Em estudo de decisões recentes proferidas no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), foi possível verificar que o tribunal não tem reconhecido aos Produtores Independentes de Energia (PIE) alguns benefícios fiscais originários da Zona Franca de Manaus, sobretudo a não incidência do PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes dos contratos de produção e comercialização de energia celebrados entre os PIEs e a Amazonas Energia.
Destaca-se que a causa de pedir utilizadas pelos PIEs para o usufruto do benefício consiste na extensão à Amazônia Ocidental dos incentivos previstos no artigo 1º do Decreto-Lei 356/68, aplicáveis aos bens e mercadorias recebidos, oriundos, beneficiados ou fabricados na Zona Franca de Manaus, tendo o TRF1 considerando que os PIEs realizam atividades fora da Zona Franca de Manaus, para destinatários situados na Amazônia Ocidental.
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Todavia, tal fundamento já fora rechaçado pelo TRF1, o qual consigna que seguindo a diretriz jurisprudencial do STF, a Corte tem decidido que “os incentivos previstos no artigo 1º do Decreto-Lei nº 356/68, que estendeu à Amazônia Ocidental os mesmos benefícios fiscais aos bens e mercadorias recebidos, oriundos, beneficiados ou fabricados na Zona Franca de Manaus, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que manteve as características de área livre de comércio, de exportação e importação, apenas em relação à Zona Franca de Manaus, consoante disposto no artigo 40 da ADCT[1].”
Com a devida vênia, em que pese a causa de pedir seja equivocada, compreende-se que os PIEs fazem jus aos benefícios fiscais previstos no artigo 3º do Decreto-Lei 288/67, porquanto as receitas decorrentes dos contratos de produção e comercialização de energia referem-se a energia que é gerada e vendida para a Amazonas Energia, que é uma empresa sediada na Zona Franca de Manaus. Explica-se.
Preliminarmente, necessário compreender o que é um PIE e as fases que permeiam o serviço de fornecimento de energia elétrica. Criado pela Lei 9.074/1995, o PIE é uma pessoa jurídica — ou empresas reunidas em consórcio — que recebe concessão ou autorização do poder concedente para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco.
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Nesse contexto, a figura do PIE veio para contrastar com o regime tradicional de intermediação da energia entre os produtores e consumidores, qual seja, o de serviço público. De acordo com Luiz Gustavo Kaercher, fica nítida a intenção do legislador de deixar claro que o segmento de geração de energia é uma atividade econômica segregada dos demais elos da cadeia (transmissão e distribuição) e deveria estar submetida à concorrência[2].
Desta sorte, as localidades que não sejam conectadas com o Sistema Interligado Nacional (SIN) fazem parte do Sistema Isolado, o qual possibilita que pessoas jurídicas de direito privado possam atuar como PIE, que será encarregado de gerar a energia que será adquirida pela concessionária de serviço público, que é a responsável pela distribuição da energia elétrica ao consumidor final.
Assim, em síntese, embora os PIEs estejam localizados em municípios situados na Amazônia Ocidental, a verdade é que eles atuam apenas no campo da geração de energia, a qual é vendida para a concessionária de serviço público, in casu, Amazonas Energia, empresa sediada na Zona Franca de Manaus, que é responsável pela transmissão e distribuição da energia para o Estado do Amazonas.
Ou seja, diferentemente do que vem compreendendo o TRF1, os PIEs não realizam atividades para destinatários situados na Amazônia Ocidental, tendo em vista que o destinatário da energia gerada pelos produtores independentes é a Amazonas Energia, empresa localizada na Zona Franca de Manaus, a qual é a verdadeira responsável pela transmissão e distribuição da energia gerada para destinatários situados, dentre outras localidades, na Amazônia Ocidental.
