Covas se abrindo, árvores caindo sobre túmulos, manutenção precária. Os diversos incidentes nos cemitérios do Distrito Federal ocorridos nos últimos meses têm feito a população da capital reclamar cada vez mais. É o que aponta a ouvidoria do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) do DF, que viu dobrar o número de queixas.
Dados solicitados pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o número de reclamações e denúncias registradas no Procon contra a concessionária Campo da Esperança Serviços Ltda., que cuida dos seis cemitérios do DF (Asa Sul, Taguatinga, Gama, Brazlândia, Sobradinho e Planaltina), aumenta ano após ano de 2023 aos dias atuais.
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Reclamações no Procon-DF sobre os cemitérios da capital dobraram nos últimos anos
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Denúncias também têm crescido
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No cemitério de Taguatinga, há vários túmulos deteriorados
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É comum ver cruzes quebradas
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Rachaduras em parte da estrutura também são fáceis de encontrar nos jazigos dos cemitérios
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É visível a falta de manutenção em alguns jazigos
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Reportagem esteve no cemitério de Taguatinga na última sexta-feira (18/7)
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Mais exemplos de túmulos destruídos
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Mais exemplos de túmulos destruídos
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Por outro lado, túmulos cujos parentes contratam jardineiros particulares costumam ser bem cuidados
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Jardineiros particulares estão proibidos de atuar nos seis cemitérios do DF, por decisão judicial
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Luana Landim, 36 anos
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Luana tem dificuldades para localizar o túmulo da mãe
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Joaquina Freitas (E), 82 anos, e Márcio Freitas (D), 48 anos
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Acompanhada do filho Márcio, Joaquina foi visitar o túmulo do pai, mas acabou não encontrando devido à falta de sinalização
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Em 2023, foram registradas 20 reclamações no Procon-DF contra a Campo da Esperança. No ano seguinte o número dobrou, sendo somadas 40 queixas.
No primeiro semestre de 2025, a ouvidoria do órgão somou 22 registros, ultrapassando os casos de 2023 mesmo antes do fim do ano e dando uma previsão de que a situação não melhorou de 2024 para cá.
Veja no gráfico:
O Procon-DF explica que, de 2019 a 2022, os dados eram registrados no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e não foi possível separá-los ano a ano. No período, a população protocolou 127 reclamações.
A reportagem também obteve dados de denúncias registradas junto à Diretoria de Fiscalização do Procon-DF. Os números são baixos, mas também indicam aumento: de 2019 a 2021, o órgão não computou nenhuma ocorrência. Já em 2022, foram recebidas duas queixas.
Em 2023, o Procon recebeu três denúncias, e, em 2024, duas. Em 2025 não há registros até o momento. Veja em detalhes:
Cobrança indevida
De acordo com o Procon-DF, os principais motivos das reclamações contra a Campo da Esperança são:
- Cobrança por serviço/produto não contratado/não reconhecido/não solicitado;
- Cobrança por serviço não fornecido/em desacordo com a utilização/ fora do prazo;
- Dificuldade para alterar ou cancelar o contrato/serviço;
- Venda casada (quando o cliente, ao contratar um serviço, é induzido pelo fornecedor a contratar outro de forma conjunta).
Os clientes alegam que a Campo da Esperança impõe que o cliente contrate a manutenção de túmulo oferecida pelo órgão no momento da compra do jazigo. “Os consumidores relatam ainda que a empresa impede o cancelamento do serviço de manutenção”, diz o Procon-DF. Também há casos onde o cliente reclama de cobrança de taxa de manutenção mesmo sem ter assinado o serviço.
Desorganização
O técnico em enfermagem Márcio Freitas, 48 anos, levou a mãe, a aposentada Joaquina Freitas, 82, para visitar o túmulo do pai dela no cemitério de Taguatinga, na última sexta-feira (18/7). Os dois sequer conseguiram encontrar o jazigo dada a falta de sinalização no local, segundo eles.
