Passados cerca de oito meses do início da exploração regular das apostas esportivas, as bets detentoras das outorgas concedidas pela Secretaria de Prêmios e Apostas/Ministério da Fazenda se preparam para um próximo estágio, o da consolidação do setor.
Se de um lado ainda têm oportunidade de desenvolver um negócio lucrativo (o que pode mudar se o governo insistir em sobretaxar a atividade), as casas de apostas se esforçam para superar os desafios operacionais, societários, tributários, regulatórios, e de governança corporativa que as margeiam. E mais, ainda precisam “furar a bolha” do vultoso preconceito que se estabeleceu contra a disponibilização das apostas por quota fixa e dos igamings, em larga escala na forma dos aplicativos online, em sua atividade no mercado brasileiro.
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A nosso ver, em muito impulsionado pelas propagandas enganosas de ganhos fáceis, o preconceito generalizado subverte a natureza de entretenimento das apostas esportivas, reduzindo-as à vilãs que estariam contribuindo para o aumento da ludopatia, apesar dos mecanismos de controle de jogo responsável.
O modelo de outorgas adotado pelo governo brasileiro disponibilizou três marcas (domínios bet.br) para cada empresa/CNPJ detentora do direito de exploração da atividade, o que gerou um mercado paralelo, um tanto especulativo, de negociação de marcas/”slots”, o qual se revela bastante temerário pela perspectiva da governança corporativa e do direito societário e tributário, pois não há, ao menos por enquanto, possibilidade de formação de consórcios e segregação efetiva das responsabilidades dos administradores e dos resultados operacionais de cada marca.
Outrossim, há uma série de questões operacionais e tecnológicas que precisam ser estabilizadas, pois nem todas as bets possuem tecnologia própria e consistente, e/ou tampouco recursos disponíveis para o implemento de controles sofisticados e eficientes de acessos de usuários, impedidos de jogar, sistemas bloqueadores de hiperlinks de bets irregulares que copiam suas marcas, dentre outras funcionalidades necessárias para o cumprimento das diretrizes estabelecidas pela Lei 14.790/23.
A ausência de um cadastro único de jogadores impedidos de jogar, e de regulamentos quanto alguns dispositivos da lei tornam os controles das bets mais lentos e onerosos, o que acaba privilegiando a oferta irregular das apostas, e fomentando o estigma da aversão ao jogo, ainda que responsável.
Finalmente, a implementação do compliance tributário nas bets ainda caminha a passos lentos em decorrência de uma série de fatores, dentre os quais, destacamos:
- O recolhimento da contribuição de 12% sobre o GGR[1] ainda precisa ser saneado, pois muito embora a Lei 14.790/23 preveja que o percentual de 7,3% deve ser destinado às entidades do Sistema Nacional do Esporte e aos atletas brasileiros ou vinculados a organizações de prática esportiva sediada no país, em contrapartida ao uso de suas denominações, apelidos esportivos, imagens, marcas, e emblemas, seus hinos e símbolos na divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa, ainda não há regulação clara indicando a quem o pagamento deve ser realizado, e sequer como deve ser operacionalizado.
- As bets estão sujeitas ao pagamento das taxas de fiscalização para a Secretaria de Prêmios e Apostas, mas ainda não há uma fiscalização apropriada das casas de apostas regulares e, muito menos, dos sítios e operadores financeiros irregulares, ressalvada a celebração de acordo entre a entidade e a Anatel para acelerar o bloqueio às bets irregulares.
- Em menos de um ano da atividade, o governo federal aumentou em 50% o montante incidente sobre o GGR para 18%, a partir de outubro, fato que, somado à incidência dos demais tributos convencionais a que as bets estão sujeitas (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ISS, IOF), Taxa de Fiscalização e o vindouro imposto seletivo, tende a aniquilar a lucratividade das casas de apostas, afugentando investimentos nacionais e estrangeiros, impedindo a criação de empregos, diminuindo a própria arrecadação do governo, especialmente, no caso dos tributos sobre o lucro, além de dar espaço para as bets ilegais.
- Muitas bets possuem sócios e investidores estrangeiros que ainda estão conhecendo a complexa legislação tributária e estruturando seus times contábil/fiscal e jurídico, o que acaba as expondo a maiores dificuldades no cumprimento das normas tributárias, inclusive enquanto tomadoras de serviços, o que pode as expor à responsabilidade pelo pagamento de tributos devidos por seus fornecedores nacionais e estrangeiros quando operam com inobservância à legislação.
- Ainda no que se refere ao compliance tributário das bets, ponderamos que a sua estruturação já deve considerar a migração aos novos tributos criados pela reforma tributária, inclusive com a criação de catálogos de produtos e serviços adequado e aderente aos controles de destino relativos aos tomadores dos seus serviços.
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Como se pode observar, nossas breves considerações refletem apenas algumas das inúmeras questões de governança corporativa atinentes ao setor, que deve, a nosso ver, estar atento às nuanças da legislação brasileira e das normas da Secretaria de Prêmios e Apostas, de forma a estruturar um compliance tributário eficiente e apto a resguardar os interesses das casas de apostas e dos seus acionistas, evitando perdas financeiras relevantes, bem como de contingências futuras, que podem impactar negativamente na sua atividade empresarial.
[1] Game Gross Revenue (receita bruta menos premiações pagas)