Embora não se possa aferir com precisão o efetivo impacto da articulação da extrema direita nos Estados Unidos – nomeadamente de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo – na imposição de tarifas ao Brasil e na aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, o fato é que referidos agentes assumiram, orgulhosamente, a autoria.
Embrulhada como comercial, a notícia das tarifas cotinha um pressuposto mentiroso (déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil) e uma condição não comercial e impossível de ser cumprida pela União: abrir mão da persecução criminal contra Jair Bolsonaro.
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A entrada institucional estadunidense no cenário judicial de Jair vem sendo percebida como ingerência indevida no Judiciário brasileiro; dado o peso desse personagem e a intensidade das promessas retaliatórias, ingerência torna-se coação. No curso do processo.
Dá-se, assim, a seguinte situação fática: Eduardo Bolsonaro, em benefício e com apanágio do pai (de largada, Pix de R$ 2 milhões para o filho se manter no exterior), ao lado de outros bolsonaristas, age ativamente no exterior para exercer pressão ilegal contra o Judiciário brasileiro.
O Judiciário reage. Diante de uma possível fuga, seja direta, seja via acolhimento por outra nação em espaço protegido pela Convenção de Genebra, inclusive considerando a curiosa escapadela prévia à da Hungria, o ministro relator impõe tornozeleira eletrônica e proibição de aproximação de embaixadas. Adiciona a clássica – e, em minha opinião, inconstitucional – proibição de manter contato com outros investigados.
Por fim, impõe cautelar sui generis: para que Jair não fosse Jair.
Digo isso não pela parte objetiva da cautelar (não poder usar suas redes, nem mediante apoio de terceiros), mas pela mais obscura, relacionada à retransmissão, republicação etc., ao tempo em que não impunha uma vedação completa a manifestações públicas.
Jair poderia falar, mas não poderia fazê-lo com vistas a gerar conteúdo para alimentar as redes; poderia dar entrevista, mas sem atacar o Judiciário; poderia se defender, sem explorar emocionalmente a tornozeleira. Uma cautelar para Jair não ser Jair.
Deu errado. E não poderia ser diferente. Jair personifica a fábula do escorpião que fere o sapo: ele é feito basicamente de bile. Ela só regressa à vesícula quando sentado no banco dos réus, convidando seu algoz para ser seu vice; ou ministro.
Dá errado, ademais, porque deixa os contornos do que pode ou não pode ser dito por Jair, em grande medida, ao talante do relator. Ingrediente perfeito para que a militância descole o micro (“mostrou a tornozeleira”, “saudou manifestantes em Copacabana”) do macro – a coação em curso contra o Judiciário, multifacetada, multifronte, e fornecendo a Jair certa plausible deniability, como sói acontecer em figuras com essa proeminência.
Domingo último a armadilha da cautelar-que-não-deveria-ter-sido-imposta se revela com maior clareza: objetivamente, cuida-se de saudação a manifestantes em Copacabana, com a tornozeleira nada discretamente escancarada em primeiro plano; mas também objetivamente é uso de rede social, em um domingo, de dentro da casa do réu, por meio de terceiro diretamente vinculado a ele: o filho.
Uma manifestação singela, uma simples saudação; ao mesmo tempo, uma clara violação à cautelar.
A dimensão material recomendaria ignorar o mau passo (ainda que, em minha opinião, de risco conhecido, calculado e precificado); a institucional impõe uma escalada, eis que em desafio direto à autoridade do STF.
A prisão domiciliar de Jair era inevitável, não porque inexorável, mas porque ninguém a quis evitar: nem o relator, ao decretar cautelar tão sui generis quanto inexequível, nem o réu, que, como é de sua natureza, sempre dobra a aposta.