Há 10 anos, quem queria um carro melhor que um popular comprava um sedã médio. Toyota Corolla, Honda Civic e Chevrolet Chevrolet Cruze vendiam bem e ainda receberiam novas gerações bem-sucedidas. Mas o mercado brasileiro começaria a mudar profundamente a partir daquele abril de 2015.
Os Honda HR-V, Jeep Renegade e Peugeot 2008 foram lançados naquele mês de abril. Ok, a primeira geração do Peugeot passou longe de ser um sucesso devido à escolha errada das opções mecânicas no lançamento. Mas o Jeep e o Honda ajudaram a mudar radicalmente o contexto do segmento dos SUVs compactos, uma nova moda que dura até hoje.
Para alguns, pode parecer que foi outro dia, mas 10 anos é muito tempo. A presidente era Dilma Rouseff, o carro mais vendido do Brasil no ano anterior havia sido o Fiat Palio e o que havia de SUVs compactos à venda eram o Ford EcoSport (reprovado no Longa Duração no ano anterior), o Renault Duster e o Chevrolet Tracker, o mais moderno dos três mas com importação do México limitada. Aliás, a Jeep não era nada no Brasil até aquele momento.

A Stellantis ainda não existia. Em 2015, o que se via eram os primeiros resultados práticos da FCA, o conglomerado que juntava as marcas Fiat e Chrysler, que começara a tomar forma em 2012. Essa união motivou a construção da fábrica de Goiana (PE), lançada justamente com o início da produção do Jeep Renegade.

Menor Jeep lançado até aquele momento, o Renegade também foi o primeiro carro da marca fabricado apenas fora da América do Norte: era produzido no Brasil, na Itália e na China (onde já saiu de linha). O carro surgiu da decisão de Sergio Marchionne, quem comandava a FCA àquela altura, de criar um Jeep a partir do projeto do Fiat 500X – que acabou sendo apresentado meses depois.
O Renegade foi um dos grandes acertos do Marchionne. Foi o design quadrado, as muitas referências aos Jeep clássicos e toda a imagem aventureira que a marca representa o que garantiu o sucesso do Jeep Renegade. Isso, pelo menos, nos primeiros anos.

A plataforma Small Wide é compartilhada com outros Fiat e Alfa Romeo. Os motores dos primeiros Jeep Renegade também eram compartilhados com os Fiat: o 1.8 E.torq com 132 cv (cujo projeto, originalmente, foi da Chrysler e depois vendido à Fiat anos antes da FCA), com câmbio manual de cinco marchas ou automático de seis e o 2.0 Multijet, turbodiesel, de 170 cv, sempre com câmbio automático de nove marchas e tração 4×4 integral. A versão flex partia dos R$ 69.990 e o diesel, dos R$ 99.900.

As vendas começaram em 10 de abril, quando a rede de concessionárias da Jeep cresceu de 45 para 120 pontos de venda. O que aconteceu a partir daquele momento foi coberto de perto por QUATRO RODAS. Nem o desempenho fraco e o alto consumo do motor 1.8, ou mesmo o problema no trocador de calor do câmbio automático foram capazes de frear o sucesso do Jeep Renegade no Brasil.
A Jeep se negou a divulgar quantos Renegade já foram fabricados em Goiana (PE), mas este número está ao redor das 600.000 unidades. Destas, cerca de 530.000 delas foram vendidas no Brasil – onde sustenta uma média de vendas mensal ao redor das 3.600 unidades.

O fato do Jeep Renegade vender bem no Brasil até hoje, mesmo sem nunca ter mudado de geração é um fenômeno. Na Europa e nos Estados Unidos, só teve algum sucesso nos primeiros anos. Aliás, o Renegade saiu de linha nos Estados Unidos em 2023 devido a uma forte queda nas vendas. O Brasil ainda tem chances de ultrapassar as 582.465 unidades vendidas nos EUA e se sagrar como principal mercado do pequeno Jeep.

O Renegade fez o brasileiro almejar ter um Jeep, enquanto o HR-V deixou os SUVs da Honda mais acessíveis. O preço inicial do Honda HR-V foi praticamente o mesmo do Renegade: R$ 69.900. As coincidências poderiam ter parado por aí, mas o Honda HR-V foi lançado em um hotel de Brasília (DF) enquanto o Jeep Renegade era apresentado aos concessionários no hotel ao lado, separado apenas por uma cerca.

