As medidas emergenciais para apoiar os exportadores brasileiros afetados pelas tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos em julho são vistas como limitadas por especialistas. Para tributaristas consultados pelo JOTA, o governo federal não deve conseguir, com o Plano Brasil Soberano, compensar os impactos sofridos, com risco de concentração dos benefícios em grandes empresas.
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O detalhamento da regulamentação foi feito em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) na sexta-feira (22/8), por meio das portarias 17/2025 e 1862/2025. Na área tributária, está prevista a prioridade na análise de pedidos de restituição e ressarcimento de créditos tributários junto à Receita Federal. Além disso, os tributos federais e as prestações de parcelamentos e transações de débitos inscritos em dívida ativa, cujos vencimentos seriam em agosto de 2025, foram prorrogados para o último dia útil de outubro, e os que vencem em setembro podem ser recolhidos até o último dia útil de novembro. A prorrogação não se estende a optantes do Simples Nacional. Para estes, deve ser publicada nos próximos dias, segundo o governo, portaria específica.
Serão priorizadas as empresas exportadoras com 5% ou mais do faturamento anual em vendas para os EUA dos produtos afetados. Dentro desse grupo, terão condições de crédito mais favoráveis aquelas com 20% ou mais do faturamento atrelado às exportações impactadas e empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões.
Impactos permanecem
Para o advogado João Paulo Resende, especialista em direito tributário aduaneiro e sócio do Mazzuco & Mello Advogados, os efeitos do tarifaço ainda serão sentidos apesar das medidas do Executivo. “O governo federal enfrenta muitas limitações de atuação, pois não consegue absorver os impactos sofridos pelos exportadores em sua integralidade. Buscou priorizar as empresas de menor porte, condicionou benefícios à manutenção dos empregos, e tudo isso sem prejudicar sua já comprometida meta fiscal arrecadatória. Sendo assim, é possível afirmar que os impactos do aumento das tarifas não serão neutralizados.”
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Em relação à restituição, aponta que não há prazo para que ela seja efetivada. “As novas portarias dispõem sobre a priorização de processamento dos pedidos realizados pelas empresas impactadas sem, contudo, atribuir prazo específico”. Para ele, há o risco de que o instrumento seja utilizado “conforme necessidade de caixa pela União.”
Segundo o tributarista Bruno Felipe Ferreira, do escritório Finocchio & Ustra Advogados, a priorização na restituição de créditos deve funcionar como uma espécie de “fila rápida” dentro da Receita Federal. “O contribuinte que atender aos critérios terá seu pedido automaticamente identificado como prioritário, com batimento eletrônico junto ao SPED e documentos de exportação. A análise tende a ser mais célere, com possibilidade de liberação imediata da parte incontroversa do crédito e compensação antecipada de tributos vincendos”, afirma. Contudo, para que isso funcione, “é necessário que haja transparência nos critérios, painéis de acompanhamento público e equipes dedicadas a esse fluxo preferencial”, opinou.
Ferreira entende, ainda, que o “teto de R$ 300 milhões é elevado para a realidade da maioria das empresas exportadoras e acaba incluindo grandes grupos que não enfrentam os mesmos problemas de liquidez das pequenas e médias”. Ainda, o estabelecimento de 5% a 20% do faturamento em vendas para os EUA é baixo “para medir a real dependência do mercado externo, pois empresas com esse percentual reduzido não têm a mesma vulnerabilidade de quem depende fortemente das vendas externas”. Assim, conclui que “embora o governo tenha buscado um ponto de equilíbrio, na prática os critérios não priorizam com precisão as empresas que mais necessitam do apoio, o que limita a efetividade da medida”.
Compra flexibilizada
Além disso, a Portaria Interministerial 12, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), regulamentou a compra emergencial de alimentos que deixaram de ser exportados. O texto estabelece que tanto exportadores diretos quanto produtores que fornecem a exportadoras poderão vender seus produtos ao governo. Entre os itens incluídos na lista inicial estão açaí, água de coco, castanhas, manga, mel, pescados e uva, que poderão ser adquiridos sem licitação para abastecer escolas públicas e programas de segurança alimentar.
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Sobre isso, a advogada Alessandra Okuma, sócia do CMO Advogados, chama atenção para outra lacuna: a exclusão do café e da carne bovina da lista de produtos com compra flexibilizada pela União, estados e municípios. “A ausência de café e carne chama a atenção, pois ambos sofreram tarifa de 50% e são fortemente exportados para os EUA”, aponta
Para Okuma, incluir esses dois produtos na lista poderia trazer duplo benefício: amparar setores duramente atingidos pelas tarifas e reforçar o abastecimento alimentar das escolas públicas, desde que garantidas condições adequadas de armazenamento.