estado independente e soberano aumentaram.
A hostilidade de Trump em relação a Kiev e suas dúvidas sobre introduzir ajuda americana em uma situação semelhante a da Primeira Guerra Mundial podem ser motivadas principalmente por sua consternação com o fato de Putin ter rejeitado os planos de paz, que eram tendenciosos para o Kremlin.
Mas ele pelo menos agora se livrou de algumas ideias equivocadas de que, apenas pela força da personalidade, pode submeter Putin à sua vontade.
Ao prometer mísseis Patriot para Kiev — que Trump disse na terça-feira (15) que “já estão sendo enviados” — e ao se mostrar aberto a uma nova pressão por sanções à Rússia no Congresso, ele deu mais força à pacificação americana.
Tentar coagir Putin a se sentar à mesa também pode não funcionar. Mas pelo menos Trump não está entregando a Ucrânia para o “inimigo”.
Ajuste de expectativas
A mudança de Trump permitirá que todos os lados se preparem para as novas realidades.
No entanto, segundo o jornalista Matthew Chance, da CNN, o prazo de 50 dias para Moscou negociar a paz oferece uma janela de sete semanas para que a Rússia conquiste o máximo de ganhos possível, lançando destruição sobre a Ucrânia.
Ainda assim, Trump ainda precisa decidir o que quer fazer em relação à Ucrânia. Nesse sentido, os países da Otan podem aumentar sua própria utilidade para Trump após uma cúpula bem-sucedida da aliança.

E embora as ressalvas sobre Putin estar disposto a travar uma guerra por tempo indeterminado ainda se apliquem, há uma pequena chance de que mais algumas semanas convençam o presidente russo a considerar uma saída dos EUA para um acordo que provavelmente lhe entregará o território já conquistado na guerra.
Além disso, Putin poderia apresentar essa entrega como uma vitória para o orgulho e a segurança russos, bem como uma repreensão ao Ocidente.
Trump pareceu otimista na terça-feira (15) ao defender o cronograma do ultimato. “Muitas opiniões mudam muito rapidamente — pode não ser em 50 dias, pode ser muito antes de 50 dias”, disse o presidente americano.
Quanto tempo durará a nova perspectiva de Trump?
Seria imprudente presumir que o distanciamento entre Trump e Putin seja permanente. Sua raiva parece nascer principalmente da decepção pelo líder russo não ter lhe proporcionado uma vitória com um acordo de paz que pudesse lhe render um Prêmio Nobel, e não de qualquer preocupação profunda com as implicações de abandonar a Ucrânia.
Como de costume, o presidente dos EUA moderou as críticas veementes anteriores ao líder russo. Depois de criticar duramente as “besteiras” de Putin na semana passada, Trump disse à BBC na segunda-feira (14): “Ainda não terminei com ele”.
O presidente americano é transacional, opera em janelas de tempo curtas e busca constantemente obter pequenas vitórias que possa destacar. Portanto, se ele dissesse que se encontraria com Putin em uma cúpula no mês que vem ou se irritasse com uma nova suposta ofensa de Zelensky, ninguém ficaria surpreso.
“Minha preocupação aqui é que Donald Trump tem a capacidade de ser influenciado muito rapidamente”, disse Sabrina Singh, ex-secretária de imprensa adjunta do Pentágono que agora é comentarista de assuntos globais da CNN.
“Temo que seja apenas uma questão de tempo até que haja outra ligação entre Donald Trump e Vladimir Putin, na qual Putin faça algum tipo de concessão e diga que daremos um cessar-fogo temporário de cinco dias e depois se vire e diga: ‘A Ucrânia violou este cessar-fogo, então vamos continuar com nossa guerra’”, disse Singh à CNN News Central.
Ainda assim, a mudança de posição de Trump é significativa. Ao cumprir sua promessa de enviar rapidamente “armas de ponta” para a Ucrânia, ele está dando um grande passo.
Os sistemas de defesa antimísseis Patriot poderiam salvar muitas vidas, mas Trump está assumindo um risco político ao abandonar a desconfiança de campanha em relação à Ucrânia, compartilhado por muitos apoiadores do movimento MAGA (Make America Great Again).
Trump também demonstrou maior abertura a sanções. O comércio entre os EUA e a Rússia é minúsculo neste momento, então punições bilaterais não significarão muito.
Mas se Trump cumprir a ameaça de impor sanções secundárias a países que compram produtos russos, especialmente exportações de energia, ele poderá sufocar a economia e a máquina de guerra de Moscou.
Ainda assim, ele realmente miraria a Índia e a China — dois dos principais compradores de produtos russos, em uma ação que poderia prejudicar gravemente as relações dos EUA com essas potências gigantes e lançar a economia global em turbulência?
Seu histórico irregular de impor e suspender tarifas como parte da guerra comercial global sugere que não. Moscou pode estar apostando nisso.
Também importa quais armas adicionais Trump pode enviar para a Ucrânia, se houver. Seus apoiadores mais otimistas ficaram encantados na terça-feira (15), quando o jornal Financial Times noticiou pela primeira vez que o presidente havia perguntado a Zelensky, em um telefonema, sobre a capacidade de Kiev de atingir Moscou e São Petersburgo.
