Após humilhação no Congresso, governo mira 2026 e acirra “ricos contra pobres”
Passo mais claro para a eleição do próximo ano foi dado pelo centrão com derrubada antecipada do IOF; governo deve reforçar embate sobre diferenças de projetos políticos, mas sem ruptura com o centrão no curto prazo
A surpreendente decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta, de pautar o projeto de decreto legislativo sustando os decretos de aumento do IOF nessa quarta-feira (25/6), impondo uma derrota humilhante ao Planalto, teve uma série de interpretações entre os operadores da política do governo e do Congresso. Independentemente das diferentes versões e motivações, o que ficou evidenciado foi um acirramento da disputa política entre o centrão e o governo, mirando a disputa de 2026.
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O valor de R$ 12 bilhões estimado de perda de arrecadação com a derrubada do novo decreto de IOF, que vai forçar o governo a buscar outras fontes de receitas ou contingenciar mais gastos, é quase um detalhe em meio à guerra de narrativas políticas.
“Nós contra eles”
Atordoado, o governo ensaiou tentar conter o tsunami que se formava ainda na madrugada e teve como epicentro um tuíte de Motta quase à meia-noite de ontem. Mas, no meio do dia, o Planalto e a Fazenda já haviam jogado a toalha e passaram a encampar o discurso de que o Congresso estaria buscando inviabilizar a agenda social eleita pelas urnas, alimentando a minoritária base governista de argumentos nessa direção.
A tese no governo, que também é mencionada por integrantes do Parlamento, é de que o Congresso quer tirar fôlego do Executivo e enfraquecê-lo até outubro de 2026, quando o país vai às urnas.
O discurso de ricos contra pobres já foi a tônica do líder do governo, José Guimarães, na tribuna da Câmara. Também foi o tom da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio presidente Lula no Twitter. Sob essa lógica, o governo tende a reforçar o “nós contra eles”, o discurso de “ricos contra pobres” e de “defensores de privilégios versus um projeto de emancipação popular”.
Narrativas e irritações do Congresso
Curiosamente, esse processo já vinha ganhando forma nas últimas semanas, mas teve um desgaste mais relevante para o Congresso na semana passada e que foi um dos fatores elencados por parlamentares como motivadores da antecipação do processo de votação do PDL do IOF para essa quarta.
Outro elemento de irritação em parte dos parlamentares, em especial do Centrão, era a tese de governistas de que a rebelião refletia a marcha ainda lenta no pagamento de emendas, a despeito de o processo de liberação desses recursos estar se intensificando.
A tese dos deputados que impuseram a derrota ao governo passou a ser de que não haveria problema em cortar mais emendas por meio do contingenciamento e que o governo precisaria entender o recado de que não há mais espaço para aumento de tributos e que é preciso cortar gastos — ainda que nos últimos dias os congressistas estavam aprovando medidas como a ampliação no número de cadeiras na Câmara.
Para além da questão do ritmo de execução, persiste um forte incômodo no Parlamento com a agenda do ministro do STF, Flavio Dino, sobre as emendas, que terá um capítulo importante nesta próxima sexta-feira. Como o JOTA antecipou ontem, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, além de outras lideranças, devem participar pessoalmente do debate promovido pelo STF.
MP 1303 entra em risco de não ser renovada
Enquanto a votação massacrante estava sendo conduzida por Motta no início da noite, a ministra Gleisi Hoffmann se reunia no Planalto com lideranças do governo no Congresso e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para discutir os próximos passos. A tendência era deixar o ajuste para o próximo relatório bimestral, em 22 de julho, mas esse cenário ainda poderia mudar.
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Entre as opções na mesa estão um relatório extemporâneo de avaliação, antecipando os cortes nas despesas, inclusive nas emendas, ou mesmo um recurso ao STF, alternativas que, se adotadas, poderiam representar um acirramento do embate político.
Do outro lado, os parlamentares já davam ao governo sinalizações de que a própria MP 1303, que veio para compensar parte do recuo do IOF há duas semanas, pode ter vida mais curta que o normal. Os recados são de que ela poderá não ter sua validade renovada após 23 de agosto, algo que é incomum e que pode se tornar um complicador grande para o envio do PLOA de 2026.
Motta se afasta mais do governo
Apesar de levar o governo a uma situação quase vexatória, interlocutores de Hugo Motta dizem que o movimento dessa quarta não foi um gesto de rompimento com o Planalto. Aliados dele destacam que jamais foi sinalizado ao governo que a votação do PDL seria em julho. E que, assim como o governo não o avisou da edição do decreto do IOF, ele não se acha obrigado a avisar o governo sobre o que vai colocar na pauta, sobre a qual tem a prerrogativa de definição.
Cobrado por seus pares por conta das viagens que fez com Lula nos últimos meses, Motta tem tentado se desfazer da imagem de “governista” e se mostrar mais independente.
Também irrita o presidente da Câmara a imagem propagada por alguns setores do governo e do Congresso de que ele é inexperiente e fraco, tese que tem se amplificado para as redes sociais. Com o gesto dessa quarta, Motta buscou mostrar força e deixar claro que “pode pautar o projeto que bem entender e quando quiser”, destacou um interlocutor.
O presidente da Câmara explicita também com seu gesto a irritação geral do Congresso pelas críticas à derrubada dos vetos de Lula, em que a militância petista entrou em campo para dizer que o Congresso atuou para aumentar a conta de luz dos consumidores.
Haddad incomoda muita gente
Motta não só quer reforçar um sinal de independência do governo, mas também evidencia um desgaste na relação dele com Haddad pelo episódio do IOF e por conta do discurso de pobres x ricos que o ministro encampou, junto com o governo. Nas últimas semanas, o parlamentar tem ignorado telefonemas do chefe da Fazenda.
O incômodo com Haddad é espalhado no Congresso e só não é maior do que com o chefe da Casa Civil, Rui Costa. O problema do chefe da economia de Lula é que no próprio governo o incômodo voltou a crescer, tanto que, apesar de o Palácio ter sido avisado por líderes do Congresso pouco antes do tuíte de Motta anunciando a votação do PDL nessa quarta-feira, ninguém levou o assunto a Haddad.
Apesar da irritação com a Fazenda, Motta também não atendeu às ligações de Gleisi Hoffmann antes da votação do mérito do decreto do IOF. Interlocutores notam que o presidente da Câmara tem um histórico de relacionamento muito bom com Gleisi e com o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, mas que dessa vez houve um distanciamento estratégico.
Centrão mais abraçado à candidatura de oposição
De um ponto de vista mais amplo, os mais recentes movimentos de Motta são pensados para mostrar que ele não é um aliado do governo, mas presidente de um poder independente, cujo rumo político está cada vez mais parecendo distante do Planalto – pelo menos enquanto a popularidade de Lula estiver baixa.
A parte mais declaradamente oposicionista do centrão está acelerando as articulações para uma candidatura de direita. O sonho é ungir o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que ainda está no partido do presidente da Câmara. Como é típico desse grupo político, o jogo é trabalhar as opções. Por isso, assim como se derruba o IOF, Motta joga uma boia de salvação para o governo ao votar também a MP do Fundo Social, com a inclusão do leilão do petróleo. É uma piscadela para amenizar a dor da derrota política e permitir uma reaproximação mais à frente, caso o governo recupere terreno junto à população.