A reforma tributária sobre o consumo criou dois tributos, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, o IVA Dual brasileiro.
A CBS e o IBS, conforme art. 149-B da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional 132/23, terão os mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, bem como, entre outros, regras de não cumulatividade e de creditamento.
Buscou-se conciliar o novo modelo ao pacto federativo, garantindo-se autonomia aos entes federativos, contudo, mantendo-se a coerência entre os dois tributos.
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Inclusive, a partir da leitura de outros dispositivos introduzidos pela citada EC, fica claro que, para atingir o sucesso pretendido, com a concretização dos princípios da simplicidade e cooperação, será necessário implementar soluções integradas entre os entes federativos, com a harmonização de normas e interpretações. É que não faria sentido, por óbvio, que IBS e CBS, por serem tributos idênticos em sua essência, fossem tratados de forma diversa.
Feitos esses apontamentos iniciais, a EC 132/23, no seu art. 156-B, dispõe que os estados, o Distrito Federal e os municípios exercerão as suas competências exclusivamente por meio do Comitê Gestor do IBS, que, portanto, possui papel fundamental para o atingimento dessa coesão.
A uniformidade da CBS e do IBS certamente passará pela forma como esses tributos serão fiscalizados, sendo este o aspecto a ser aprofundado no presente artigo.
Sublinhe-se, inicialmente, que as diretrizes principais de fiscalização do IBS, assim como do Comitê Gestor, ainda estão em fase de discussão no PLP 108/24. De qualquer forma, a Lei Complementar 214/25 traz disposições sobre os dois novos tributos.
O seu art. 318 prescreve que o Comitê Gestor do IBS, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atuarão para harmonizar, entre outros, os procedimentos relativos ao IBS e à CBS.
O art. 324 da LC 214/25 determina que a fiscalização das obrigações principais e acessórias e a constituição do crédito ficará a cargo da administração tributária da União (Receita Federal) quanto à CBS e das administrações tributárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios quanto ao IBS, coordenadas pelo Comitê Gestor.
Consoante o seu art. 325, a Receita Federal e as administrações estaduais, distrital e municipais poderão utilizar as fundamentações e provas decorrentes de lançamento de ofício realizado por outro ente, ou seja, se utilizarão de determinada autuação de IBS para realizar outra de CBS, ou vice-versa. Nesses casos, no entanto, deve-se garantir o contraditório e ampla defesa ao sujeito passivo.
O mesmo artigo dispõe que a Receita e as administrações estaduais, distrital e municipais compartilharão os registros do início e do resultado das fiscalizações do IBS e da CBS em um mesmo ambiente, que será gerido de forma compartilhada entre Comitê Gestor do IBS e Receita Federal.
Segundo os arts. 326 e 327 da LC 214/25, poderá haver convênio para delegação recíproca da atividade de fiscalização do IBS e da CBS nos processos fiscais de pequeno valor (que não supere limite único a ser estabelecido em regulamento). É curioso que se faculte a celebração de convênio para a delegação recíproca somente nos casos de pequeno valor, dando tratamento de fato uniforme à CBS e ao IBS nessa hipótese específica, sendo que, nos demais casos, o contribuinte poderá estar à mercê de mais de uma fiscalização.
Dito isso, particularmente quanto ao IBS, o art. 3º, §§ 1º e 2º, do PLP 108/24, indica que se dois ou mais entes federativos estiverem interessados no desenvolvimento de forma concomitante de atividades de fiscalização relativas ao mesmo sujeito passivo, mesmo período e mesmos fatos geradores, o procedimento será realizado de forma conjunta e integrada, cabendo ao regulamento do IBS definir os critérios de titularidade e cotitularidade da fiscalização.
Outro ponto de destaque consiste na instauração de um procedimento a ser disciplinado pelo Comitê Gestor no caso de divergência na interpretação do IBS, apuração de sua base de cálculo ou do enquadramento dos fatos geradores, por ocasião da fiscalização. O aludido procedimento servirá, portanto, para dirimir divergências entre estados, municípios e Distrito Federal.
Ademais, ao dispor sobre o já citado sistema compartilhado de registro do início e do resultado das fiscalizações do IBS e da CBS, o PLP 108/24, tratando da competência do Comitê Gestor, dispõe que deverão ser arquivados as respostas, os esclarecimentos e os documentos fornecidos pelo sujeito passivo em atendimento, não podendo haver as mesmas solicitações em outra fiscalização exclusivamente para os mesmos fatos e mesmo período.
É inegável, portanto, a intenção da legislação complementar de garantir a harmonia nas atividades de fiscalização quanto à CBS e ao IBS e que os entes aproveitem informações e provas apresentadas. Não há, contudo, nenhuma obrigatoriedade para que os entes assim procedam, apenas genuínas recomendações.
Ainda, não há qualquer impedimento para que os contribuintes recebam fiscalizações ao mesmo tempo e para o mesmo período de CBS e IBS, havendo mera vedação para que os entes solicitem as mesmas respostas, esclarecimentos e documentos que já foram apresentados em outra fiscalização para mesmos fatos e mesmo período (art. 2º, § 11, I, do PLP 108/24).
Isto é, o risco de interpretação divergente pelo agente fiscalizador para a CBS e para o IBS permanecerá ao menos até que eventualmente haja pronunciamento vinculante do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (art. 321 da LC 214/25).
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Como resultado, os agentes fiscalizatórios, com liberdade, compreenderão a moldura da legislação e verificarão se os procedimentos adotados pelos contribuintes guardam pertinência com esta. No entanto, como ato de vontade, esses entes, que são autônomos quanto à CBS e ao IBS, poderão ter interpretações diferentes, pelo menos enquanto não vigente o citado ato vinculante harmonizador.
É por tudo isso que se questiona, com demasiada preocupação, a ausência de uniformidade obrigatória dos atos fiscalizatórios.
Ora, a reforma tributária sobre o consumo, na medida em que criou tributos gêmeos, deveria ter criado mecanismos compulsórios para que os entes tributantes se ajustassem e compusessem um órgão único de fiscalização, mantendo a unicidade dos tributos.
Não se quer com isso cercear a autonomia fiscalizatória de cada ente, mas evitar as sobreposições de fiscalizações e entendimentos.
Uma forma de solução seria a imposição, em qualquer hipótese, de fiscalizações conjuntas do IBS e da CBS (como permitiu a legislação para casos de pequeno valor e para o IBS quando diante do mesmo contribuinte, mesmo período e mesmos fatos geradores), garantindo-se uma única fiscalização.
Como conclusão, tem-se como indispensável a criação de mecanismos obrigatórios que concretizem a similitude entre CBS e IBS, permitindo que as fiscalizações sejam únicas e integradas, reverenciando-se, como consequência, os princípios constitucionais tributários da simplicidade e cooperação, impedindo-se, por fim, o fomento da insegurança jurídica e da imprevisibilidade tributária, o que justamente busca a reforma evitar.
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Este texto é fruto das discussões ocorridas no Núcleo do Mestrado Profissional da FGV Direito SP, na linha de pesquisa “Questões Contemporâneas do Contencioso Tributário”, em relação ao projeto “Reforma do Processo e seus Impactos na Reforma Tributária”