Nessa quadra, relevante consignar que existe uma relação dos PIEs com a concessionária de serviço público (Amazonas Energia), por meio de um contrato de comercialização de energia elétrica e potência nos sistemas isolados. Assim, sendo a Amazonas Energia uma empresa situada na Zona Franca de Manaus, dever-se-ia aplicar o entendimento consolidado em nossa jurisprudência no sentido de que:
“Não incide a contribuição para o PIS e a COFINS sobre receitas decorrentes de prestação de serviços na Zona Franca de Manaus, porquanto, se a venda de mercadorias para empresas localizadas nesta zona equivale à exportação para o estrangeiro em termos de efeitos fiscais, conforme interpretação do Decreto-Lei n. 288/1967, deve ser aplicado o mesmo raciocínio à contribuição para o PIS e a COFINS incidente sobre as receitas provenientes da prestação de serviços, nos termos da legislação de regência”
(STJ – AgInt no AgInt no AREsp: 2246219 AM 2022/0356949-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 30/10/2023, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/11/2023).
Quanto ao tema, o TRF1 já se manifestou favorável a não incidência da contribuição ao PIS e Cofins relativos à venda de energia elétrica para a Amazonas Energia, no âmbito do processo 1005350-57.2018.4.01.3200, cuja ementa transcreve-se:
TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. OPERAÇÕES COM MERCADORIAS DESTINADAS À ZONA FRANCA DE MANAUS. EQUIPARAÇÃO À EXPORTAÇÃO, PARA OS EFEITOS FISCAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. 1. Orientação jurisprudencial assente nesta Corte Regional no sentido de que as operações com mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus são equiparadas a exportação para os efeitos fiscais, não comportando incidência da contribuição ao PIS e COFINS sobre as receitas advindas da venda de mercadorias de origem nacional, independentemente de sua destinação a pessoas físicas ou jurídicas estabelecidas dentro dos limites geográficos da Zona Franca de Manaus, e a de que o benefício fiscal se estende em relação aos valores resultantes da prestação de serviços na localidade. 2. Sentença que se encontra em plena sintonia com tal entendimento. 3. Remessa oficial não provida.
No mesmo sentido, o Parecer PGFN/CRJ 1.743/2016 autoriza “a dispensa de apresentação de contestação, de interposição de recursos e a desistência dos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante: Nas ações judiciais que discutam, com base no art. 4º do Decreto-Lei n. 288, de 28 de fevereiro de 1967, a incidência do PIS e/ou da COFINS sobre receita decorrente de venda de mercadoria de origem nacional destinadas a pessoas jurídicas sediadas na Zona Franca de Manaus, ainda que a pessoa jurídica vendedora também esteja sediada na mesma localidade”.
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Diante do exposto, incontestável que o destinatário da energia elétrica gerada pelos PIEs é a Amazonas Energia, empresa localizada na Zona Franca de Manaus, de modo que os PIEs devem fazer jus ao benefício fiscal inerente a não incidência do PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes dos contratos de produção e comercialização de energia celebrados com a Amazonas Energia, porquanto não incide PIS e Cofins sobre a receita decorrente de venda de mercadoria de origem nacional destinadas a pessoas jurídicas sediadas na Zona Franca de Manaus.
[1] (RE 1121860 ED-AgR, Relator: Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 14-12-2020; RE 631435 AgR, Relatora: Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 06- 11-2015; RE 524.499-AgR, Relator: Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 22.2.2013; TRF1, AC 1001223- 13.2017.4.01.3200, Re. Desembargadora Federal Ângela Maria Catão Alves, Sétima Turma, DJe de 20/08/2019; TRF1, AC 0010829-24.2013.4.01.3200, Sétima Turma, DJe de 26/02/2016)” (AMS 1017265-35.2020.4.01.3200, DESEMBARGADOR FEDERAL GILDA MARIA CARNEIRO SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 – SÉTIMA TURMA, PJe 12/05/2022).
[2] Manual de Direito da Energia Elétrica. São Paulo: Quarter Latin, 2021, pág. 43.