Quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso esperava conseguir alguma pacificação de um país fissurado por eleições polarizadas. Dois anos depois, Barroso admite que esse cenário não se concretizou. Ao contrário. O STF entrou em espiral de tensão sem precedentes na história do país – a Corte continuou a sofrer pressões internas, mas além disso, passou a ter sua legitimidade questionada por um presidente estrangeiro, que impôs sanções a ministros por sua atuação.
“Eu gostaria de ter feito um resgate maior da civilidade”, disse o ministro em conversa a jornalistas na sala da presidência do Supremo na manhã da sua última sexta-feira (26/9) no comando da Corte. Em sua avaliação, o país tende a se pacificar com o término do julgamento sobre a tentativa de golpe no Brasil que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, militares e aliados. Para ele, o julgamento era “imprescindível” e teve efeito “dissuasório” em futuras intentonas golpistas.
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O ministro também falou sobre os impactos da aplicação da Lei Magnitsky. “Eu espero desescalar isso em curto tempo, e que não seja necessário o pronunciamento do Supremo nesta matéria. Eu tenho muita esperança, de que a gente consiga desescalar isso muito breve”.
Em sua avaliação, o STF deve esperar o término do julgamento sobre a tentativa de golpe para tomar qualquer tipo de medida em relação às sanções dos Estados Unidos. “Acho que ainda tem mais um pouquinho de água para passar embaixo dessa ponte”. Para ele, o ideal seria resolver politicamente. O ministro evitou dar opinião sobre a decisão do ministro Flávio Dino, que, sem citar a Magnitsky, delimitou que atos estrangeiros não valem em território nacional, o que gerou alvoroço no mercado financeiro.
Barroso também contou que se encontrou rapidamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e que o presidente “pareceu otimista, mas cauteloso” em relação ao diálogo com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Para ele, pode ter se aberto uma janela de negociação entre os países.
Barroso disse que o Supremo vem agindo para tentar desconstruir a narrativa de que no Brasil existe uma “ditadura judicial” e contou que sugeriu ao governo Lula a contratação de um escritório de lobby para ajudar no processo contra o tarifaço nos Estados Unidos. Em sua visão, Washington funciona com a atuação de lobistas e a reversão da medida seria mais assertiva com a contratação deste serviço. Porém, no Brasil, ainda há resistência. Por fim, grupos empresariais fizeram a contratação desse serviço e o governo brasileiro contratou um escritório de advocacia para atuação judicial.
Sobre a discussão que está no STF sobre mudanças no processo de impeachment de ministros da Corte, Barroso disse que a ação foi ajuizada em “ótima hora” pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e pelo Solidariedade, partido de Paulinho da Força, relator da proposta que prevê mudanças na dosimetria de crimes contra a democracia. Contudo, Barroso negou que a ação tenha relação direta com a PEC da Blindagem, que aumentava a proteção a parlamentares em caso de processos criminais. Em sua visão, a discussão surge mais pelo aumento de pedidos de impeachment contra ministros.
Em relação a críticas sobre sua proximidade com o mundo empresarial, Barroso disse que “gosta de circular pela vida” e que existe certo “preconceito contra a iniciativa privada”. Para ele, é preciso um ponto de equilíbrio e que é preciso dialogar com todos os setores sociais. Em sua avaliação, o STF decide contra e a favor de demandas empresariais e citou que, o STF autorizou a terceirização da atividade fim, que interessava ao setor produtivo e, ao mesmo tempo, como derrota desse grupo, efetivou a cobrança de tributos sobre o lucro (CSLL).
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Ainda, pediu desculpas sobre a frase que virou munição a bolsonaristas para atacar o STF. Segundo Barroso, quando ele disse “nós derrotamos o Bolsonarismo”, o “nós” se referia a sociedade brasileira que não elegeu Bolsonaro nas urnas, mas ficou parecendo que era o STF.
Confira, a seguir, os principais pontos da conversa levantados pelo JOTA
- Relação Brasil-Estados Unidos
Barroso disse que espera desescalar a tensão do Brasil e Estados Unidos. Falou que em conversa com o presidente Lula o sentiu mais otimista, mas ainda cauteloso. Em sua avaliação, o STF deve esperar o término do julgamento sobre a tentativa de golpe para tomar qualquer tipo de medida em relação às sanções dos Estados Unidos. “Acho que ainda tem mais um pouquinho de água para passar embaixo dessa ponte”. Para ele, o ideal seria resolver politicamente.
O ministro evitou dar opinião sobre a decisão do ministro Flávio Dino, que, sem citar a Magnitsky, delimitou que atos estrangeiros não valem em território nacional, o que gerou alvoroço no mercado financeiro.
- Impeachment de ministros do STF
Barroso disse que um eventual processo de impeachment contra ministros do STF seria passível de análise pelo próprio Supremo, em relação à constitucionalidade da tipificação dos crimes de responsabilidade apontados.
“O crime de responsabilidade tem uma tipificação constitucional e legal e, portanto, qualquer processo de impeachment, como tudo no Estado democrático de direito, é passível de controle à luz da Constituição. E quem faz o controle é o STF”.
O presidente da Corte disse que tem preocupação com uma “lógica eleitoral” que envolva “tirar ministros” do Supremo, ao ser questionado sobre se teria alguma apreensão com a possibilidade a partir da próxima legislatura do Senado, em 2027.
