O PL 2554/2025, de autoria do deputado Charles Fernandes (PSD-BA), propõe uma alteração pontual, mas significativa, na Lei 14.133/2021, o novo marco legal das licitações e contratos administrativos. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposta tem como objetivo incorporar novos critérios de desempate com foco em sustentabilidade, inserindo elementos socioambientais de forma mais explícita e estruturada na lógica de adjudicação de contratos públicos.
Após ter seu relator, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), sido recentemente designado na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços, o projeto aguarda agora a apresentação de parecer, para posterior tramitação na Comissão de Finanças e Tributação e na Comissão de Constituição e Justiça, em caráter conclusivo. Caso aprovado, o texto poderá seguir diretamente ao Senado, salvo se houver recurso para apreciação em plenário.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O projeto modifica o art. 60 da Lei de Licitações a fim de incluir, entre os critérios de desempate, a adoção comprovada de práticas sustentáveis por parte das empresas licitantes. Embora a legislação vigente já permita a consideração de aspectos ambientais como diretriz para contratações públicas — conforme previsto no art. 11, inciso IV — o PL busca ampliar o protagonismo dessas práticas nos momentos decisivos do certame.
A proposta visa tornar mais explícita a possibilidade de se utilizar a sustentabilidade como critério de desempate, em complemento aos critérios já existentes, como desenvolvimento de tecnologias nacionais, cumprimento da legislação de acessibilidade, ou localização regional. Dessa forma, promove-se uma indução mais direta e sistemática à adoção de práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) no setor público e privado.
O regime jurídico das licitações públicas no Brasil é estruturado sobre um conjunto de princípios que orientam e vinculam a atuação da Administração Pública em todas as fases do procedimento licitatório. Entre os princípios expressos e implícitos que norteiam essas contratações, destacam-se a legalidade, a isonomia, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade, a eficiência, a vinculação ao instrumento convocatório, o julgamento objetivo e a competitividade. Esses princípios, previstos expressamente no art. 5º da Lei 14.133/2021, não apenas asseguram a regularidade formal do certame, mas também garantem sua legitimidade material e transparência dos atos administrativos.
A inobservância desses fundamentos pode acarretar a nulidade do procedimento, configurando vício insanável. Dessa forma, os princípios da licitação não são meras diretrizes interpretativas, mas verdadeiros imperativos jurídicos que condicionam a validade e a eficácia das contratações públicas.
Nesse sentido, percebe-se que o PL 2554 insere-se nesse contexto ao propor medidas voltadas ao fortalecimento dos princípios que regem não apenas as licitações, como também a atuação da Administração Pública. Trata-se de uma tentativa legislativa de alinhar os instrumentos normativos às exigências de uma gestão pública moderna, orientada pela sustentabilidade e boa governança, em consonância com os fundamentos do art. 37 da Constituição Federal.
Embora à primeira vista o projeto trate apenas de um aspecto procedimental — o desempate — ele revela uma mudança de paradigma. Em vez de pensar apenas em economicidade, a proposta encoraja uma visão mais ampla sobre a contratação pública, voltada para o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade corporativa.
Trata-se de um movimento em consonância com o art. 3º da Lei 14.133/2021, que já prevê que as licitações devem promover o desenvolvimento nacional sustentável. No entanto, ao detalhar um novo critério de desempate, o PL 2554/2025 se aproxima de uma regulação mais eficaz e operacionalizável, que transforma valores abstratos em comandos objetivos.
Essa abordagem está alinhada com as diretrizes do Plano Nacional de Contratações Sustentáveis e com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas — especialmente o ODS 12 (Consumo e Produção Sustentáveis) e o ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima).
Após a apresentação do parecer pelo relator na CICS, o projeto será submetido à deliberação da Comissão de Finanças e Tributação, que avaliará sua compatibilidade com o orçamento público e a legislação financeira. Em seguida, caberá à CCJC a análise de sua constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa.
Por tramitar em caráter conclusivo, o PL poderá ser aprovado nas comissões temáticas e enviado diretamente ao Senado, salvo se houver recurso assinado por 52 deputados para apreciação pelo plenário da Câmara. Dada a natureza técnica e o alinhamento do projeto com pautas institucionais e ambientais relevantes, há chance de sua tramitação avançar com celeridade.
Caso aprovado, o PL 2554 tende a impulsionar uma série de transformações na relação entre o setor público e os fornecedores privados. Empresas que queiram competir em pé de igualdade nos certames precisarão adotar — e comprovar — práticas sustentáveis, o que poderá incluir políticas de neutralização de carbono, uso de matérias-primas recicláveis, redução do consumo energético, certificações ambientais e políticas de diversidade e inclusão.
Do ponto de vista da Administração Pública, será necessário desenvolver metodologias e parâmetros objetivos para a avaliação e comprovação dessas práticas. Isso exigirá capacitação dos agentes públicos, elaboração de normas infralegais, e uma integração mais robusta entre áreas técnicas, jurídicas e de compras governamentais.
Além disso, será fundamental garantir que os critérios de sustentabilidade adotados como critério de desempate não violem os princípios da isonomia e da impessoalidade. Para isso, o uso de certificações reconhecidas, indicadores objetivos e sistemas de verificação independentes pode ser um caminho promissor.
O PL 2554 representa um passo importante para consolidar o papel estratégico das compras públicas como instrumento de transformação econômica e social. Ao incluir a sustentabilidade como critério de desempate, o projeto fortalece o compromisso do Estado brasileiro com uma administração pública moderna, responsável e orientada ao interesse público em seu sentido mais amplo — aquele que abarca o meio ambiente, o bem-estar coletivo e a justiça intergeracional.
Mais do que uma inovação normativa, o projeto de lei insere-se em uma agenda global de responsabilidade pública, que possibilita ao Brasil um alinhamento aos compromissos internacionais como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Ao incentivar critérios que vão além do menor preço, cria um ambiente mais favorável para empresas que adotam boas práticas socioambientais, reforçando a ideia de que responsabilidade e competitividade podem — e devem — caminhar juntas nas contratações públicas.
Trata-se de uma evolução normativa que reconhece o potencial das compras públicas não apenas como mecanismo de eficiência, mas como vetor de desenvolvimento sustentável. A expectativa agora recai sobre o parecer do relator e sobre a articulação política necessária para garantir que o projeto avance sem descaracterizações. Se aprovado, o texto poderá se tornar um importante marco no aperfeiçoamento da Lei de Licitações, reforçando o uso do poder de compra estatal como ferramenta de indução a práticas sustentáveis no mercado privado.