A emergência climática impõe desafios crescentes às cidades, especialmente às grandes metrópoles como São Paulo. Entre metas globais, planos locais e dificuldades operacionais, há um campo fértil para ampliar o impacto das políticas públicas: as bibliotecas. Mais do que centros de informação, elas podem se tornar aliadas estratégicas na educação ambiental e na promoção da sustentabilidade.
A cidade de São Paulo já avançou na estruturação institucional de sua resposta à crise climática. A promulgação da Política Municipal de Mudança do Clima, o Plano de Ação Climática e o recente Plano Municipal de Educação Ambiental (PMEA) constituem um arcabouço robusto. Esses instrumentos reconhecem a importância da participação social e da transversalidade das ações educativas para alcançar metas de mitigação e adaptação.
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O plano tem como objetivos:
- Proteger, recuperar e aprimorar a qualidade ambiental do município e promover a utilização sustentável do espaço público.
- Posicionar São Paulo como capital mundial da sustentabilidade com uma ética para a preservação do meio ambiente, promoção da educação em sustentabilidade socioambiental e da cidadania;
- Fortalecer a gestão e a governança da política de educação ambiental;
- Mapear, articular e apoiar a gestão sistêmica e a implementação de todas as políticas públicas e iniciativas da sociedade civil de educação socioambiental;
- Disseminar informação e difundir conhecimento de educação ambiental para promoção de comportamentos e ações individuais, coletivas, corporativas diante da emergência climática.
No entanto, ao analisarmos o conteúdo do PMEA, chama atenção a tímida presença das bibliotecas. O termo aparece apenas oito vezes. Apesar disso, as bibliotecas têm um imenso potencial de atuação na construção de uma cultura ambiental crítica, engajada e acessível.
Espaços de transformação e participação
Bibliotecas escolares, públicas e especializadas são espaços de encontro, aprendizado e pertencimento. São ambientes democráticos, gratuitos e descentralizados, com capilaridade territorial capaz de alcançar comunidades periféricas muitas vezes à margem das políticas públicas.
Entre essas tipologias, as bibliotecas escolares ocupam um lugar estratégico na formação cidadã. Ao se integrarem à cultura escolar, promovem uma educação voltada à sustentabilidade e à justiça climática. Mais que centros de livros, desenvolvem projetos que fortalecem o senso crítico, a consciência socioambiental e as habilidades informacionais dos alunos (Campello, 2024; Nara; Condurú, 2021).
Complementarmente, as bibliotecas públicas exercem papel fundamental ao promoverem o acesso democrático à informação e à cultura. Sua natureza inclusiva e sua presença territorializada possibilitam ações educativas adaptadas às realidades locais, especialmente voltadas a populações em situação de vulnerabilidade socioambiental (Bichara, 2024).
Já as bibliotecas especializadas se destacam como centros de referência na organização e mediação de conteúdos científicos e governamentais sobre meio ambiente e sustentabilidade. Com acervos técnicos e atualizados, desenvolvem exposições, materiais informativos, eventos e investem em divulgação científica para que o conhecimento ambiental seja mais acessível e significativo para a população (Souza; Oliveira, 2017; Caribe, 2021).
Nesse contexto, destaca-se a figura do “bibliotecário verde”, conceito discutido por profissionais da área de Biblioteconomia, como símbolo de um novo perfil de atuação. Esse profissional, além das funções técnicas tradicionais, assume o papel de educador ambiental, planejando e executando ações voltadas à sustentabilidade. Incorporar essa perspectiva na formação e atuação dos bibliotecários pode representar um passo estratégico para o fortalecimento das políticas climáticas locais (Santana, 2024).
Esses equipamentos podem oferecer desde oficinas de reciclagem e clubes de leitura ambiental até exposições temáticas e rodas de conversa sobre justiça climática. Mais do que armazenar livros, podem abrigar práticas pedagógicas emancipatórias, desenvolver habilidades informacionais e fomentar o senso crítico – elementos centrais para uma educação ambiental transformadora.
Lacunas no Plano Municipal de Educação Ambiental
O PMEA reconhece o papel das bibliotecas de forma genérica, como equipamentos públicos com alcance comunitário. Porém, não há diretrizes específicas que articulem suas potencialidades com as metas ambientais do município. Isso representa uma oportunidade perdida de integrar as bibliotecas aos sistemas de educação ambiental de forma mais planejada e efetiva.
