O presente artigo não tem por objetivo analisar os bastidores políticos que levaram a uma das maiores trapalhadas legislativas dos últimos anos. Busca-se aqui, antes, fixar os fundamentos jurídicos do porquê a norma recentemente editada – e revista de forma tão açodada quanto sua própria criação – cria um desnecessário risco de judicialização do tema.
A recente majoração do IOF sobre operações cambiais, seguida de um recuo quase imediato, acendeu o alerta não apenas entre operadores do mercado, mas também entre tributaristas e analistas financeiros.
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O Decreto 12.466, de 22 de maio de 2025, elevou a alíquota do IOF de 1,1% para 3,5% em diversas remessas ao exterior, inclusive entre contas do mesmo titular. Horas depois, ainda no mesmo dia, foi publicado em edição extra do Diário Oficial o Decreto 12.467, de 22 de maio de 2025, que voltou atrás parcialmente.
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), como se sabe, ocupa posição singular no sistema tributário brasileiro. Previsto na Constituição desde 1988, ele foi concebido não como fonte ordinária de arrecadação, mas como ferramenta de intervenção no mercado financeiro. Sua função histórica sempre foi extrafiscal: controlar liquidez, influenciar o câmbio, conter fuga de capitais ou ajustar o custo do crédito. Daí o motivo pelo qual a Constituição autorizou a majoração imediata de suas alíquotas por decreto, dispensando a anterioridade tributária exigida em outros casos.
Tanto é assim, que durante anos, quem regulou o IOF foi o Banco Central, haja vista seu reflexo direto na formulação de política monetária. A transição para a Receita Federal foi gradual, e consolidada pelo Decreto 4.494/2002, depois substituído pelo Decreto 6.306/2007. O que nunca se alterou, no entanto, foi a natureza regulatória extrafiscal do tributo. E é justamente essa natureza que torna problemático o uso do IOF como expediente meramente arrecadatório, como se acaba de ver.
Quando o governo admite, sem rodeios ou de forma mal disfarçada, que a elevação da alíquota visa aumentar arrecadação, e não regular o mercado, ocorre evidente desvio de finalidade. Ou seja, uma norma formalmente válida é editada com base em motivos que não guardam relação com o fim constitucional que legitima a sua existência. Em termos práticos: usa-se um instrumento de política econômica como um tributo comum, o que dá causa mais que suficiente para o questionamento judicial da validade da norma.
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Normas tributárias, como qualquer ato da Administração Pública, estão sujeitas aos princípios da legalidade, da motivação e da finalidade. Quando um decreto é editado com base em motivações alheias àquelas previstas na Constituição Federal, surge inevitavelmente a possibilidade de controle judicial do ato. E esse controle não se limita à forma externa e à aparência de legalidade, mas alcança também seus fundamentos.
Dito de outra forma, a legalidade da medida no presente caso não se restringe a uma análise fria da competência formal do Poder Executivo de editar decretos regulamentando o IOF, mas alcança também os motivos que levaram à sua edição.