Governo dos EUA adotou uma abordagem do tipo “confiem em nós”, mas os americanos parecem céticos quando questionados sobre os detalhes Internacional, Barcos, Caribe, Crimes de Guerra, Donald Trump, Estados Unidos, EUA, Tráfico de drogas CNN Brasil
Nos Estados Unidos, a controvérsia em torno de um ataque secundário que matou sobreviventes de um primeiro bombardeio contra um barco que supostamente transportava drogas no Caribe trouxe à tona um debate necessário há tempos sobre essas investidas, que já eram juridicamente questionáveis.
Embora alguns tenham alertado que o segundo ataque contra sobreviventes possa ser um crime de guerra, os primeiros ataques, que mataram mais de 80 pessoas no total, já se assemelhavam muito a assassinatos, dada a ausência de uma guerra declarada.
Mas o presidente Donald Trump não dá muita importância a toda essa análise jurídica. Como sempre, ele simplesmente acha que é uma boa política e um bom negócio político, e é isso que importa.
Ou você está a favor dos supostos traficantes de drogas, ou está contra eles.
Questionado na quarta-feira (3) se puniria alguém caso fosse comprovado que sobreviventes foram mortos, ele se esquivou.
“Acho que vocês vão descobrir que há muita receptividade em fazer exatamente o que eles estão fazendo, que é retirar esses barcos do mapa”, disse Trump aos repórteres.
Essa não é a primeira vez que se sugere que o governo vê isso como uma questão política vantajosa, independentemente de sua legalidade.
“É como meninos em esportes femininos – é uma questão de 80 a 20”, disse uma pessoa próxima à Casa Branca ao site Politico em outubro.
Mas a realidade é muito mais complexa. E, à medida que nos aprofundamos nas questões legais, vale a pena estabelecer se isso é algo que os americanos realmente desejam.
Resumindo: eles podem até gostar da ideia se você a desconsiderar completamente. Mas é evidente que o escrutínio desses ataques que estamos começando a ver – inclusive por parte do Congresso – pode ser prejudicial para o governo.
Talvez a melhor pesquisa de referência seja a da CBS News e YouGov, realizada no mês passado. Ela mostrou que, superficialmente, os americanos parecem tender a ser favoráveis aos ataques.
Embora 53% fossem a favor de os EUA “usarem força militar para atacar barcos que suspeitam estarem tentando trazer drogas para os EUA”, 47% se opuseram a isso.
Portanto, ao que parece, tem uma popularidade moderada.
Mas certamente não é uma questão de 80 a 20. E isso antes mesmo de entrarmos nos detalhes mais complicados – coisas como provar que você está, sabe, matando as pessoas certas.
(De fato, o ex-presidente republicano do Comitê de Inteligência da Câmara, Mike Turner, causou grande alvoroço na quinta-feira ao afirmar que membros do Congresso estão “muito preocupados” com a precisão das informações que estão sendo utilizadas. Novamente, trata-se de um republicano que, até o início deste ano, liderava o Comitê de Inteligência.)
A próxima pergunta na pesquisa da CBS foi consideravelmente menos favorável ao governo Trump.
Questionados se era necessário apresentar publicamente as provas de que esses veículos eram, de fato, embarcações para transporte de drogas, os americanos responderam que sim por uma margem esmagadora, 75% a 25%.
Mesmo metade dos republicanos entrevistados nessa pesquisa afirmou que os EUA precisam compartilhar essas informações.
Mas o governo não só não compartilhou essas provas; também não divulgou os nomes dos mais de 80 suspeitos que matou, nem sequer detalhou publicamente sua justificativa legal.
Quando dois homens sobreviveram a um ataque posterior em outubro, o governo os liberou para voltar para casa em vez de detê-los. Isso os impediu de apresentar contestações judiciais que poderiam ter forçado o governo a divulgar suas informações.
Basicamente, o governo adotou uma abordagem do tipo “confiem em nós”. Mas os americanos parecem céticos quando questionados sobre os detalhes.
Uma pesquisa anterior da Reuters/Ipsos mostrou que 51% dos americanos, contra 29%, disseram que o governo dos EUA não deveria “matar suspeitos de tráfico de drogas no exterior sem processo judicial”.
Novamente, mesmo muitos republicanos – 27% – se opuseram ao que o governo está fazendo.
(A pergunta não mencionava barcos especificamente, mas os ataques contra barcos claramente se encaixavam no tema da pesquisa.)
Há uma questão real aqui sobre o quanto as pessoas realmente se importam com o devido processo legal.
Talvez digam que gostariam de ver as provas ou de ter algum tipo de processo, porque isso soa bem, mas na verdade gostam da ideia de traficantes de drogas serem mortos.
Essa parece ser a estratégia maquiavélica de Trump. É muito parecido com Trump desrespeitando a lei com sua operação de deportação em massa.

Mas também vimos, com essas deportações, como a precipitação e o desrespeito de Trump pelos processos legais podem prejudicar seu projeto maior.
Afinal, seus índices de aprovação em relação à imigração caíram significativamente – apesar de seu governo ter praticamente fechado a fronteira de uma forma que não víamos há décadas.
E no que diz respeito aos ataques contra barcos, o diabo está nos detalhes que estamos prestes a descobrir.
O que acontece se descobrirmos que as provas usadas para matar pessoas, como sugeriu Turner, não são tão sólidas quanto o governo afirma?
E o que acontece se descobrirmos que o governo matou sobreviventes deliberadamente, o que poderia muito bem ser um crime de guerra?
Ainda não temos pesquisas sobre isso, mas é razoável supor que isso possa ser um problema para pessoas que, de outra forma, apoiariam os ataques iniciais – assim como parece ter se tornado repentinamente uma grande preocupação para alguns republicanos do Congresso que antes se mantinham em silêncio.
Muita coisa ainda está por acontecer. E os detalhes serão cruciais.
Mas a controvérsia do ataque secundário trouxe à tona uma questão que o governo preferiria que não fosse tão escrutinada. Ele havia evitado essa atenção negativa por três meses, mas não mais.
Agora vamos descobrir o quanto os americanos se importam com o devido processo legal.
Entenda a linha do tempo dos ataques dos EUA ao Caribe e no Pacífico