Por exemplo, embora o PMEA destaque o Projeto Político Pedagógico das escolas e o Currículo da Cidade como instrumentos importantes para a agenda ambiental, não há menção explícita às bibliotecas escolares como parte integrante dessas estratégias.
Tampouco se explora o papel das bibliotecas públicas em atividades de extensão educativa em bairros de alta vulnerabilidade socioambiental. A contribuição das bibliotecas especializadas não é demonstrada, pois são apenas citadas como parte da infraestrutura dos Centros de Educação Ambiental da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente.
Essas lacunas apontam para a necessidade de maior articulação entre as secretarias de Educação, Cultura e Verde e Meio Ambiente. É preciso reconhecer as bibliotecas como espaços vivos e intersetoriais de formação ambiental.
A hora de virar a página
Incorporar bibliotecas às estratégias de enfrentamento aos problemas climáticos é necessário. Trata-se de ampliar os canais de comunicação entre Estado e sociedade, qualificar o acesso à informação ambiental e garantir espaços seguros para a construção de soluções comunitárias.
Para que as bibliotecas se consolidem como espaços estratégicos na promoção da educação ambiental e no enfrentamento à crise climática, é necessário que tanto os instrumentos de planejamento quanto as ações das secretarias municipais diretamente envolvidas incorporem medidas específicas e estruturantes, como:
- Implantar bibliotecas escolares nas unidades de ensino da rede municipal e garantir a presença de bibliotecários qualificados nesses espaços;
- Ampliar o quadro de bibliotecários assegurando a presença de profissionais habilitados nas bibliotecas mantidas pelo poder público;
- Melhorar a infraestrutura física e tecnológica das bibliotecas tornando-as ambientes mais acessíveis, seguros, conectados e adequados às necessidades dos seus usuários;
- Ofertar formação continuada a bibliotecários, com enfoque em educação ambiental e justiça climática;
- Destinar recursos orçamentários específicos para o financiamento de projetos de educação ambiental desenvolvidos pelas bibliotecas escolares, públicas e especializadas;
- Adquirir, produzir e distribuir materiais didáticos e informativos contextualizados às bibliotecas;
- Implementar estratégias de divulgação e mobilização social, valorizando as bibliotecas como espaços públicos de informação, formação e engajamento comunitário;
- Estabelecer instâncias permanentes de articulação entre as secretarias envolvidas.
São Paulo tem vocação para liderar inovações em políticas públicas urbanas. Valorizar as bibliotecas como agentes ativos da sustentabilidade é mais uma oportunidade de exercitar esse protagonismo – e de escrever um novo capítulo na construção de uma cidade resiliente, justa e ambientalmente consciente.
BICHARA, Ana Maria da Silva. Vamos falar sobre bibliotecas verdes?. In: CAETANO, Alessandra Monteiro Pattuzzo; BARBOSA, Eliana Terra; PEREIRA, Gleice. O protagonismo dos bibliotecários capixabas na construção de espaços de inovação. [Belo Horizonte]: Amplla, 2024.
CARIBE, Rita de Cássia do Vale. A biblioteca especializada e o seu papel na comunicação científica para o público leigo. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 185–203, 2021. DOI: 10.26512/rici.v10.n1.2017.2511. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/2511. Acesso em: 11 abr. 2025.
CAMPELLO, Bernadete. A biblioteca como lugar de aprendizagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2024. 212 p.
NARA, F. M. de A.; CONDURÚ, M. T. Biblioteca escolar: da educação ambiental à construção de uma cultura sustentável. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 17, p. 1–21, 2021. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1437. Acesso em: 25 mar. 2025.
SANTANA, Alessandra Jácome de. “Bibliotecário verde”: conceito do profissional que promove a educação ambiental. In: CBBD, 30., 2024, Recife. Anais…. Recife: Febab, 2024. Disponível em: https://portal.febab.org.br/cbbd2024/article/view/3331. Acesso em: 24 mar. 2025.
SÃO PAULO (Município). Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. PMEA-SP: Plano Municipal de Educação Ambiental de São Paulo. São Paulo: SVMA, 2024. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/meio_ambiente/umapaz/Ebooks/Ebook_PMEA.pdf. Acesso em: 23 mar. 2025.
SOUZA, Raquel Costa de; OLIVEIRA, Eliane Braga de. A biblioteca especializada na Ciência da Informação. BIBLOS – Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, Rio Grande, v. 31, n. 1, p. 185–194, jan./jun. 2017. DOI: 10.14295/biblos.v31i1.6182. Disponível em: https://periodicos.furg.br/biblos/article/view/6182. Acesso em: 11 abr. 2025.