Os programas ESG, que mensuram o desempenho ambiental, social e de governança das empresas, enfrentam escrutínios desafiadores, que vêm gerando novos desafios. Em uma ponta, cresce a pressão dos stakeholders demandando mais sustentabilidade e na outra, avança a necessidade de fortalecer os fatores de governança, ambiental e social para evitar riscos emergentes.
Neste cenário desafiador, o professor de Oxford, Robert G. Eccles, fez uma provocação no artigo “Moving Beyond ESG”, publicado na Harvard Business Review, para que as empresas sejam proativas e construam suas próprias narrativas sobre o ESG, ao invés de adotar narrativas de terceiros, que nem sempre lhe são favoráveis. Essa proposta é interessante porque permite à empresa expressar como experimenta o ESG, como detalha sua vivência real, os efetivos impactos que gera e os diálogos que constrói com seus stakeholders, amplificando essas vozes.
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A importância que as narrativas passaram a ter no Brasil e no mundo são amplamente reconhecidas enquanto ferramentas de expressão no cenário político para defender determinadas ideias e valores, que são compartilhados pelas partes interessadas, visando determinados propósitos.
É sempre bom lembrar que a narrativa organiza os sentidos com base em dados dispersos no imaginário dos sujeitos e os reordena. Dessa forma, faz o relato de fatos, que podem ou não ser controversos, dispondo publicamente diferentes versões. Por exemplo, pode tratar da crise climática como um tema preocupante para a sobrevivência do planeta e com reflexos sobre os negócios da empresa ou de forma minimizada, negando sua urgência e gravidade e seus impactos negociais.
Ao contrário do uso político das narrativas, no caso das corporações, a narrativa do ESG teria a função de contar a própria história da empresa frente aos seus objetivos sustentáveis, gerar dados para a reflexão, a construção de significados e a formação de opinião de seus stakeholders.
Com uma narrativa própria e inclusiva, as companhias têm o condão de demonstrar o quanto estão comprometidas com a sustentabilidade, a responsabilidade social e a governança ética, gerando credibilidade e confiança junto a clientes, investidores, colaboradores e parceiros, além de impactarem positivamente sua reputação.
Uma narrativa assertiva ajuda a comunicar uma cultura orientada para um propósito e um comprometimento com a integridade corporativa, diferenciando a companhia de seus concorrentes e demonstrando a criação de um valor de longo prazo. Esse processo pode atrair mais capital focado no ESG e auxiliar no recrutamento, uma vez as gerações mais novas querem trabalhar em empresas com propósitos.
Nesse viés, a narrativa própria passa pela comunicação de impacto e estratégica, que atua como uma ponte de continuada transformação e mensagens plurais. No ESG, a comunicação tem o papel de narrar uma história verdadeira sobre práticas, impactos e responsabilidade. É um caminho para demonstrar que a empresa construiu ao longo de sua história um legado para deixar no plano ambiental, social e de governança.
No plano geral, a narrativa sobre o ESG também é vista como frágil e precisaria ser fortalecida para ter a repercussão devida:
“Embora o ESG tenha desenvolvido padrões, divulgações e métricas sofisticados, nunca investiu na infraestrutura narrativa para explicar seu propósito, construir a compreensão pública ou garantir legitimidade além dos círculos institucionais. Sem o engajamento mais amplo das partes interessadas e a narrativa eficaz que conecta o ESG às realidades vividas pelas pessoas, ele se tornou vulnerável. Os críticos não precisaram questionar as estruturas de contabilidade de carbono ou de materialidade; em vez disso, reformularam o ESG como um destruidor de empregos, uma agenda de elite ou uma intrusão indesejada na vida cotidiana”.
Essa afirmativa de Ioannis Loannou, professor da London Business School, joga luz sobre um lado do ESG que ainda precisa ser explorado.
Loannou explica que a narrativa pode parecer um conceito incomum, mas é essencial para conquistar apoio amplo. É por meio dela que se estabelecem conexões entre pessoas e instituições, se transmite significado e se define se o ESG está sendo percebido como uma liderança autêntica ou apenas como uma estratégia de marketing corporativo. As narrativas não são um exercício de comunicação, mas uma forma de gerar confiança, diálogo transparente, responsabilização clara e engajamento inclusivo dos stakeholders.
Para ele, é importante que a narrativa seja contada por diferentes vozes, que se somam. Portanto, deve ser o mais inclusiva possível para quebrar resistências às práticas ESG e seus impactos. Na visão de Loannou, para atingir a construção de narrativa ESG efetiva, as empresas precisam ir além de consultas esporádicas ou reativas, avançando para processos contínuos com as partes interessadas e apoio a iniciativas que ampliem a compreensão sobre os padrões e percepções públicas do ESG. Essa perspectiva traria mais legitimidade à narrativa ESG.
Um exemplo de narrativa ESG, citado por Loannou, foi o Acordo de Bangladesh (Índia), voltado ao setor de vestuário. Foi firmado depois do desabamento do edifício Rana Plaza, em 2013, que resultou na morte de mais de mil trabalhadores e deixou milhares de feridos graves. A tragédia deu origem ao Acordo sobre Segurança contra Incêndios e Edificações em Bangladesh, destinado a promover segurança no ambiente de trabalho no setor de confecções. A iniciativa foi assinada por 40 marcas e varejistas, dois sindicatos globais e oito sindicatos de Bangladesh.
No Brasil, é possível tomar o Anuário de Integridade ESG 2025, da Insight, apoiado pela FGV e considerado o terceiro think tank mais relevante do mundo, como um exemplo de esforço para tecer uma narrativa do ESG, revelando as 100 empresas nacionais mais comprometidas com práticas de sustentabilidade, responsabilidade social e governança corporativa. A publicação faz um resumo dos compromissos ESG e dos resultados obtidos pelas empresas melhor posicionadas por meio de narrativas estruturadas, que vinculam histórias humanas e dados reais.
A narrativa ESG robusta, portanto, precisa ser colaborativa, ou seja, deve contar com a participação dos diferentes stakeholders e tem de se consubstanciar em uma atuação genuína e confiável, desenvolvida em processo participativo e de diálogo com as partes interessadas, superando as inseguranças trazidas pelos ventos das mudanças políticas e econômicas.
As narrativas consolidadas também ajudam a fazer a contenção das reviravoltas pelas quais passam o ESG, como a volta do endosso ao uso da materialidade simples (ou financeira), reverso da materialidade dupla na mensuração do ESG. Mais tradicional, a materialidade simples ocorre quando a organização foca em identificar os temas ESG com impacto direto no desempenho financeiro do seu negócio e desconsiderando os impactos sobre a sociedade e o meio ambiente.
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Nessa ótica, deixa de sopesar suas possíveis externalidades negativas, como a poluição do ar e riscos à saúde de trabalhadores e comunidades ou descarte de resíduos perigosos, que também podem ser contaminantes para rios e solos, impactando a vida planetária.
Para ir além dos avanços medidos pelos frameworks, a narrativa ESG deve humanizar os dados expressos nos Relatórios ESG, descrevendo as causas com as quais a empresa se alinha, as lições aprendidas ao longo do caminho e os impactos causados em diversas comunidades. Os fatos relatados devem ser relevantes, aumentando o engajamento das partes interessadas, a confiança na marca e impulsionando os negócios.