Estamos vivendo momentos difíceis, em que pessoas com grande poder trabalham contra os avanços sociais, econômicos, tecnológicos e científicos alcançados, notadamente, após a Segunda Guerra Mundial. Foram décadas de prosperidade e avanços, que, apesar de seus ganhos, trouxeram perdas a alguns setores da sociedade.
Como consequência, surgem pessoas que se dizem “conservadoras”, se apresentando como baluartes da defesa dos puros valores daquele grupo, e que procuram difamar as vantagens do “novo”, magnificando as possíveis falhas deste ou potencializando as perdas relativas, quando comparado com as “glórias” vividas no passado.
Conheça o JOTA PRO Energia, monitoramento jurídico e político para empresas do setor
Este conservadorismo ultrapassa o bom senso, quando se nega a ciência, criando-se teorias conspiratórias ou, ainda pior, desenvolvendo teorias para se contrapor à solidez da boa ciência. Estamos tratando dos que refutam os avanços na área de energia, com destaque para a energia elétrica.
Avanços estes que tiveram várias forças alavancadoras, a começar pelas crises do petróleo de 1973 e 1979. Então, os interesses geopolíticos dos países produtores de petróleo fizeram o preço do óleo disparar, como nunca tinha se visto e até hoje nada se comparou. A consequência disso foram desenvolvimentos tecnológicos e estratégicos marcantes, como o surgimento do etanol automotivo no Brasil.
Os custos, porém, foram significativos, refletindo no endividamento externo que culminaria na quase “quebra” do país em meados da década de 1980. Do lado tecnológico, só os que viveram aqueles momentos sabem o quanto era penoso partir um carro a álcool em dias de inverno. Somente com o avanço dos carros flex e com o seu uso na gasolina em substituição ao chumbo para melhorar a octanagem é que o etanol alcançou o justo pódio de reconhecimento do mercado.
Desde as crises da década de 1970, tantas outras forças levaram ao avanço das energias renováveis. A Europa se destacou sobremaneira, face à carência de fontes de combustíveis fósseis. Notadamente os países da OCDE passaram a ter preocupações ambientais (refutadas ou esquecidas por países governados por regimes totalitários), como a preservação do ar, da água e do solo, dragando neste movimento nações em desenvolvimento, como o Brasil, que pagavam um alto preço por crescimentos descontrolados, principalmente de suas metrópoles. Era uma questão de sobrevivência.
Mais tarde, já na década de 1990, formula-se a questão do aquecimento global, levando-se a um forte movimento de descarbonização da economia mundial, agora posto de lado por interesses de certos governos e empresários oportunistas. Todas estas forças contribuíram para um avanço tecnológico das energias renováveis igualável, guardadas as proporções econômicas, à revolução industrial do vapor. Este movimento, iniciando-se com a primeira crise do petróleo, é o que se pode chamar da atual transição energética.
Entretanto, o que estamos vivendo recentemente é um movimento mais intenso e profundo que uma transição tecnológica na produção energética. Passamos por uma verdadeira “transformação energética”.
Graças aos ganhos tecnológicos nos produtos e dos processos, é possível ter economia de escala na fabricação de equipamentos voltados à pequena produção descentralizada (como os painéis solares e as baterias), dando-lhes uma vantagem econômica quando comparados às grandes plantas geradoras, pois estas últimas exigem significativas estruturas de transporte, distribuição e gestão, além de trazerem perdas energéticas inevitáveis e impactos ambientais concentrados.
Se a geração de energia por fontes renováveis contribui para a descarbonização da economia (de fato, a despoluição), a descentralização, que se deu e se dá pelos ganhos tecnológicos, empoderou o que era entendido antes como “consumidor”.
Agora, não é apenas a liberdade de se escolher um produtor que se oferece em um mercado livre. É a possibilidade de produzir a própria energia (e estocá-la) que incomoda aqueles que, por décadas construíram um sólido sistema integrado e centralizado. Diga-se de passagem que este conservadorismo é um processo normal da sociedade e seus mercados.
O que é inadmissível neste momento da história é ser um “negacionista energético”, refutando todos os desenvolvimentos técnico-científicos que estão ao dispor para solucionar problemas naturais do avanço da geração distribuída por fontes renováveis. Dizer que estas trazem problemas é esquecer que o consumidor igualmente os traz (por exemplo, sobrecarga, variações de tensão acima de limites etc.), e que exigem investimentos do produtor.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Aqui cabe lembrar dos avanços das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), ou simplesmente digitalização, que, junto com os dois “Ds” apresentados anteriormente, compõe a sigla DDD (descarbonização, descentralização, digitalização) que sintetiza a atual transformação energética.
É graças à digitalização que se pode ter uma integração completa das fontes descentralizadas com suas unidades consumidoras. E mais, integrá-las de maneira harmônica ao sistema elétrico, em um jogo ganha-ganha. Querer usar ferramentas desenvolvidas para os grandes sistemas (se é que ainda são apropriadas a esses) na integração do trio produção-armazenamento-consumo ao sistema interligado nacional, como é o caso do corte compulsório (curtailment), é reconhecer a incapacidade em se utilizar as novas ferramentas disponíveis (como IA, blockchain, nuvem, armazenamento etc.).
O conservadorismo nos sistemas de produção é comum e até compreensível, dada a intensidade de capital e o tempo de maturação envolvidos. Incompreensível é negar os avanços tecnológicos, imputando a eles os males sistêmicos acumulados por décadas, grande parte resultante de inépcias recentes. Estes negacionistas energéticos merecem o desprezo de quem vislumbra um futuro sustentável e mais equilibrado para o Brasil e para o mundo.