O PL 7063/2017 visa reduzir a insegurança jurídica em matéria de concessões por meio da incorporação às Leis de Concessões e de PPPs (Leis 8.987/1995 e Lei 11.074/2004) de práticas que já vêm sendo adotadas nesses contratos, mas que, por não estarem previstas em lei, ainda podem gerar dúvidas e questionamentos.
Em grande parte, a proposta cumpre essa missão. Mas o projeto pode ir na contramão de seu propósito de fomentar a segurança jurídica ao prever que a Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) se aplica subsidiariamente aos contratos de concessão.
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Caso a proposta seja aprovada, a Lei de Concessões passará a prever que “às licitações e aos contratos regidos por esta Lei será aplicada subsidiariamente, no que couber, a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021”.
Já da Lei das PPPs constará: “As concessões patrocinadas e as administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nas leis que lhe são correlatas”.
Esses dispositivos são red flags, pois possibilitam a incidência sobre os contratos de concessão (e não apenas às licitações que os precedem) de regras feitas para contratos de outra espécie, cuja natureza e lógica divergem das concessões, o que pode gerar diferentes problemas, como já vemos acontecer na prática. Embora preveja a incidência subsidiária, “no que couber”, facilmente podemos imaginar esforços interpretativos que farão com que regras da Lei de Licitações e Contratos “caibam” nas concessões, ainda que forçadamente.
Nessa discussão, contudo, surge a seguinte dúvida: essa é realmente uma possível novidade que gera preocupação ou é mais do mesmo? Cogito ser mais do mesmo, porque o artigo 124 da Lei 8.666/1993 previa que seus dispositivos se aplicam às licitações e aos contratos de concessão quando não conflitarem com a legislação específica sobre o assunto, ao passo que o artigo 186 da Lei 14.133 hoje também estabelece sua aplicação subsidiária às Leis das Concessões e das PPPs.
Considerando a existência desses dois dispositivos, entendo que os potenciais novos artigos previstos no PL das Concessões não inaugurariam uma novidade, pois há muito já existem previsões legais sobre a aplicação da Lei de Licitações e Contratos em licitações e contratos de concessão.
Todavia, isso não significa que prever novamente em lei a aplicação subsidiária de tal norma em matéria de concessões não seja preocupante. Em primeiro lugar, porque novos dispositivos, no corpo das próprias Leis de Concessões e PPPs, além do que já consta da Lei de Licitações e Contratos, dificultariam a viabilidade de entendimentos no sentido de que regras sobre contratos públicos em geral não se aplicam a concessões.
Nesse caso, é possível que ganhe tração a ideia de que, via de regra, a Lei de Licitações e Contratos aplicam-se a concessões, muito embora essa seja a exceção, e não a regra, a meu ver.
Em segundo lugar, ao prever a aplicação subsidiária naquilo que couber, os possíveis novos artigos reforçariam amplo espaço para interpretações casuísticas visando definir quando aplicamos, ou não, a Lei de Licitações e Contratos em contratos de concessão, o que potencialmente geraria mais controvérsias do que pacificação.
Em terceiro lugar, surgiria a dúvida se a Lei de Licitações e Contratos, uma vez aplicada subsidiariamente em parcerias público-privadas, também incidiria em contratos dessa espécie firmados por empresas estatais (PPPs de esgotamento sanitário, por exemplo), muito embora a Lei de Licitações e Contratos não incida nas contratações dessas empresas, em regra. Nesse cenário, haveria o risco de serem aplicadas em concessões normas da Lei de Licitações e Contratos que são incompatíveis com a natureza e a lógica de tais contratos de delegação.
Nesse caso, por vezes, a única forma de afastar interpretações de que determinado dispositivo da Lei de Licitações e Contratos se aplica às concessões seria por meio da edição de outra lei que expressamente afastasse a incidência dessa norma para alguns temas de concessões, a exemplo do artigo 22 da Lei 13.448, promulgado para expressamente prever em lei que não se aplicam a certos contratos de concessão os limites das alterações que incidem sobre aqueles regidos pela Lei 8.666. No entanto, até que sobrevenha solução nesse sentido, muitas controvérsias já se instauraram antes na prática.
Sendo assim, mesmo que hoje já esteja prevista a incidência subsidiária da Lei de Licitações e Contratos às concessões e PPPs, seria melhor que o PL das Concessões não reforçasse essa possibilidade, limitando a aplicação subsidiária da referida lei exclusivamente ao âmbito das licitações (logo, deixando de fora os contratos), ou definisse quais os temas contratuais ensejam a aplicação daquela norma em concessões (quando, por exemplo, prevê que incide nas concessões o artigo da Lei de Licitações que trata da matriz de riscos).
Em qualquer uma dessas alternativas, estaríamos mais perto da segurança jurídica – objetivo geral do PL – do que estaremos caso o projeto seja aprovado como está em relação a essa matéria.