Até 2015, a Honda só havia vendido um SUV no Brasil: o médio CR-V, que àquela altura ainda era importado do México e tinha preço competitivo, vendia relativamente bem.
O HR-V representava uma alternativa mais acessível e tinha um conjunto já conhecido do brasileiro. Enquanto o motor 1.8 de 140 cv era o mesmo do Civic, a cabine tinha a versatilidade do Fit oferecia e ainda mais espaço. Além do mais, estava alinhado ao projeto do carro no Japão, onde foi lançado no ano anterior como Honda Vezel.

Esse alinhamento com o carro japonês segue até hoje. Por isso, inclusive, o Honda HR-V teve sua segunda geração lançada no Brasil em 2022 e está em vias de passar por uma reestilização de meia vida.

Os Honda HR-V vendidos no Brasil ao longo dos últimos 10 anos vieram de diversas fábricas. A produção começou em Sumaré (SP), o que foi facilitado por compartilhar sua plataforma com Fit e City. Esta unidade foi substituída pela fábrica de Itirapina (SP) em 2021.

Entre 2015 e 2019, porém, o Honda HR-V também foi fabricado na Argentina e cerca de 13.000 unidades foram importadas de lá neste período para complementar a demanda pelo SUV compacto.
A Honda abriu os números de produção do seu carro. As fábricas brasileiras produziram mais de 456.000 unidades entre janeiro de 2015 e março de 2025, sendo que mais de 451.000 unidades foram vendidas só no Brasil.
Tanto o Honda HR-V quanto o Jeep Renegade passaram pelo teste de Longa Duração. Ao final do teste de 60.000 km, o HR-V teve uma avaliação mais positiva que o Renegade.
Uma mudança de paradigma
Em 2015, os Ford EcoSport e Renault Duster eram SUVs compactos legítimos em meio a diversos hatches aventureiros, como os Adventure, da Fiat, e o VW CrossFox. Mas eram carros simplórios. Os Jeep Renegade e Honda HR-V iniciaram um movimento de refinamento dos SUVs compactos.

O primeiro Honda HR-V tinha apliques macios no painel, nas portas (no início, com uma grande área de tecido) e seu console central elevado também tinha material sintético macio nas laterais. O Jeep Renegade tinha (e tem até hoje) painel inteiro revestido de material macio e podia ter motor diesel com tração 4×4, opções de teto solar (de vidro ou com placas de fibra removíveis) e até faróis de xenônio, além de quadro de instrumentos com tela colorida de boa resolução e com animações.
Os dois estreantes daquele mês de abril não eram tão mais caros. Enquanto o Ford EcoSport custava entre R$ 66.200 e R$ 87.100, o Renault Duster tinha preços entre R$ 62.990 e R$ 78.490 e o Chevrolet Tracker tinha preços entre R$ 85.890 e R$ 89.970. Todos eles tentaram, de alguma forma, melhorar seu nível de equipamentos e de mecânica nos anos seguintes. Como intruso, ainda tinha o Hyundai Tucson de primeira geração, um SUV médio que custava R$ 69.990.

Também nos anos seguintes estrearam outros SUVs compactos com proposta alinhada àquilo que HR-V e Renegade ofereciam. O Nissan Kicks estreou em 2016, o Hyundai Creta e o Renault Captur em 2017, Citroën C4 Cactus em 2018, Volkswagen T-Cross em 2019 e o novo Chevrolet Tracker em 2020.
Hoje o segmento dos SUVs compactos é tão grande e competitivo que respondeu por 25% dos carros novos vendidos no Brasil em 2024.
Como todos eles mudaram o mercado brasileiro? Ainda havia opções de peruas (compactas e médias), monovolumes, hatches aventureiros, hatches médios e hatches esportivos (DS 3, VW Fusca e Suzuki Swift, por exemplo) à venda no Brasil e grande parte do público destes carros migraram para os SUVs compactos e, mais tarde, para a nova safra de SUVs médios (Compass, Corolla Cross e Taos, por exemplo).

Os sedãs médios ainda se defendem, com o Toyota Corolla e o Nissan Sentra defendendo o segmento como podem. As vítimas do momento são os hatches compactos mais refinados, que estão sendo substituídos por SUVs ainda mais compactos, como Fiat Pulse, Renault Kardian, Citroën Basalt e VW Tera. A Chevrolet, a Hyundai e a Nissan também têm projetos em curso para essa nova fatia de mercado.
O Ford EcoSport bem inventou o segmento de SUVs compactos lá em 2004, mas foram os Jeep Renegade e Honda HR-V que começaram a dar corpo ao segmento naquele abril de 2015.