No último dia 30 de junho, o então presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, suscitou um Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos para dirimir a seguinte questão.
O requisito a consagrar padrão remuneratório diferenciado do detentor de cargo de confiança a que se refere o art. 62, II, da CLT deve ser observado em relação à remuneração global ou deve ser comprovado o percentual de 40% correspondente ao valor da gratificação de função percebida pelo empregado em relação ao salário do respectivo cargo efetivo?
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Não obstante fazer todo o sentido a questão (Tema 210) ter sido afetada ao Tribunal Pleno do TST, dada a multiplicidade de recursos de revista fundados na referida questão de direito e a ampla divergência de entendimento sobre a matéria, a futura decisão sobre o tema pode não resolver, por completo, a questão.
Isso porque, a remuneração, por si só, pode não ser considerada suficiente para classificar um determinado empregado como ocupante de cargo de confiança e, portanto, excepcionado da regra de controle da jornada de trabalho e pagamento de horas extras, nos termos do art. 62, II da CLT.
Note que a CLT inicialmente excepcionava do controle de jornada os gerentes, sendo aqueles que investidos de mandato, em forma legal, exerciam encargos de gestão, e, pelo padrão mais elevado de vencimentos, diferenciavam-se dos demais empregados, ficando-lhes, entretanto, assegurado o descanso semanal.
Em dezembro de 1994, o item II do art. 62 foi alterado e passou a prevalecer o texto atual, qual seja, os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.
Além disso, o artigo passou a contar com o parágrafo único que prevê que o regime de controle de jornada será aplicável aos empregados mencionados no inciso II do art. 62, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%.
A doutrina e a jurisprudência por muito tempo definiram alguns critérios que serviam de parâmetro para a caracterização do cargo de confiança, os quais exemplificavam os poderes de mando e gestão. Atualmente, no entanto, sequer os exemplos mais usuais parecem, por vezes, ajudar nessa discussão. Critérios como (i) a possibilidade de admitir e demitir empregados; (ii) ser responsável por transferências bancárias ou (iii) firmar contratos sem ser em conjunto com outro empregado ou um sócio, muitas vezes não estão presentes (eis que delegados a áreas específicas dentro da empresa), mas nem por isso pode-se descartar a existência de amplos poderes de gestão e mando detidos por determinados empregados.
Diante das mudanças corporativas das últimas décadas, o enquadramento de um empregado como cargo de confiança deve passar pela análise da realidade fática da estrutura organizacional da empresa; o que inclui a área em que o empregado está inserido; o status e os poderes a ele concedidos, ou seja, vai muito além da existência de subordinados e passa por uma avaliação do organograma e da participação do empregado em decisões que afetam determinadas áreas e/ou times e/ou projetos, bem como o acesso a questões estratégicas e sensíveis.
Ou seja, empregados exercentes de cargos de confiança são aqueles que detêm uma relação com o empregador que extrapola a razoável e esperada confiança do senso comum da relação de trabalho, detendo uma fidúcia especial, acima do normal. Para tanto, pode ser indiferente a existência de subordinados diretos, bem como de procuração ou outros pontos que – no passado – eram vistos como indicadores da dita longa manus do empregador.
O segundo desafio, que diretamente diz respeito à afetação que se pretende comentar, é no sentido de qual é a melhor interpretação do parágrafo único do art. 62 da CLT.
O parágrafo não tem uma redação clara, mas diz que o controle de jornada será aplicável quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver (ou seja, pode não existir essa figura) for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%.
Muitas questões advêm desse dispositivo, havendo decisões de Tribunais Regionais do Trabalho e das diferentes Turmas do TST nos mais variáveis sentidos.
As linhas de interpretação giram em torno de: (i) decisões que entendem pela desnecessidade de reajuste salarial, bastando o empregado ter uma remuneração diferenciada em comparação aos demais empregados (até porque o texto da lei menciona “se houver”, não se tratando, portanto, de uma obrigação legal); (ii) decisões entendendo que a gratificação de função no importe equivalente a 40% representa um critério objetivo e indispensável; (iii) outras entendem que cabe o pagamento da gratificação de função (equivalente a 40%) em rubrica separada do salário base e não apenas um reajuste salarial.
Há, ainda, a discussão em relação a qual salário deve ser aplicado os 40% (sobre o salário anteriormente recebido pelo próprio empregado (que foi promovido a um cargo de confiança) ou em relação ao salário dos subordinados diretos desse empregado; ou em relação à folha de pagamento da empresa).
Ainda que a afetação vise dirimir dúvidas sobre o critério objetivo em questão (acréscimo remuneratório e/ou gratificação de função e base de cálculo), idealmente a conclusão do Pleno do TST deveria ser na linha de que (a) não há obrigação de pagar uma gratificação de função (eis que a lei não obriga); (b) uma remuneração compatível com as atribuições, responsabilidades e poderes detidos deve ser considerado suficiente, somado às características da função em si.
Isso com vistas a não engessar as empresas com critérios econômicos que podem não ser de fácil implementação, como nas hipóteses de contratação direta de um empregado para uma posição dotada de ampla autonomia e poderes de gestão (quando seria impossível usar o parâmetro do reajuste salarial sobre salário anterior); no caso de o empregado exercente de cargo de confiança ser o primeiro empregado da empresa e, portanto, não ser possível ter parâmetro com relação a ele próprio e/ou a seus subordinados.
Mais ainda, não seria razoável considerar como base de cálculo o salário de empregados subordinados, tanto porque a existência de subordinados não é essencial para a caracterização do cargo de confiança, como também porque os subordinados podem ter salários próximos ao do empregado ocupante de cargo de confiança (por exemplo, um gerente não recebe, necessariamente, 40% menos do que um diretor da mesma área e impor tal diferença seria equivalente a inviabilizar a aplicabilidade do art. 62, II da CLT).
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Também há situações em que o empregado já recebe salário elevado e, com a promoção, ele passar a deter mais poderes de gestão e mando, sendo possível a classificação de sua posição como cargo de confiança, sem fazer sentido um reajuste salarial significativo, como os 40% em discussão.
O preenchimento dos requisitos legais para a caracterização do cargo de confiança demanda análise da realidade fática de cada caso concreto. Assim, o julgamento do Tema 210 (entendendo pela desnecessidade de 40% de gratificação destacada em rubrica separada e/ou pela necessidade apenas de diferença salarial em relação aos demais empregados e não necessariamente aos subordinados diretos, por exemplo) dará um norte sobre a melhor interpretação do parágrafo único do art. 62 da CLT, ainda que não resolva, por completo, as questões que envolvem a matéria.

