Decisões judiciais que anulam cláusulas ou sentenças arbitrais em contratos de locação residencial ainda constituem exceção estatística no panorama jurídico brasileiro. A taxa de impugnação judicial, pela própria parte, de procedimentos arbitrais da Arbitralis, por exemplo, é ínfima: menos de 1% entre mais de 14025 procedimentos (em que ela tenha sido intimada ou envolvida na disputa).
No entanto, a mera existência dessas decisões, ainda que minoritárias, tem potencial de gerar insegurança jurídica e incentivado litígios oportunistas, com potenciais efeitos deletérios sobre o mercado imobiliário e o próprio Poder Judiciário. É fundamental que o Judiciário revise com urgência a forma como trata a arbitragem nesse setor — não apenas como cláusula contratual, mas como ferramenta concreta e eficaz de desjudicialização.
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Neste artigo, apresentamos argumentos para reforçar o uso da arbitragem como mecanismo eficiente e legal na resolução de disputas locatícias residenciais. Trata-se de uma via legítima, prevista em lei, que pode ser implementada sem elevados custos para as partes com uso intensivo de tecnologia — como nas plataformas de ODR — sem prejuízo aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal.
O estudo de caso que embasa nossa análise é o da Arbitralis, câmara arbitral digital que vem operando no Brasil com resultados expressivos nesse segmento e com potencial de expansão para outros mercados, sem colocar em risco o consolidado instituto da arbitragem no país.
A morosidade do Judiciário atua, hoje, como um “preço oculto” sobre a moradia: aluguéis mais caros, garantias mais onerosas e menor acesso a imóveis. Trata-se de uma externalidade que penaliza tanto locadores quanto inquilinos — sobretudo os mais vulneráveis —, e que pode ser mitigada por instrumentos alternativos de solução de disputas como a arbitragem.
A taxa de congestionamento líquido das ações de despejo na Justiça Estadual voltou a subir em 2024, alcançando 71,08%. Isso significa que, para cada 10 ações propostas, 7 permanecem pendentes ao final do ano. O tempo médio para a primeira baixa processual de um despejo ainda gira em torno de 737 dias — um atraso que impacta a confiança no sistema de justiça e onera as relações contratuais.
Segundo o relatório Justiça em Números (2024), a despesa da Justiça Estadual alcançou R$ 83,5 bilhões em 2023, com custo médio de R$ 3.293 por processo baixado (segundo contagem conservadora). A judicialização excessiva gera externalidades negativas: varas cíveis sobrecarregadas, processos complexos protelados e menor efetividade da tutela estatal.
A Arbitralis é uma plataforma digital de resolução de conflitos via arbitragem (ODR), especializada em disputas locatícias. Concluiu 14.025 procedimentos de despejo com reembolso de fiança locatícia procedimentos com trânsito em julgado em média de apenas 33 dias corridos — em contraste com os dois anos da média judicial. Essa celeridade tem implicações diretas sobre os custos para locadores e locatários.
A principal crítica à arbitragem em relações de consumo — o custo — não se verifica no modelo da Arbitralis (dado seu uso intensivo de tecnologia que barateia o acesso). Além disso, os contratos do QuintoAndar, principal plataforma de intermediação imobiliária em que atua como ODR, permitem que o autor da demanda (normalmente o inquilino) escolha entre diferentes câmaras, afastando qualquer alegação de viés estrutural. Ainda assim, decisões judiciais pontuais têm anulado cláusulas arbitrais sob o argumento de vulnerabilidade do consumidor.
Essas decisões judiciais, embora isoladas, têm o potencial de gerar precedentes disfuncionais e minar a segurança jurídica. Ignoram o art. 20 da LINDB, que impõe a avaliação das consequências práticas das decisões judiciais. A abordagem consequencialista da Análise Econômica do Direito exige que se ponderem os efeitos sobre o mercado, os preços, o acesso à moradia e o próprio sistema de justiça.
A arbitragem reduz significativamente três tipos de custos: os custos diretos (honorários e taxas), os custos de erro (decisões equivocadas) e os custos de transação (tempo e recursos gastos). Os dados demonstram isso com clareza:
- Para o locador, a economia média por imóvel inadimplente passa de R$ 25 mil no Judiciário para R$ 10 mil via arbitragem, considerando perda de aluguel, diligências, custos processuais e oportunidade. Aplicado a uma carteira de 100 imóveis, a diferença supera R$ 1,5 milhão.
- Para o locatário, a arbitragem evita a prorrogação indevida do seguro-fiança — um produto que pode representar até 15% do valor do aluguel. Quando o processo judicial se arrasta, o inquilino continua pagando por um serviço que já não lhe serve.
- Para o Estado, os 14.025 procedimentos arbitrais administrados na Arbitralis já evitaram um custo estimado entre cerca de R$ 45 milhões (métrica CNJ, mais conservadora) e R$ 115 milhões (métrica IPEA/CIJMG, menos conservadora) ao sistema judicial, isso sem falar do tempo economizado de magistrados.
A jurisprudência que reconhece todos os locatários como consumidores hipossuficientes falha ao ignorar a diversidade do mercado imobiliário. Muitos inquilinos são financeiramente mais favorecidos que os pequenos locadores — inclusive idosos, pensionistas e famílias que dependem da renda do aluguel para subsistência. A judicialização indiscriminada pode, paradoxalmente, inverter a lógica redistributiva.
Além disso, decisões protetivas que afastam cláusulas compromissórias geram efeitos colaterais: elevação dos custos de compliance, aumento dos prêmios de seguro, retração na oferta de imóveis e, sobretudo, desestímulo à adoção de mecanismos mais eficientes de solução de controvérsias.
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Embora os dados indiquem baixíssima taxa de impugnação das sentenças arbitrais locatícias, a mera possibilidade de anulação já compromete a previsibilidade necessária aos contratos. Esse risco judicial leva empresas a internalizarem potenciais custos, encarecendo os serviços e retraindo investimentos.
O enforcement da cláusula arbitral não é apenas um tema técnico-processual, mas componente essencial da estabilidade institucional. A arbitragem é particularmente adequada para relações continuadas, como locações, nas quais a celeridade e a previsibilidade são tão ou mais relevantes que o custo em si.
A manutenção da arbitragem em contratos de locação residencial não é apenas juridicamente válida: é eficiente, proporcional e socialmente desejável. À luz do art. 20 da LINDB, qualquer afastamento dessa alternativa deveria ser tecnicamente demonstrado em termos de benefícios líquidos à coletividade — o que, até o momento, não ocorre.
Os dados pro arbitragem são claros: a) celeridade: 33 dias na Arbitralis vs. 737 dias na Justiça Estadual; b) eficiência sistêmica: economia de pelo menos R$ 45 milhões para o Judiciário; c) previsibilidade: menos de 1% dos 14025 de procedimentos finalizados são litigados diretamente pelo locatário contra Arbitralis; d) justiça distributiva: menor custo para locadores e inquilinos, especialmente os vulneráveis.
Naturalmente, se o fundamento legal para anulação estiver presente (na Lei de Arbitragem), o controle ex post do Judiciário deve funcionar. No entanto, genericamente falando, é hora de reforçar, e não deslegitimar, a arbitragem como solução para litígios locatícios. O Judiciário brasileiro precisa reconhecer que, em um país com mais de 80 milhões de processos ativos, desjudicializar com responsabilidade é também proteger os mais fracos, promover o acesso à moradia e resgatar a confiança no sistema de justiça.