Características que estão aparecendo nos indivíduos que vivem nas cidades podem ser os primeiros sinais Tecnologia, Animais, Animais silvestres, Estudo CNN Brasil
O esperto e adaptável guaxinim urbano pode estar evoluindo para ter um focinho mais curto — uma característica física fundamental de animais de estimação e outros domesticados. A nova descoberta descreve o que uma bióloga afirma poder ser o primeiro registro de domesticação em seus estágios iniciais.
Para Raffaela Lesch, professora assistente da Universidade de Arkansas em Little Rock, a inspiração surgiu enquanto caminhava pelo campus. Ela havia jogado uma lata em uma lixeira, e esta fez um barulho abafado em vez do típico som metálico. Logo, ela descobriu o motivo, quando um guaxinim — também conhecido como “panda do lixo” — colocou a cabeça para fora do lixo.
Lesch refletiu sobre como os guaxinins podem ser prevalentes e à vontade em ambientes urbanos — mesmo durante o dia — e isso despertou sua curiosidade: ela poderia estar testemunhando os estágios iniciais do mesmo processo que levou à domesticação dos cães milhares de anos atrás?
“Foi naquele momento que comecei a me perguntar se poderíamos ter uma diferença entre populações rurais e urbanas, onde os grupos que vivem nas cidades foram colocadas nesta trajetória rumo à domesticação”, disse Lesch.
É apropriado que o lixo tenha estado envolvido em sua epifania. Registros fósseis sugerem que os lobos começaram a circular próximo aos humanos há cerca de 30.000 anos, procurando restos de comida e sobras.
Ao longo de milhares de anos, em todo o mundo, adaptações no comportamento e características físicas desses anmais os tornaram adequados para a coabitação com as pessoas. Isso é, em uma palavra, domesticação.
“O lixo é realmente o ponto de partida. Onde quer que os humanos vão, há dejetos. Os animais adoram isso”, disse Lesch em um comunicado. “Tudo o que eles precisam fazer é suportar nossa presença, não ser agressivos, e então podem se banquetear com qualquer coisa que jogamos fora”
Seria apropriado e curioso se nossa próxima espécie domesticada fosse o guaxinim.
Para testar essa hipótese, Lesch e uma equipe de estudantes investigaram se os guaxinins que vivem em áreas urbanas estavam desenvolvendo focinhos mais curtos, um indicador conhecido de domesticação.
Em busca da “síndrome de domesticação” em guaxinins

O naturalista Charles Darwin observou no século XIX que animais domesticados compartilham algumas características físicas aparentemente não relacionadas, que não são vistas em seus parentes selvagens.
Animais domesticados tendem a ter focinhos mais curtos, dentes menores, orelhas caídas, caudas enroladas e manchas brancas na pelagem. Um artigo publicado em 2014 na revista Genetics propôs uma explicação para o desenvolvimento desse conjunto específico de atributos, conhecido como “síndrome de domesticação”.
Os autores do estudo de 2014 propuseram que indivíduos menos agressivos e mais dóceis se saem melhor próximos aos humanos, levando a uma seleção natural por mansidão. Isso, por sua vez, parece afetar o desenvolvimento embrionário inicial — especificamente, uma diminuição nas células da crista neural que migram por todo o corpo e formam características da cabeça e face, além das células de pigmento que dão cor à pelagem.
“A seleção por mansidão parece ter criado uma espécie de déficit nessas células, o que nos ajuda a explicar todos esses diferentes traços que observamos”, disse Lesch.
Lesch optou por focar em uma dessas características — o comprimento do focinho — para determinar se os guaxinins em ambientes urbanos que compartilham espaço com humanos poderiam estar se diferenciando de seus parentes do campo.
Ela e 11 estudantes de graduação e cinco de pós-graduação de sua turma de biometria do outono de 2024 analisaram mais de 19.000 fotos de guaxinins no iNaturalist, um banco de dados online de observações da vida selvagem enviadas por amadores e cientistas cidadãos de todo o país.
Eles encontraram 249 imagens que mostravam os animais em perfil perfeito.
Em seguida, os pesquisadores utilizaram um programa de processamento de imagens para medir o comprimento dos focinhos dos espécimes, da ponta do nariz até o canal lacrimal, e o comprimento total da cabeça, da ponta do nariz até onde a orelha se conecta à cabeça.
Quando Lesch e seus alunos mapearam os condados onde cada foto foi tirada, um padrão claro emergiu: os focinhos dos guaxinins urbanos eram 3,6% mais curtos do que os dos que vivem áreas rurais.
“Isso não parece muito e, de certo modo, não é muito, mas se você pensar que esses animais podem estar apenas no início do processo de domesticação, já é um sinal bastante claro”, disse Lesch. Ela foi a autora principal do estudo publicado em 2 de outubro na revista Frontiers in Zoology.
No entanto, esse fenótipo específico de focinho mais curto, ou característica, pode ser um sinal de algo completamente diferente, afirmou a zooarqueóloga Kathryn Grossman, professora assistente de antropologia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que não participou da pesquisa.
“Não sei se isso é domesticação ou se é um fenótipo que coincide com a domesticação”, disse ela.
Guaxinins versus animais domesticados
Os guaxinins são uma presença comum ao redor das residências humanas, mas Grossman, que estuda restos de fauna de civilizações antigas, observou que eles diferem em alguns aspectos de outras espécies que passaram pelo processo de domesticação.
“Os animais que foram domesticados têm uma estrutura social muito específica”, disse ela, “e os guaxinins não se enquadram nessa categoria.”
Lobos selvagens, ovelhas e gado, por exemplo, vivem em alcateias ou rebanhos com hierarquias sociais claras e não são territoriais.
“Embora essas características definitivamente importem quando se trata da probabilidade de uma espécie ser domesticada, também vemos flexibilidade no que isso pode representar”, disse Lesch.
Gatos selvagens e lobos têm estruturas sociais e hierárquicas muito diferentes, segundo Lesch. “No entanto, ambos acabaram sendo domesticados”, observou ela. Os guaxinins podem não ser animais de alcateia, acrescentou, mas certamente são sociais.
Em seguida, Lesch espera validar as descobertas analisando uma coleção de crânios de guaxinins que abrange várias décadas e está guardada na universidade.
Ela também pretende comparar os comportamentos entre populações rurais e urbanas.
No entanto, sem o poder de viajar no tempo, Lesch nunca saberá se este é realmente o início de um processo de domesticação para estas criaturas engenhosas.
Se os guaxinins realmente estiverem a caminho da domesticação, em milhares de anos eles também podem começar a desenvolver orelhas caídas, manchas brancas e caudas enroladas, disse ela.
“Mas o que me deixa empolgada é que podemos explorar esta história enquanto ela está em seus estágios iniciais”, afirmou. “E embora possamos não ver no que isso vai se transformar, podemos criar um registro de como tudo começou.”
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