Mas Trump amenizou as especulações, embora assessores tenham dito à CNN que ele não descartou o envio de certas categorias de armas ofensivas para a Ucrânia que até agora não se mostrou disposto a fornecer.
“Não, ele não deveria ter Moscou como alvo”, disse Trump a repórteres, referindo-se a Zelensky. “Não estou do lado de ninguém. Sabem de que lado eu estou? Do lado da humanidade.”
Embora provavelmente não admita, o presidente Trump está em uma situação semelhante à de seu antecessor, o presidente Joe Biden. Ele está considerando até onde pode pressionar Putin, evitando medidas inflamatórias que possam cruzar suas linhas vermelhas invisíveis e ampliar a guerra.
Novo apreço de Trump a Otan
A nova tolerância e até mesmo o apreço de Trump pela Otan surgem após temores genuínos de que seu novo mandato possa desencadear o terremoto político de uma retirada dos EUA da aliança.
O mérito vai para a diplomacia discreta do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e do presidente francês, Emmanuel Macron, que trabalharam com Trump e aconselharam Zelensky sobre como abordar os EUA nos últimos meses.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, por sua vez, coreografou uma cúpula da aliança na Holanda no mês passado, que representou um triunfo político para o presidente.
Um acordo que estipulava que os países da Otan gastariam 5% do PIB em defesa até 2035 permitiu a Trump argumentar que havia forçado a Europa a levar a sério sua proteção e a aliviar o fardo sobre os EUA.
Ao lado de Rutte no Salão Oval na segunda-feira (14), Trump elogiou o espírito da Europa em relação à guerra na Ucrânia, acrescentando: “Ter uma Europa forte é algo muito bom — é algo muito bom”.

Agora, a Otan resolveu outro problema político para o presidente. Ela está sendo usada como fachada para ele enviar mísseis Patriot para Kiev. Os países europeus estão enviando os mísseis para Kiev, após os aliados dos EUA na Otan comprarem as de reposição dos EUA.
Rutte descreveu esse “balé diplomático” como mais uma vitória de Trump.
“Sr. Presidente, caro Donald, isso é realmente importante”, disse Rutte, usando elogios característicos que soam como bajulação para muitos, mas que Trump aceita sem questionar.
“O senhor me ligou na quinta-feira (10), dizendo que havia tomado uma decisão, e essa decisão é que o senhor quer que a Ucrânia tenha o que precisa para se manter — para poder se defender da Rússia — mas o senhor quer que os europeus paguem por isso, o que é totalmente lógico”, disse Rutte.
As relações com os países da Otan oferecem pelo menos uma distância simbólica para Trump enquanto ele envia armas à Ucrânia. Isso permite algum nível de negação plausível caso os ativistas do movimento MAGA desaprovem, e também satisfaz a obsessão do presidente americano em fechar um bom negócio financeiro.
Podemos esperar ouvi-lo argumentar que garantiu novas vendas e até empregos para trabalhadores da defesa dos EUA.
No entanto, a promessa de que outras armas ofensivas também poderiam chegar à Ucrânia pela mesma rota não é específica. Não está claro se a Ucrânia obterá armas que lhe permitam avançar no campo de batalha contra a Rússia.
É improvável que qualquer assistência dos EUA se assemelhe aos vastos pacotes de assistência e auxílio militar aprovados pelo Congresso durante o governo Biden.
Novas ações no Congresso
A atmosfera no Capitólio também está mudando. Uma iniciativa para sancionar a Rússia de forma mais severa já contava com forte apoio bipartidário no Senado. Trump demonstrou ser capaz de angariar maiorias na Câmara para suas prioridades.
O senador Lindsey Graham, aliado de Trump, e seu coautor democrata, o senador Richard Blumenthal, disseram na segunda-feira (14) que seu projeto de lei poderia ser um “verdadeiro martelo executivo” para isolar a Rússia.
Mas a medida ainda pode gerar dissidência na base republicana em um momento em que Trump já está irritando alguns apoiadores com o caso Jeffrey Epstein.
O senador do Missouri, Josh Hawley, que se opõe a mais ajuda à Ucrânia, disse na terça-feira (15) que não vê necessidade urgente de um projeto de lei agora que Trump ameaçou impor sanções à Rússia e até punições secundárias à Índia e China.
O senador do Kentucky, Rand Paul, criticou a iniciativa como “um dos projetos de lei mais perigosos já apresentados ao Senado”. Ele previu um corte total do comércio com China, Índia e Turquia caso esses países sejam afetados pelas punições americanas.
Portanto, a política interna da mudança de Trump para a Ucrânia ainda não está totalmente definida. Na verdade, a situação geopolítica também não está.
Trump adotou uma política mais dura em relação a Putin, mas ela não é definitiva nem garantida. A extensão do futuro apoio militar dos EUA à Ucrânia permanece incerta, mesmo que o governo de Kiev esteja em melhor posição com o presidente do que nunca.
E os países europeus da Otan podem respirar aliviados em relação a Trump, mas suas ameaças de guerra comercial causaram uma profunda ruptura transatlântica.