“Não tenho temor de liberais, progressistas e nem de conservadores. Tenho problema com extremismo. Com intolerância, com querer tirar do jogo quem você não gosta”, declarou.
Conforme o magistrado, não se deve banalizar o impeachment, por causa das suas consequências, como a quebra da institucionalidade. Não é “item de prateleira” para remover adversários, comparou, “a menos que haja crime de tal gravidade que não possa tolerar”. Barroso ilustrou essa posição dizendo ter sido contra o impeachment do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante seu governo.
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Barroso disse que “veio em ótima hora” a discussão sobre o rito de impeachment de autoridades por crime de responsabilidade. O partido Solidariedade e a Associação de Magistrados do Brasil (AMB) apresentaram ações neste mês sobre a questão.
“Quanto mais rápido decidir isso, melhor”, avaliou Barroso. Segundo ele, a lei do impeachment (1.079/1950) já estava defasada na época do impedimento do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.
- Relação do STF com empresários
Conforme Barroso, existe no país um “preconceito contra a iniciativa privada”, ainda não superado e originado durante a formação do Brasil.
“Quando você teve o processo de industrialização no Brasil, você tinha de fato favorecimentos, tinha financiamentos aos amigos, Mas isso progressivamente foi mudando”, afirmou. “Eu acho que hoje a iniciativa privada brasileira tem empreendedores relevantes, pessoas que investem, pessoas que correm risco, pessoas que geram riqueza, pessoas que criam empregos”.
O presidente disse que o papel do Supremo é buscar um ponto de equilíbrio entre os diferentes interesses em disputa. A mera existência dos interesses, segundo Barroso, não deve fazer com que se evitem os contatos com representantes de diferentes setores.
“Se eu for ter receio de interagir com as pessoas que têm interesse no Supremo, eu teria que ficar totalmente trancado no meu gabinete”, afirmou. “Eu sou uma pessoa que gosta de circular pela vida. E, portanto, eu visito aldeia indígena no Surucucu e eu converso com empresários e participo de eventos de empresários”.
O ministro disse conversar com a iniciativa privada “com muita naturalidade” e sem “nenhum risco” de cooptação. Ele deu exemplos de grupos mais poderosos do ponto de vista econômico que tiveram interesses contrariados na Corte. Um dos casos citados foi a definição de que é inconstitucional o marco temporal para demarcação de terras indígenas, tese que o agronegócio defende.
“A gente contraria empresários quando tem que contrariar e decide a favor quando tem que decidir”, declarou.
- Emendas
Em relação às ações sobre emendas parlamentares, Barroso disse que o relator dos casos, ministro Flávio Dino, está implementando os termos do acordo entre os Poderes para a transparência dos repasses.
Na última semana, Dino sinalizou com o envio para análise do plenário das ações que questionam as emendas Pix e a impositividade dos repasses.
Segundo Barroso, a negociação entre os Poderes, iniciada em meados de 2024, foi feita quando o tema chegou a uma tensão “um pouco mais intensa do que o desejável”.
“Convidei todo mundo para sentar aqui e conversar para ver se a gente conseguia construir um consenso”, afirmou. “E ficou acertado que tudo tem que ter rastreabilidade, tem que saber quem é o autor, para onde foi e tem que prestar contas ao Tribunal de Contas da União. O Legislativo já tem uma fatia grande, ficou convencionado que não aumentaria proporcionalmente ao valor das despesas discricionárias” .
- Judiciário e reforma administrativa
Barroso disse que conversou com o deputado Pedro Paulo (PSD- RJ), relator da reforma administrativa, sobre as regras para o Judiciário. Um dos temas tratou da aposentadoria compulsória como punição a magistrados que cometam irregularidades.
Segundo o ministro, o que está se cogitando é fazer com que o magistrado que vier a ser punido tenha que continuar contribuindo ao INSS após deixar a carreira e que só se aposente quando tiver o tempo necessário para a aposentadoria.
Conforme Barroso, o atual formato de aposentadoria compulsória ou a proposta em estudo não são “propriamente” erradas, mas sim escolhas políticas.
Para o presidente do STF, a aposentadoria compulsória, ainda que possa ser indesejável, não é ilegítima. “Significa que o juiz é afastado do cargo e vai receber proventos, que é a remuneração, proporcional ao tempo de contribuição”, afirmou. “Ele [juiz] recebe proventos proporcionais ao que ele contribuiu. Se você toma esse dinheiro dele, você está fazendo um conflito, você está fazendo uma apropriação indevida desse dinheiro”.
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Barroso fez uma defesa do trabalho dos juízes brasileiros, e disse que os casos de irregularidades, com as investigações sobre vendas de sentenças, não são a “tônica” do Judiciário.
“Eu lamento os episódios de corrupção, acho que a gente tem que enfrentá-los, mas está longe de ser a tônica do judiciário. Ao contrário, a tônica do judiciário é extremamente trabalhador e correto”, declarou.
De acordo com Barroso, casos como o revelado pela investigação que mira esquema de venda de sentenças em gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não são impossíveis de acontecer sem sequer haver a participação do magistrado.
“Não é impossível acontecer com qualquer um de nós que alguém, sabendo previamente como eu vou decidir, e há matérias que não é difícil adivinhar como eu vou decidir, o sujeito vai lá e vende [a sentença] sem que você tenha qualquer tipo de participação”, afirmou.