“Não encontramos devido às condições que se apresenta o cemitério: um pouco desorganizado, sem identificações… é muito difícil”, relata Márcio. O pai de Joaquina faleceu na década de 1990, e a família não ia ao local há cerca de quatro anos.
Além de não localizar o túmulo, Márcio e a mãe se disseram surpresos negativamente com a desorganização e a sujeira. “Sem contar os atos de vandalismo”, diz o técnico em enfermagem. “No jazigo da minha mãe havia um acendedor de velas, mas alguém quebrou e nunca foi consertado”, relata Joaquina.
A servidora pública Luana Landim, 36 anos, visita o cemitério de Taguatinga há 1 ano e meio. Ela conta que demorou meses para conseguir personalizar o espaço que guarda o corpo da mãe, falecida em novembro de 2023. “Os processos são muito demorados. Para colocação de placa e candelabros, por exemplo, leva até 90 dias. Antes disso, o local fica muito esquisito porque só tem a terra ali sobre o jazigo”, comenta.
Segundo Luana, a Campo da Esperança fez diversas ressalvas para que ela pudesse cuidar melhor do túmulo da mãe. “Eles fazem uma série de restrições. ‘Ah, não pode colocar isso, não pode arrumar aquilo…’. Às vezes eu vinha, colocava algumas pedrinhas para diferenciar um pouco e conseguir localizar mais facilmente, mas eles acabavam tirando”, declara.
Luana conta que, desde o início, optou por contratar um jardineiro particular devido à morosidade com a qual a Campo da Esperança tratou dos processos relacionados à mãe dela. “Se você não tiver um profissional de confiança cuidando, o jazigo fica bem jogado. Eu percebo pelos túmulos ao redor. É uma pena que [a concessionária] cuide tão mal. Em outras cidades, é tudo bonito, organizadinho”, afirma. “É um mínimo de respeito e dignidade que a gente quer.”
Relembre casos recentes
- Em 3 de julho, um homem caiu dentro de uma cova durante um enterro no Campo da Esperança da Asa Sul. Os parentes se juntaram com outras pessoas para retirar a vítima.
- Em janeiro deste ano, também no cemitério da Asa Sul, parte do chão cedeu e deixou túmulos abertos na área da Quadra 913, do Setor C. Vídeo divulgado pelo Metrópoles à época mostra a situação das covas.
- O mesmo problema já havia acontecido em novembro de 2024, um dia após o feriado de Dia de Finados, na mesma unidade. Desta vez, a cratera se abriu na área da Quadra 210-2, do Setor C.
- Um mês antes, em 26 de outubro, a auxiliar de serviços gerais Priscila Souza do Nascimento, 35 anos, foi “engolida” por uma cova enquanto limpava o túmulo de parentes dela.
- Meses antes, em 20 de janeiro de 2024, 10 pessoas caíram em uma cova após a laje de duas sepulturas vizinhas ceder. O caso aconteceu na unidade de Taguatinga. Ninguém se feriu com gravidade.
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Respostas
Em nota à reportagem, a Campo da Esperança Serviços Ltda ponderou que o número de reclamações registradas no Procon-DF “é considerado baixo em um universo de seis cemitérios que, juntos, abrigam 560 mil jazigos e recebem uma média de 1 mil sepultamentos e cremações mensais”.
O órgão afirmou ainda que “todas as reclamações são analisadas e, se forem procedentes, solucionadas”. “Nos últimos anos, das reclamações registradas no Procon, a grande maioria foi arquivada sem multa para a concessionária por terem sido resolvidas dentro do prazo estipulado. Da mesma forma são tratadas as reclamações registradas diretamente na administração dos cemitérios”.
Perguntada sobre a que se deve o aumento no número de reclamações, a Campo da Esperança entende que a exposição dos casos na imprensa é um fator determinante, mas afirma que são falsos os relatos contados em reportagens. A empresa também mencionou a batalha travada com os jardineiros autônomos, contada em reportagem do Metrópoles em novembro de 2024. “Ao mesmo tempo em que a empresa sofre com constantes boicotes dos jardineiros, ela investe na melhoria contínua da qualidade dos serviços e dos processos internos”, encerrou.