O primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil, em 2022, foi marcado pelos recados do relator, ministro Alexandre de Moraes, e por participações pontuais dos demais ministros da 1ª Turma – a maioria das vezes quando provocadas pelos advogados dos réus.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
O ministro Luiz Fux adotou postura mais contida em comparação à sua atuação durante os depoimentos dos réus, em que fez mais perguntas. A atuação mais combativa de Fux frente aos votos de Moraes, as divergências na dosimetria das penas do 8 de janeiro e o voto contrário à prisão domiciliar de Bolsonaro o alçaram a uma posição de um ministro bem-visto por grupos bolsonaristas.
Volta e meia, enquanto escutava os depoimentos dos réus, Fux consultava um calhamaço de folhas que estava sobre a mesa. Em uma das intervenções, o ministro pediu detalhes sobre a delação de Mauro Cid ao advogado Jair Alves Ferreira, que explicou que foi firmado por vontade própria e que Cid foi chamado outras vezes na sede da Polícia Federal e no STF para prestar esclarecimentos pontuais e não para mudar o teor da colaboração.
Desde os depoimentos, a delação de Cid é um ponto de incômodo para Fux. As defesas dos outros réus defendem a nulidade do acordo porque entendem que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi coagido pelos investigadores e por Moraes.
Outro momento em que Fux se manifestou foi quando provocado por Paulo Cintra, deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), sobre uma possível suspeição do ministro por conta do caso da Abin Paralela. De acordo com a PF, Fux e outros ministros foram monitorados pela agência de inteligência com o intuito de criar informações inverídicas sobre os ministros do Supremo.
Ao advogado, Fux respondeu que “evidentemente” não iria se considerar por impedido porque a questão não influenciaria no julgamento da trama golpista. “Aqui já se alegou impedimento que colega seria vítima, que o outro participou da prisão, o outro teria sido advogado. Isso aí não infirma de forma alguma na minha independência, malgrado isso tenha sido realmente um desvio gravíssimo de quem se diz um bom policial”, disse.
Urnas eletrônicas
A ministra Cármen Lúcia, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamou a atenção de Cintra. A magistrada destacou que há diferenças entre o voto impresso e o voto auditável e que a fala do advogado confundia os termos, alimentando a falsa informação sobre a segurança das urnas. Segundo Cármen Lúcia, isso vem sendo dito para criar uma dúvida na cabeça dos brasileiros e colocar o processo eleitoral em xeque.
Assim, a presidente da Corte Eleitoral reiterou que o voto é “auditável, íntegro e permanente seguro” e que é preciso parar de alimentar as confusões na cabeça dos brasileiros. Segundo a ministra Cármen Lúcia, “o nobre advogado fez muitas referências à inexistência ou que teria havido uma campanha pela eleição auditável, o que foi até objeto de projeto de emenda [à Constituição]”.
E acrescentou: “Passamos por auditorias e, para que não fique para quem assiste à ideia de que não é auditável: uma coisa é a eleição com processo auditável, outra coisa é o voto impresso”.
Com a intervenção, a ministra dá pistas de que a construção de uma narrativa falsa contra as urnas eletrônicas deve pesar em seu voto. Segundo a denúncia da PGR, a trama golpista começou exatamente no dia 29 de julho de 2021, quando o ex-presidente Bolsonaro atacou as urnas em uma live.
O ministro Flávio Dino fez mais perguntas ao advogado Eumar Novacki, do ex-ministro Anderson Torres. Dino queria saber qual a tese da defesa sobre as barreiras da Polícia Rodoviária Federal no 2º turno e o advogado explicou que não houve interferência de Torres. O ministro também quis saber sobre a minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres e o link na internet com o documento.
Leitura do relatório com recados
Em um ato incomum no rito do julgamento de uma ação penal, Moraes aproveitou a leitura do relatório para passar recados: reforçou que a Justiça brasileira não vai se curvar às vontades internacionais – em referência ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump –, nem às pressões internas, como as ameaças vindas de grupos de direita do Congresso.
Sem falar especificamente de anistia, o relator afirmou que a “impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”. O termo tem sido usado pelos grupos defensores da anistia.
O ministro também falou da participação de Fux no decorrer do processo e a fala foi interpretada por advogados dos réus e pela imprensa como um recado da desnecessidade de um pedido de vista.