O mercado brasileiro de combustíveis passou, nas últimas três décadas, por transformações estruturais que alteraram profundamente sua dinâmica competitiva. A descentralização da distribuição e o avanço das distribuidoras regionais e dos postos de bandeira branca transformaram uma cadeia antes verticalizada e dominada por grandes marcas em um ecossistema mais aberto, dinâmico e plural.
Essa mudança redefiniu o equilíbrio de forças no setor e trouxe benefícios diretos ao consumidor, por meio de maior diversidade de fornecedores e preços mais justos.
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Historicamente, o mercado de combustíveis no Brasil foi caracterizado por forte centralização e pouca flexibilidade. Durante décadas, os preços dos combustíveis e os fretes de transporte eram tabelados pelo governo, o que limitava a competição entre os agentes. Nesse ambiente, o mercado era dominado por um modelo oligopolizado, no qual as grandes empresas de petróleo integravam toda a cadeia.
As bandeiras dessas companhias representavam não apenas marcas conhecidas, mas contratos de exclusividade de longo prazo que vinculavam o revendedor à distribuidora. Esses contratos restringiam de forma significativa a liberdade de negociação, impondo padrões visuais, comerciais e, indiretamente, de preço. O resultado era um mercado concentrado, de baixa mobilidade e com poder de barganha limitado para o revendedor e, por conseguinte, com impactos para o consumidor final.
Esse cenário começou a se alterar em 1997, com a promulgação da Lei do Petróleo (Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997), que abriu o setor à livre iniciativa e à competição. A partir daí, surgiram no país as distribuidoras regionais, empresas independentes, sem vínculos societários com grandes petroleiras. Em paralelo, começaram a se consolidar os postos de revenda de combustíveis de bandeiras regionais e de bandeira branca.
Nos primeiros anos da abertura do mercado, os postos de bandeira branca ainda eram raros, não por falta de demanda, mas porque não havia fornecedores dispostos a atendê-los. A expansão das distribuidoras regionais no Brasil foi o que viabilizou o crescimento desse segmento, criando um ambiente de competição real. Hoje o cenário é bem diferente: dos cerca de 45 mil postos revendedores de combustíveis do país, mais de 27 mil (aproximadamente 60% do total) são de bandeira branca ou de marcas regionais.
Com contratos mais flexíveis e relações comerciais baseadas em negociações de curto prazo, as distribuidoras regionais deram novo fôlego ao revendedor, que passou a buscar melhores condições de preço e logística, frequentemente em negociações semanais ou mensais.
Essa liberdade de escolha estimulou a eficiência em toda a cadeia, o que elevou significativamente o poder de barganha dos revendedores e introduziu um componente genuíno de competição que, antes, era inexistente, gerando pressão competitiva sobre as grandes distribuidoras. Na prática, a presença das regionais passou a balizar o preço de fornecimento e ajudou a conter repasses excessivos ao consumidor final.
Do ponto de vista econômico, a competição ampliada produz um benefício tangível: quando o revendedor tem múltiplos fornecedores, o preço tende a convergir para margens mais equilibradas.
Essa tendência é confirmada pelos dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No levantamento dos últimos cinco anos, observa-se que os postos de bandeira regional e os de bandeira branca – abastecidos majoritariamente por distribuidoras regionais – praticaram preços médios de gasolina, diesel e etanol em torno de 2% menores que os postos vinculados às grandes bandeiras, o que representa uma diferença superior a R$ 0,10 por litro, em média.
Em determinados momentos do período analisado, essa diferença chegou a até 4% (aproximadamente R$ 0,20 por litro). Esses resultados reforçam a importância da diversidade de agentes na formação de preços e na promoção de um ambiente mais competitivo.
Outro fator essencial para o equilíbrio competitivo é a atuação dos Transportadores-Revendedores-Retalhistas (TRRs), que contribuem sobremaneira para o abastecimento de regiões mais remotas. Em muitos casos, os TRRs operam em parceria direta com as distribuidoras regionais, ampliando a capilaridade logística e assegurando que localidades distantes não fiquem dependentes de um único fornecedor ou até mesmo desabastecidas. Ao promover uma distribuição de combustíveis mais democrática e equilibrada, esses agentes contribuem para a segurança energética em regiões historicamente menos atendidas.
Fora dos grandes centros urbanos, essa rede de agentes assume um papel ainda mais relevante. Em municípios menores, a relação entre o proprietário do posto e a comunidade é próxima e baseada em confiança. Os consumidores conhecem o revendedor e reconhecem sua responsabilidade direta pela qualidade do produto e pelo atendimento. Essa dimensão interpessoal reforça o vínculo de credibilidade e ajuda a sustentar um ambiente competitivo saudável, especialmente nos postos de bandeiras regionais, que se destacam justamente pela grande conexão com a sociedade local.
A presença de um grande número de diferentes distribuidoras regionais e dos postos de bandeira branca também contribuiu para um mercado mais saudável do ponto de vista concorrencial. Desde 2013, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) registrou 26 ações voltadas a coibir práticas de cartelização no setor, incluindo fixação de preços entre postos de uma mesma cidade, acordos de exclusividade disfarçados e ações coordenadas entre distribuidoras e revendedores para eliminar a concorrência.
Diante da relevância do tema, o Cade publicou, em julho, a Portaria 379/2025, que definiu o combate a práticas colusivas no mercado de combustíveis como prioridade regulatória até 2026. Esse esforço institucional tem sido fundamental para preservar a livre concorrência e evitar condutas que prejudiquem o consumidor.
Portanto, a expansão das distribuidoras regionais e dos postos independentes representa uma das transformações mais importantes e positivas do mercado brasileiro de combustíveis nas últimas décadas. O modelo atual estimula a diversidade de fornecedores, fortalece a autonomia do revendedor e favorece o consumidor com preços mais competitivos.
O futuro do setor dependerá da manutenção desse ambiente de liberdade comercial, com vigilância contínua contra práticas anticompetitivas e valorização dos agentes que mantêm o equilíbrio do sistema. As distribuidoras regionais são hoje símbolo da concorrência efetiva – agentes que democratizam o acesso à energia, fortalecem a segurança do abastecimento e asseguram que a competitividade se traduza em benefício para toda a sociedade.

