É raro no Brasil que possamos homenagear nossos grandes intelectuais ainda em vida, reconhecendo suas contribuições enquanto eles seguem ativos, influentes e inspiradores. Foi justamente isso o evento realizado na semana passada na FEA/USP em homenagem ao professor Décio Zylbersztajn – organizado com apoio de diversas entidades como a Associação Brasileira de Direito e Economia e a Associação Brasileira de Liberdade Econômica.
Um tributo a uma trajetória acadêmica e institucional que transformou a forma de pensar o agronegócio, o Direito, a economia e a administração no país (com a parceria da professora Rachel Sztajn, sobre a qual falaremos em um próximo artigo).
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Décio, engenheiro agrônomo com PhD em economia aplicada, foi um dos responsáveis por introduzir no Brasil a Nova Economia Institucional (NEI), em parceria com a professora Elizabeth Farina, também da FEA/USP. Termos como custos de transação, contratos incompletos, mecanismos de governança e arranjos institucionais entraram no vocabulário nacional, em grande parte, por sua atuação pioneira.
Sua obra demonstrou (e vem demonstrando), entre outras coisas, que não há economia sem instituições, e que compreender os incentivos que moldam contratos e organizações é essencial para entender tanto o agronegócio quanto os setores financeiro e regulatório. Foi e é um grande divulgador das obras dos economistas laureados Coase, Williamson e North.
Todavia, mais do que pesquisador, Décio, coerente com sua teoria, foi um criador de organizações que muito colaboraram para nosso desenvolvimento institucional. Décio e Beth Farina instituíram e coordenaram o Pensa (Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial), referência nacional e internacional no estudo do agronegócio e da governança das cadeias produtivas.
O Pensa se tornou um espaço de formação, de pesquisa aplicada e de diálogo com empresas e governos, ajudando a consolidar o agronegócio como campo estratégico de estudo e de formulação de políticas.
Décio também esteve por trás, com Rachel Sztajn, da criação do Cedeo (Centro de Estudos de Direito, Economia e Organizações), que reflete sua visão interdisciplinar. Ali, juristas, economistas e gestores passaram a pensar juntos sobre incentivos, custos de transação e eficiência institucional. Foi um marco para a análise econômica do direito no Brasil, ao trazer para o campo jurídico categorias que até então estavam restritas à economia.
O evento em sua homenagem serviu também para lembrar como sua obra permanece atual e aponta para o futuro, tanto que sua tese de livre docência (atualizada) concorreu ao prêmio Jabuti. Nos debates contemporâneos sobre regulação, sustentabilidade, inovação tecnológica ou governança do agronegócio, a contribuição de Décio segue indispensável.
Ele sempre insistiu na necessidade de olhar para os incentivos, custos de transação e evidências por trás das normas e das políticas públicas. Em um país que enfrenta desafios de regulação de mercados digitais, de cadeias agroindustriais globais e de políticas de sustentabilidade, sua perspectiva institucional é mais necessária do que nunca. Mais ainda, como ele próprio trouxe em sua fala na ocasião, em um momento em que as instituições sofrem descrédito.
Décio mostrou que as soluções não derivam apenas do governo ou do mercado, mas também em arranjos privados e públicos bem estruturados, capazes de alinhar interesses e reduzir ineficiências. A moratória da soja, os sistemas de certificação e os mecanismos privados de governança podem ser pensados a partir dessa ótica, por exemplo.
Décio é, acima de tudo, um mestre generoso. Sua marca está em gerações de pesquisadores e profissionais que formou ou influenciou. Ao mesmo tempo rigoroso e aberto ao diálogo, sempre incentivou a construção de instituições coletivas, duradouras e capazes de sobreviver ao esforço individual, como bem salientou em sua fala no evento.
O Pensa e o Cedeo não são apenas centros de pesquisa, mas testemunhos vivos de sua obra e de sua visão de futuro. Ambos devem continuar ativos, renovando-se e formando novas gerações.
Homenagear Décio em vida e com ele cooperar em novas iniciativas é um privilégio. Significa reconhecer que sua trajetória segue produzindo frutos e que seu legado não é apenas memória, mas realidade em constante construção. É celebrar um intelectual que sabe unir rigor acadêmico e generosidade pessoal, teoria e prática, nos saberes de direito, economia e gestão.
O Brasil precisa de mais Décio Zylbersztajn (e de Rachel Sztajn e Beth Farina). Precisamos de pensadores que construam pontes entre áreas, que criem instituições duradouras, que pensem o país com base em evidências, incentivos e governança a partir de lentes interdisciplinares.
O evento em sua homenagem foi um gesto de gratidão coletiva e um lembrete de que seu trabalho continua essencial para os desafios do presente e do futuro e, acima, de tudo, que contamos com ele para os próximos passos do Cedeo.