O avanço e a sofisticação das organizações criminosas no Brasil exigem uma integração maior entre os órgãos de controle e os de investigação, considera o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho. Ele avalia que a fronteira entre corrupção e crime organizado “ficou difusa”, o que obriga o Estado a desenvolver novas formas de cooperação institucional e de inteligência compartilhada.
“A gente vai tender a ver, num futuro não tão distante, mais articulação entre a CGU, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras], porque essa agenda de supervisão vai se conectar com a agenda de combate ao crime organizado”, afirmou, nesta quinta-feira (23/10), no XXVIII Congresso Internacional de Direito Constitucional, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.
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A megaoperação Carbono Oculto, deflagrada pela PF em parceria com a Receita Federal, é um exemplo recente dessa nova configuração, segundo o ministro. A investigação mirou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro ligado ao crime organizado no setor de combustíveis, revelando como organizações criminosas têm usado empresas formalmente constituídas e contratos com o poder público para movimentar recursos ilícitos. Padrão similar, de acordo com Carvalho, tem sido identificado em investigações do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que apontam a infiltração de facções em empresas de transporte público, com suspeitas de pagamento de propina.
“O mercado de contratos públicos, o mercado da economia formal, está sendo contaminado por esse chamado crime organizado tradicional. A consequência imediata é que a agenda tradicional de controle de políticas públicas, de contratos e licitações, precisa incorporar em seus mecanismos de inteligência elementos típicos de investigação criminal”, afirmou o ministro.
Vinícius de Carvalho também defendeu que a segurança pública seja entendida como condição essencial para o exercício de outras garantias constitucionais. “A segurança pública tem uma dimensão muitas vezes associada à atividade policial, o que faz sentido. Mas a gente não pode deixar de perceber a segurança pública dentro de uma gramática de direitos, porque o direito à segurança pública, ele é um direito que, obviamente, é um fim em si mesmo, mas ele é um direito que garante acesso a outros direitos”, disse.
O ministro também demonstrou otimismo com a PEC da Segurança Pública (Proposta de Emenda à Constituição 18/25), de autoria do governo, em tramitação na Câmara. “É um modelo que vai constitucionalizar o sistema público de segurança pública no Brasil num modelo de integração federativa que vai demandar dos órgãos de controle uma coesão também em termos de análise e de foco na objetividade dos recursos e na efetividade de determinadas políticas”, disse.
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Em linha com a fala do chefe da CGU, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também presente no evento, afirmou que o enfrentamento às grandes organizações criminosas no século XXI exige uma nova forma de pensar a segurança pública, baseada em inteligência integrada. “A resposta do Estado não pode ser fragmentada. O combate a grandes organizações criminosas exige cooperação internacional, inteligência policial e integração jurídica transnacional”, declarou.
Fonseca destacou que o crime organizado se tornou tão perigoso quanto o terrorismo e tem distorcido mercados e exercido poder econômico e político comparável ao de um “Estado paralelo”. Também alertou que novos desafios impostos pela economia digital, como o uso de criptomoedas e bancos transnacionais digitais, criam obstáculos adicionais às investigações financeiras.
Por outro lado, o ministro avalia que a pressão social por segurança tem levado, muitas vezes, à antecipação da prisão como resposta automática, resultando na criminalização da pobreza e na manutenção de uma massa carcerária composta majoritariamente por jovens, negros e pobres. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2015, um “estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário brasileiro, diante da violação generalizada de direitos.
Os ministros da CGU e do STJ participaram de painel sobre segurança pública e os desafios do combate às organizações criminosas. Também falaram no painel os advogados Gabriel Fonseca e Carolina Ferreira, e a professora Flaviane Barros, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

