Embora não tenha se posicionado oficialmente sobre a Proposta de Emenda da Constituição 65/2023, o Banco Central tem inclinação favorável ao projeto que versa sobre a autonomia da instituição. O atual presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, é um entusiasta da proposta. O BC, no entanto, “não produziu e nem detém nenhum estudo e/ou documento oficial que verse especificamente” sobre os impactos da alteração da sua natureza jurídica.
O esclarecimento foi dado em resposta a pedido feito em 8 de julho, via Lei de Acesso à Informação (LAI), pelo Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). Na resposta ao sindicato, obtida pelo JOTA, enviada no dia 7 de agosto, o BC declarou “impossibilidade de atendimento da demanda” pela inexistência de estudos e que não pode se manifestar sobre “consultas em tese”, já que o tipo de questionamento não se enquadraria no conceito jurídico de informação previsto na Lei 12.527/2011, a LAI. O JOTA pediu uma manifestação do banco sobre o assunto e perguntou se há alguma perspectiva de elaboração de algum material nesse sentido, mas não obteve resposta.
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A PEC 65/23, de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), transforma o Banco Central em entidade de natureza especial, organizada sob a forma de empresa pública de direito privado, dotada de autonomia técnica, administrativa, orçamentária e financeira. A entidade é, hoje, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda. A proposta contou, desde seu início, com o patrocínio do ex-presidente do BC Roberto Campos Neto, à frente da autarquia até o início deste ano.
Agora, Galípolo tem tentado avançar a pauta em tratativas com o relator Plínio Valério (PSDB-AM). O atual presidente do Banco Central e o senador se reuniram na última quinta-feira (21/8) para alinhar pontos do texto e destravar a proposta, que enfrenta resistência do governo. Na quarta-feira (20/8), a proposta foi incluída na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas a votação foi adiada. Havia expectativa de que a apreciação ficasse para a quarta-feira seguinte (27/8), mas o texto não entrou oficialmente na pauta do colegiado.
Servidores divididos e estabilidade em xeque
A proposta tem apoio de uma ala dos servidores do BC. Entre os defensores do texto, a Associação Nacional dos Auditores do Banco Central do Brasil (ANBCB) considera a emenda um “avanço necessário à modernização institucional”. Para o grupo, a PEC assegura direitos dos funcionários, garantindo a melhoria e a ampliação dos quadros, além de blindar o Pix. Na última semana, 30 servidores da equipe responsável pela gerência de gestão e operação do sistema de pagamento enviaram uma carta aberta a Galípolo em defesa da proposta. Segundo eles, a PEC é essencial para garantir os recursos humanos e tecnológicos necessários para a manutenção da operação da ferramenta e garantir seu aprimoramento.
Por outro lado, a proposta enfrenta grande oposição de entidades sindicais, como o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), o Sindicato Nacional dos Técnicos do Banco Central do Brasil (SinTBacen) e o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Sindsep). A Sinal diz que a transformação do banco em uma instituição de direito privado “significa a abertura de uma porta perigosa por onde pressões externas podem se infiltrar nas engrenagens da soberania econômica nacional”.
As entidades também reclamam da carência de análises técnicas conduzidas pela autarquia sobre os eventuais impactos da emenda. “A falta de estudos é uma contradição gritante, pois o BCB é a mesma instituição que exige que qualquer nova instituição financeira apresente um rigoroso plano de negócios com estudos de viabilidade econômica e de riscos para ser autorizada a funcionar”, afirma o Sindesp.
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Os servidores contrários à emenda são ainda temerários quanto aos impactos que a alteração da natureza jurídica da proposta pode causar à estabilidade da carreira. Os servidores do BC são estatutários, vinculados ao Regime Jurídico Único (RJU), que estabelece um conjunto unificado de normas que rege a relação entre os servidores e a administração pública, seja na administração direta, em autarquias ou fundações. A PEC propõe que o vínculo passe a ser pela CLT, com possibilidade de demissão por decisão administrativa ou em contextos de reestruturação. Para as entidades opostas à alteração constitucional, a mudança no regime de contratação abre margens para um risco de captura e para a terceirização de atividades-fim.
A advogada Natasha Giffoni Ferreira, sócia do escritório Volk & Giffoni Ferreira Advogados, considera que a alteração do regime de contratação deve abrir espaço para ações judiciais de servidores e sindicatos, com possíveis questionamentos de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo depende, no entanto, de como se dará a regulamentação via Projeto de Lei Complementar (PLP).
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“A volatilidade do interesse privado é inconteste. Se o BC passar a sofrer influência do setor privado, não haverá que se falar em previsibilidade de suas decisões. Essa é a grande preocupação dessa mudança: entender como a Emenda e as Leis Complementares farão essa blindagem, já que o papel principal do Banco Central continuará a ser o mesmo, de estabilidade do mercado, com controle da inflação e preservação da moeda”, afirma Ferreira.
Camila Pellegrino, sócia do escritório Pellegrino & Galleti Advocacia, especialista em Direito Político e Econômico, considera a estabilidade “um mecanismo de blindagem institucional” sem o qual há riscos de captura política ou econômica e aparelhamento. “Órgãos como Banco Central, Receita Federal, Ministério Público, Tribunais de Contas e Agências Reguladoras dependem, para sua credibilidade, de servidores que possam exercer suas funções de maneira técnica, imparcial e livre de pressões externas”, declara.
Na versão atual da proposta, o senador Plínio Valério incluiu regras para garantir, segundo o relatório, o “princípio máximo de não prejuízo e de proteção aos atuais servidores que não podem sofrer perda de direitos adquiridos na sua atual situação funcional”. Ele incluiu a previsão de que os integrantes do quadro próprio e permanente de pessoal do BC somente poderão ser demitidos em razão de sentença judicial transitada em julgado ou em caso de cometimento de falta grave, apurada em processo disciplinar.
O relatório também prevê compensação financeira com base nas contribuições já recolhidas ao regime próprio de previdência (RPPS), o direito à aposentadoria com base nos critérios de transição aplicáveis no regime atual e responsabilidade do BC pelo pagamento de proventos e pensões de aposentados e pensionistas.
Principais mudanças previstas na PEC 65/2023
Natureza jurídica: o Banco Central deixa de ser autarquia e passa a ser pessoa jurídica de direito privado.
Autonomia financeira: o BC poderá elaborar, aprovar e executar seu próprio orçamento, submetendo-o apenas ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e, posteriormente, ao Senado.
Regime de pessoal: os servidores da instituição deixam de ser regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU) e passam a ser contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Poderes mantidos: mesmo como pessoa jurídica de direito privado, o BC continua exercendo funções típicas de Estado, como poder de polícia, regulação, supervisão e resolução do sistema financeiro.
Fonte de custeio: o custeio da instituição poderá se basear em receitas próprias, incluindo recursos provenientes da emissão de moeda.