Fragmento ósseo encontrado em Amarna, em 2008, foi identificado por arqueólogos como um apito funcional. Estudo publicado em 2025 propõe que o objeto integrava o sistema de vigilância das tumbas reais Tecnologia, Egito Antigo, Som CNN Brasil
Entre os inúmeros artefatos egípcios preservados ao longo dos milênios, poucos são tão simples e ao mesmo tempo tão reveladores quanto o pequeno osso perfurado encontrado em Amarna. Medindo apenas 6,3 centímetros, o objeto passou despercebido por anos até que pesquisadores decidiram testá-lo experimentalmente. O resultado foi surpreendente: tratava-se de um apito funcional.
A descoberta ganhou nova interpretação em 2025, com a publicação do estudo do periódico International Journal of Osteoarchaeology. Os autores sugerem que o artefato pode ter sido utilizado por guardas ou agentes de vigilância, responsáveis por controlar o acesso a áreas restritas das necrópoles.
A descoberta em Amarna e o contexto da Stone Village
De acordo com o estudo, o objeto foi encontrado em 2008 na chamada Stone Village, uma área associada à Vila dos Trabalhadores em Amarna, cidade fundada por Akhenaton. Essa região era ocupada por operários envolvidos na escavação e decoração das tumbas reais. Diferentemente de outros artefatos rituais ou domésticos, o osso não possui inscrições, ornamentos ou indícios de uso religioso.
Análises revelaram que se trata da falange de uma vaca jovem, trabalhada manualmente para a criação de um canal longitudinal. A ausência de decoração e o formato simples indicam uma função prática, não simbólica.
O estudo de 2025 e a reprodução experimental
Para verificar a hipótese funcional, os pesquisadores replicaram o artefato utilizando um osso bovino fresco e reproduzindo a perfuração observada. O teste demonstrou que o objeto emite um som agudo e constante, característico de apitos utilizados para a sinalização. O instrumento não permite variação melódica, afastando a possibilidade de uso musical.
O artigo destaca que este pode ser o primeiro registro de um apito intencionalmente produzido no Egito, ampliando as evidências sobre formas de comunicação sonora em contextos administrativos e de vigilância.
Controle e vigilância
A função mais plausível atribuída ao artefato está associada ao controle de circulação em áreas sensíveis. Amarna possuía estruturas administrativas, postos de guarda e um corpo organizado responsável pela proteção das tumbas reais. Documentos e representações da época mencionam figuras como Mahu, chefe de polícia de Amarna, retratado supervisionando patrulhas.
Os chamados Medjay, originalmente de origem núbia, atuavam como uma força militar e de segurança, incumbidos da proteção de desertos, fronteiras e necrópoles. Em um contexto de vigilância permanente, um apito seria um instrumento adequado para alertas, coordenação e emissão de ordens rápidas.
Limites e hipóteses em aberto
Embora a hipótese de uso por guardas seja consistente com o contexto e a funcionalidade do objeto, os pesquisadores ressaltam que não existem inscrições ou registros textuais que confirmem sua função exata. O artefato permanece único, sem paralelos identificados em outros sítios egípcios.
O estudo, portanto, adota cautela: embora o uso prático seja o mais provável, funções alternativas, como um instrumento pastoril ou ferramenta de treinamento animal, não podem ser completamente descartadas.
O fragmento ósseo de Amarna, aparentemente insignificante, aponta para uma realidade pouco documentada: a existência de instrumentos sonoros voltados à disciplina e à ordem no Egito Antigo. Se a interpretação estiver correta, ele representa a primeira evidência material de um apito usado por agentes de vigilância há mais de três milênios.

