Artefato têxtil, envolvido em um minucioso sistema de cordas, era usado para registrar informações no Império Inca Tecnologia, História, Império Inca, Peru, pesquisa CNN Brasil
Maior civilização das Américas pré-colonização, o Império Inca é alvo de um estudo arqueológico que rendeu uma descoberta extraordinária sobre as práticas de registro de informações.
Datado há mais de 500 anos, o artefato conhecido com quipu apresenta um complexo sistema de armazenamento de informações, elaborado a partir de um emaranhado de cordões e nós, que reunia dados sobre assuntos diversos – desde o registro de bens materiais a eventos astronômicos.
Acreditava-se, com base em descrições de cronistas espanhóis, que pouquíssimas pessoas no Império Inca sabiam produzir quipus. A função creditava-se apenas a alguns burocratas de alto escalão.
A principal novidade, no entanto, é que, ao contrário de outros exemplares já relatados, esta espécime chama a atenção pela composição do cordão principal: cabelo humano. Isso porque, usualmente, os quipus consistiam em um complexo artefato têxtil constituído por lã de lhama ou alpaca.
A inédita versão do sistema de escrita indica, portanto, que a tarefa de registrar informações, até então considerada um privilégio da elite, também fora desempenhada por plebeus, pessoas comuns da sociedade Inca.
O quipu em questão, uma mecha de 104 centímetros de cabelo humano, dobrada e torcida, datada de 1498 d.C., foi adquirido pela Universidade de St. Andrews, na Escócia.
Em um texto divulgado no site da instituição, a pesquisadora Sabine Hyland, que liderou a análise química, ressalta que o material continha um profundo significado simbólico no mundo andino e carregava “essência” de quem o manufaturava.
Os resultados indicaram um cardápio rico em tubérculos, leguminosas e grãos, com pouca carne e milho, e nenhuma evidência de peixe. Este padrão alimentar é típico de um plebeu que vivia longe da costa, e não de um membro da elite, como era a crença tradicional.

Código secreto além da nobreza
A descoberta desafia a narrativa histórica de que apenas a elite, os chamados khipukamayuqs, eram responsáveis pela criação e manutenção dos quipus.
A civilização inca era predominantemente oral e não utilizava a escrita como se conhece hoje, tornando o quipu o principal meio de registros da época. O comprimento dos cordões, a quantidade de nós e a distância entre eles continham informações cruciais sobre quantidades, datas e tipos de materiais.
“Foi um choque total,” disse Hyland à Science News. “Meu palpite é que era usado para registrar oferendas rituais. Deve ter sido algo muito especial para a pessoa sacrificar seu próprio cabelo.”
O achado, publicado na revista Science Advances, é considerado inédito, já que é o único exemplar da era inca em que o cordão principal é inteiramente feito de cabelo.
A hipótese de que plebeus também produziam quipus pode abrir caminho para uma revisão de coleções inteiras de artefatos incas em museus, motivando a reinterpretação da história dessa civilização, a partir da voz de indivíduos que não foram contemplados pela narrativa tradicional.